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Ingressos de festivais sobem mais que o dobro da inflação; há abuso?

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

15/11/2016 06h00

Ir aos principais festivais de calendário do país, o Rock in Rio e o Lollapalooza, está doendo no bolso do fã de música. Nos últimos anos, os ingressos desses dois eventos registraram aumentos de pelo menos o dobro da inflação, afastando a parte menos endinheirada do público.

Desde que o adotou o atual formato bienal, em 2011, o Rock in Rio subiu sua entrada inteira para um dia de R$ 190 para R$ 435 valor sem taxas do Rock in Rio Card. O incremento é de 129% ante inflação de 50,5% no mesmo período, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Já o Lollapalooza, que estreou no país em 2012 com ingressos mais baratos a R$ 300, abriu as vendas de sua próxima edição, que acontecerá em março em São Paulo, com ingressos custando R$ 540 (primeiro lote de inteiras para um dia). Um aumento de 80% contra inflação de 40%.

Se as cotas de patrocínio, quantidade de shows nacionais e internacionais e serviços oferecidos por esses festivais pouco mudaram ao longo dos anos, por que os ingressos estão custando cada vez mais, num período em que o Brasil atravessa uma de suas mais graves retrações econômicas?

Segundo economistas, a primeira explicação está relacionada à ainda alta demanda pelos ingressos. Apesar da crise, o público brasileiro, especialmente o das classes A e B, foco desse tipo de festival, não abriu mão do entretenimento, dando margem a aumentos conforme a procura.

A segunda, e mais óbvia, está no dólar. Nos últimos seis anos, já considerada a alta decorrente da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a moeda americana se valorizou 100%, interferindo diretamente em contratos.

É o que diz a organização do Rock in Rio, frisando que grande parte dos custos do festival vem em dólar, incluindo os altos cachês de artistas internacionais. "O preço cobrado respeita os valores praticados pelo mercado", afirma ao UOL organização do festival.

"O Rock in Rio também dá oportunidade ao visitante de curtir dezenas de atrações em 12 horas de festival por dia, assistir vários shows nacionais e internacionais, aproveitar toda a infraestrutura e participar das diferentes atrações de entretenimento."

Também procurada pelo UOL, a produção do Lollapalloza não quis comentar a variação de preços.

O que dizem os órgãos de defesa do consumidor

Segundo o Procon, não há abuso por parte dos festivais, já que a flutuação dos preços obedece as leis do mercado. "Como não existe tabelamento, o preço é livre. Esses festivais sempre variam muito conforme o custo, que pode ocorrer por vários motivos, como o dólar e o cachê", afirma ao UOL um representante do Procon-SP.

"Seria abusivo se houvesse, por exemplo, um aumento em uma situação de catástrofe natural ou se acontecesse um show de despedida de uma banda, e, em função disso, a produção aumentasse consideravelmente o ingresso aproveitando a procura maior."

Já para a Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), o aumento muito superior à inflação é "extraordinário" e não acontece fora do Brasil. "Tudo bem que o dólar, os tributos e as passagens aéreas subiram, mas os números mostram um aumento muito acentuado", diz a advogada Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste, que ressalta outro ponto delicado na questão: a lei da meia-entrada.

"É comum os produtores dos eventos praticarem preços mais altos para tentar compensar as perdas da meia-entrada. Isso virou uma questão e foi muito discutida recentemente. A nova lei, que impôs uma cota mínima de 40%, certamente não fez os preços ficarem mais baratos", entende.

Nem o Rock in Rio nem o Lollapalooza divulgaram qual o percentual de ingressos de meia-entrada disponibilizados para as suas próximas edições.

Pré-venda: 120 mil Rock in Rio Cards se esgotaram em menos de duas horas na semana passada - Divulgação - Divulgação
Pré-venda: 120 mil Rock in Rio Cards se esgotaram em duas horas na semana passada
Imagem: Divulgação