Ao lado do gênio: como Neusa Martins se tornou o anjo da guarda de Tom Zé
O show de Tom Zé mal começou e Neusa Martins está irrequieta na área de imprensa. Sem desgrudar os olhos do marido, ela caminha de um lado para o outro, reclama e de minuto em minuto vai com as mãos à cabeça. No olho do furacão, ainda consegue atender fãs, tirar fotos e arranjar tempo para vender discos em uma mesinha vermelha, ajeitada cuidadosamente por ela.
"Sombra à frente" de Tom Zé, como ele mesmo gosta de defini-la, Neusa é o anjo da guarda na vida do artista: esposa, amiga, produtora, "mãe" e "faz-tudo" do ícone tropicalista. Onde ele vai lá está Neusa para segurar as pontas. E é assim há mais de quatro décadas, desde que essa paulista, contadora de formação, empresária por ocasião, entrou na vida daquele que um dia fora seu ídolo.
Um dos casais mais "fofos" do showbizz brasileiro, a dupla se conheceu no fim dos anos 1960, quando Neusa, recém-chegada de Ribeirão Preto e sem experiência, assumiu a tarefa de entrevistá-lo em São Paulo. Havia trocado de lugar com um amigo jornalista que ficara inseguro em decifrar o compositor. Desde então, nunca se desgrudou do artista.
Amante da música e das letras, Neusa resistiu ao lado de Tom Zé mesmo em tempos de vacas mais magras. Nos anos 1980, o músico havia caído no ostracismo e quase teve de voltar a Bahia para trabalhar em um posto de gasolina. Redescoberto por David Byrne, do Talking Heads, Tom Zé ganhou então uma nova empresária, agora em dedicação exclusiva. Foi o início do período mais intenso e especial da vida conjugal.
"O que acontece é que, não importa o que ocorra, eu sempre fico com medo do que ele vai dizer e fazer. E de como as pessoas vão reagir num show. Porque ele é rebelde, é imprevisível. Um menino num corpo de 80 anos", diz ao UOL Neusa, 75, que não gosta dos holofotes, mas não consegue ficar longe deles.
O casal, que nunca teve filhos, leva uma vida tranquila entre turnês e folgas. Eles têm o hábito carinhoso de se chamar pelo apelido de "filha(o)", costume trazido por Tom Zé da natal Irará (BA). Um entrosamento que beira o telepático e que já foi radiografado no documentário "Fabricando Tom Zé" (2007).
Dirigido por Décio Matos Júnior, o filme parte da premissa de um músico complexo e "outsider", que por causa disso nem sempre consegue ser compreendido. Menos por Neusa, seu combustível artístico e espiritual.
"Ele, com tudo isso que vocês estão vendo aqui, falando coisas tão díspares, é um homem tão disciplinado! Para conseguir ser anárquico em cima do palco, ele tem que ter uma disciplina que eu não tenho", destaca Neusa ao UOL, entre um olhar consensual e outro, que mais parece um sorriso.
Mas não é fácil domar Tom Zé. Entre toda sorte de estripulia, Neusa já o viu interromper o show mil vezes. Além de tirar a roupa, saltar sobre o público e até pedir silêncio a quem que não estava prestando atenção à letra. Também já testemunhou o marido tendo um princípio de enfarte no palco, no festival pernambucano Abril Pro Rock.
"Acho que toda essa aflição já faz parte do espetáculo", resume. Tom Zé: "Eu faço tudo isso porque as canções são coisas vivas, que necessitam de ajuda para se transmitir. Eu me treinei nesse trabalho contemplativo/cognitivo desde os 20 anos".
Gênio compreendido
Em meio a tantas voltas e raciocínios, como entender alguém como Tom Zé, rotulado de gênio por "The New York Times", "Rolling Stone" e uma geração de músicos? Ele mesmo dá a senha.
"Eu não faço músicas para a Neusa, eu faço com a Neusa", diz o cantor. "Ela é um crivo presente em todos os sentidos. E, muitas vezes, isso consiste em dizer: 'isso que você compôs não é digno de você'."
Está aí, na leveza dessa cumplicidade, o segredo da longa relação, eles dizem. "Mas quem poderia criticar e dizer uma coisa dessas para ele? Só quem estiver à sua altura, né? Quem está? Ninguém. E quem correria o risco de falar isso? Só quem quer muito ver o bem-estar da pessoa, que quer que as coisas deem certo sempre", afirma Neusa.
"Digo sempre uma coisa, que as pessoas acham que é chame: aqui em casa a intelectual é minha mulher, eu sou o analfabeto. E essa é uma forma maravilhosa de casar", completa a modesta esfinge tropicalista.
Que este amor seja tão duradouro quanto a eterna obra de Tom Zé.
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