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Sob chuva, Black Sabbath faz última viagem às trevas no Brasil

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

05/12/2016 01h21

Passava apenas 5 minutos das 20h30 de domingo (4) quando o primeiro toque do sino da canção "Black Sabbath" tomou o Estádio do Morumbi, em São Paulo. Para os fãs do Black Sabbath, o sinal é conhecido desde 1970, quando os britânicos avisaram ao mundo pela primeira vez, na abertura do primeiro álbum homônimo, que o fim se aproximava. Desta vez, ao que tudo indica, não é só ameaça.

Os sexagenários voltaram ao Brasil três anos depois da última passagem pelo país com a turnê "The End", que, como o nome indica, promete ser a última de Ozzy Osbourne, Geezer Butler e Tony Iommi juntos, ao lado do baterista Tommy Clufetos e do tecladista Adam Wakeman, filho de Rick Wakeman do Yes!

Após se apresentar em Porto Alegre, Curitiba e Rio de Janeiro, a banda fechou seu último passeio pelas trevas no país da forma mais tradicional possível: com imagens de um demônio destruindo cidades e vermes em movimento no telão. No palco, dedos frenéticos na guitarra e no baixo, epopeias medievais, viagens lisérgicas e previsões maléficas, como se esse domingo também fosse o último dia da Terra.

Com o set mais enxuto do que na última visita, o Black Sabbath não tocou nenhuma canção dos últimos trabalhos, "13" (2013) e o EP "The End" (2016), e focou sua energia na fase mais clássica dos quatro primeiros discos, "Black Sabbath" (1970), "Paranoid" (1971), "Master of Reality" (1972) e "4" (1973). 

Entre "After Forever" e "Into The Void", um Ozzy ofegante com as estripulias no palco, e molhado com a forte chuva que caia no seu próprio Armaggedon, cantarolou "Signin' In The Rain" e se desdobrou em desculpas pela chuva.

Acontece que um show do Sabbath em 2016, por mais previsível que seja, é justamente uma "tour de force" contra o próprio fim. O próprio Tony Iommi, da última visita ao Brasil para cá, enfrentou um longo e duro tratamento contra um câncer linfático. Há pouco mais de um ano, o guitarrista duvidava que poderia ainda embarcar em mais uma turnê. "Eu vejo a vida de maneira diferente agora. Eu posso estar aqui por mais 10 anos ou apenas por mais um ano – eu não sei".

Discreto com sua roupa preta e óculos escuro, o guitar hero mostrou estar intacto e transcendeu o físico com seus solos e riffs em "War Pigs", "Iron Man" e "Dirty Woman" -- a única representante de "Technical Ecstasy" (1976), um dos últimos registros dos três integrantes originais, antes das mutações na formação. Deixou a plateia de boca aberta no meio da chuva e agradeceu a torcida que gritava seu nome com um sorriso modesto.

Geezer Butler fez miséria com o baixo, da introdução distorcida em "N.I.B" ao toque soturno de "Fairies Wear Boots", e demonstrou ainda ter a mesma libido dos velhos tempos. Ambos brilharam em sincronia no campo da energia, entrecortados apenas pelo baterista. Clufetos pegou pesado na baqueta e destruiu pratos e bumbo para fazer jus aos dinossauros do metal.

À frente da cozinha, Ozzy abaixou as calças e correu pelo palco como lhe é habitual. Embora se cansasse com certa rapidez, mostrou uma boa voz e terminou o show de uma hora e meia ajoelhado no palco molhado.

Após anos de abuso de drogas e álcool, é preciso sempre agradecer. Minutos depois de cantar que ele próprio era o tinhoso em "N.I.B."  e o telão lembrar aos fãs que aquilo realmente era o fim, ele desembarcou da viagem das trevas e elevou a palma da mão para a plateia: "Deus abençoe vocês".

Setlist:

Black Sabbath
Fairies Wear Boots
After Forever
Into the Void
Snowblind
War Pigs
Behind the Wall of Sleep
N.I.B.
Rat Salad
Iron Man
Dirty Women
Children of the Grave

BIS
Paranoid