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Música, drogas e fama: Uma conversa com Sain KTT, filho de Marcelo D2

Anderson Baltar

Colaboração para o UOL, no Rio

19/12/2016 07h00

Os fãs de Marcelo D2 certamente se recordam do dueto dele com o filho pequeno na música "Loadeando", de 2003. Pois aquele menino cresceu. Hoje com 25 anos, Stephan Peixoto atende pela alcunha de Sain KTT e, em seu trabalho, conta histórias das ruas do Catete, bairro da Zona Sul carioca que não possui o mesmo glamour de vizinhos como Laranjeiras e Flamengo.

Integrante do grupo de rap Start, Sain prepara o lançamento de seu primeiro CD, que sai em fevereiro do ano que vem. E, em uma conversa franca, fala sobre seu estilo de vida, drogas, inspiração para compor e a influência do pai em seu trabalho.

UOL - Quem é Sain KTT?
Stephen Peixoto -
É um moleque do Catete, igual a tantos outros. Andava pela rua, grafitava, curtia um skate. Quando era menor, comecei a fazer grafite e Sain KTT era a minha assinatura. Acabou ficando como meu nome.

E quando foi você começou a pegar gosto pela música?
Desde pequeno, ouvia muita música. Isso vem de família. Até porque fui criado pelo meu padrasto e ele também é músico. Sempre ouvi de tudo e isso é muito importante no rap, já que a gente usa muito sample e precisa ter várias influências. Quanto mais música conhecer, melhor. Ouvia muito rap, desde Notorious Big, Wu-Tang Klan, até pagode. Acho o pagode parecido com o rhythm and blues, por conta das harmonias, pelo romantismo. Curto samba também. Admiro Bezerra da Silva, por sua forma de retratar a realidade de uma forma muito simples. Ele era muito hip-hop.

Como era para você ser “o filho do Marcelo D2”?
Aqui na cena de rap do Rio, ele é o cara em que a gente se espelha, até pelo patamar em que ele chegou. Ele sempre foi um exemplo e uma referência para mim, tanto pelo caráter, quanto pela carreira.

Você é nascido e criado no Catete, um bairro da Zona Sul do Rio. Até que ponto viver nessa região influenciou sua música?
Completamente. Minha música é totalmente Catete. Quando moleque, passava o dia inteiro na rua com a rapaziada. E com isso a gente ia observando as cenas, os personagens. O rap tem muito de documental e o Catete sempre foi uma fonte de inspiração, até porque encontramos pessoas de todas as classes sociais e tribos. Minha música é baseada no que vivi, nas festas que ia, em andar de skate, em fazer vaquinha para comprar um lanche. Falo das conversas com os amigos, do que vamos fazer em nossas vidas. É o rap clássico: olhar algo que está acontecendo e começar a rimar.

Então mesmo sendo filho de um popstar, você tinha uma vida normal, como a de qualquer moleque do Catete…
Sim, porque meu pai é popstar, mas é do rap, é MC. É diferente. A galera me respeitava por causa do meu pai, mas sempre me tratou da mesma forma como qualquer outro. Era normal. Crescemos juntos e todos descobrimos juntos o tamanho da fama do meu pai.

Rolava a situação da polícia ir em vocês porque “o filho do D2 está no meio deles”?
Rolava, mas eu sempre fugia (risos). Tinha uma preocupação danada com isso. A polícia não gostava do meu pai, então não ia dar mole pra esses caras, né? (risos)

Seu pai foi um dos precursores da bandeira da descriminalização da maconha. Como era, para um garoto, ser filho de um pai com ideias tão progressistas?
Sempre fui tranquilo, nunca liguei pra isso. Era uma parada que não me afetava. A única coisa que me chateava era não poder ir aos shows do meu pai, que eram proibidos para menores.

Ele conversava sobre drogas com você?
Meu pai tem uma abordagem muito própria sobre drogas. Ele nunca forçou esse papo comigo. Sempre disse que, quando eu quisesse, ele estava à disposição para conversar. Sempre foi tudo muito natural.

E você precisou conversar com ele em algum momento?
Pouco (risos). Eu sempre entendi como funcionava, não era tabu. Tá por aí, todo mundo conhece o bagulho. Em toda a sociedade tem, é normal.

Quando você começou a compor?
Foi um pouco depois de fazer “Loadeando” com meu pai. Tinha uns 14 anos. Ali eu comecei a ter noção de como era fazer um rap e comecei a fazer uns beats para a galera que andava comigo. Íamos juntos para as batalhas de MCs na Lapa. Um dia resolvi botar umas letras no papel, por incentivo de amigos como o Shock e o Faruck, com quem formei a banda Start.

Você era inteiramente cru quando gravou com seu pai?
Sim, ele me viu cantando rap em casa e perguntou se não queria fazer algo com ele pra gente gravar. Aí sentamos, começamos a botar umas ideias no papel e nasceu a música. Ele foi me mostrando como se fazia, como se estruturava a letra, as rimas e eu dei alguns pitacos, como a citação ao Playstation (risos).

E você já é pai de família. Como isso aconteceu?
Não sou casado, mas moro com minha mina (Marina) há um tempão. Tenho minha filha de três anos, a Giovanna. Estou curtindo a princesinha da família, esperando ela entrar de férias para levar para a praia. Sou bem sossegado. Conheci a Marina no colégio. Ela não era de minha turma, uns amigos me apresentaram. E estamos juntos desde lá. Estou amarrado. (risos)

Não rola assédio?
Meu trabalho tem um toque de R&B e, por isso, o som atrai muitas mulheres. Mas eu tenho a minha, tô tranquilo. A Marina vai aos shows quando pode, afinal tem que tomar conta da menina em casa.

Seu olhar em relação as drogas mudou depois de ter se tornado pai?
Muito. Porque filho é uma responsabilidade, né? Você começa a colocar as coisas na balança. Isso toma seu dinheiro. Se você tem planos para a sua família, é a primeira coisa que você corta.

Como você pretende se portar com ela no futuro em relação a drogas?
Vou passar confiança para ela. Se ela precisar, estarei aqui. Não dá pra ficar direcionando muito, ela vai viver a vida dela. Se disser que é proibido, é pior. Já está confirmado que, quanto mais se proíbe, mais vontade dá.

E a experiência de fazer uma turnê com seu pai?
Foi irado. Eu já tinha cantado com ele, mas nunca tinha feito uma turnê, montado setlist junto. Foi emocionante demais dividir o palco com um cara como meu pai, que eu admiro tanto. E ainda levamos um grupo de rappers do Catete, que faz parte do meu selo, o Pirâmide Perdida, que abriu o show. Foi um “bondão” viajando junto, bom
demais.

Como você se divide entre a banda Start e a carreira solo?
A gente começou com a banda mais pela vontade de fazer música e, com o tempo, acabou se tornando profissional. Mas chegou um momento em que eu tinha uma boa quantidade de músicas próprias, que não se encaixavam no projeto. Em meados do ano passado resolvi fazer o meu disco. Resolvemos dar um tempo e eu vou tocar meu disco solo. Os moleques da banda são muito parceiros, estão me dando muita força. A nossa conexão é muito forte. Na medida do possível, vou conciliando.

O que falta para sair o disco?
Quero lançar no início do ano que vem. Estou terminando uma leva de clipes para lançar algumas músicas, mas pretendo sair com o disco em fevereiro. Já tenho dois clipes rolando: “Notas”, que é um clipe meu com o Brew, um parceiro da Glória; e “Pronto”, que é uma música que fala sobre jogo. Em janeiro, começo a fazer uma turnê do disco. Já tenho shows marcados em cidades como Vitória e Fortaleza.

Você continua andando de skate e grafitando. O que você costuma fazer nas horas vagas?
Hoje em dia, encontro a galera e faço churrasco (risos). A gente enche a cara, bate papo e ouve música. A maioria já é pai, então as crianças ficam brincando juntas e a gente fica curtindo um som. Rola muito rap e também pagode, que eu adoro e não abro mão. Gosto muito de samba, vou do Arlindo Cruz até os pagodeiros de hoje em dia, Como Belo e Sorriso Maroto.

Qual música de seu pai você gostaria de ter composto?
“Minha Missão”, que é dele com a Roberta Sá. “Minha missão é vir cantar canções/ E provar pra você que esse mundo é seu”. Não importa se a música é de amor ou de protesto, o importante é chamar a atenção das pessoas para o que queremos dizer.

O que você quer dizer com sua música?
O mundo é seu, levanta e anda.