Análise: Chuck Berry foi o melhor mau exemplo do rock and roll
Bo Diddley, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Ike Turner. Os originadores do rock and roll foram muitos, mas certamente ninguém tirará de Chuck Berry, além da honra de integrar esse clube, também o título do homem que trouxe a chamada "atitude" para este universo musical. Foi o primeiro grande outsider do rock.
Sua ficha policial era um prodígio: pegou quatro anos de prisão por corrupção de menor; acusado de evasão de divisas pelo governo americano, pegou outros cem dias de cana; foi indiciado por obscenidade por ter promovido uma festa com uma centena de mulheres em um clube. Sem ele, Keith Richards, dos Rolling Stones, um discípulo obsessivo, provavelmente não teria metade da marra que ostentou em sua trajetória.
Abandonava entrevistas com facilidade, era só não ir com a cara do jornalista que o entrevistava que se mandava. Foi um herói difícil até para seus adoradores. "Amo seu trabalho, mas não seria capaz de me afeiçoar a ele nem se fôssemos cremados juntos", disse Keith Richards, quando organizou o documentário "Hail! Hail! Rock’n’Roll", em tributo aos 60 anos de Berry, em 1986.
Em 1993, o antigo Free Jazz Festival trouxe ao Pacaembu, na mesma noite, em um evento extra, Little Richard e Chuck Berry, ambos negros, ambos pioneiros. Uma história curiosa: Berry esqueceu sua guitarra e tocou com uma emprestada pelo brasileiro Marcelo Nova. "Não é para qualquer um, é para Chuck. E se é para Chuck, eu empresto", disse Nova.
Aquela jornada dupla ajudou a colocar cada uma das lendas no seu lugar: os dois continuavam extraordinários, mas Little Richard era a revolução, a insolência, a explosão fashion, a vanguarda de gênero. Chuck Berry era a incompatibilidade social, o encrenqueiro, o Wolverine da guitarra, um selvagem com garras. Parecia superado, mas havia algo em seu rosnado que ainda podia incendiar algumas consciências.
Tendo absorvido influências de country, blues e gospel, como quase todos de sua geração, ele adicionou a essa mistura um outro condimento: a habilidade de contar histórias por meio de suas canções. Seus personagens insuflavam a rebelião juvenil, a fuga, a negação, amores adolescentes, disputas colegiais.
Chuck Berry, sinônimo de rock
Para ter uma noção de sua importância, basta notar que, integrante do primeiro time do Hall da Fama do Rock and Roll, Chuck Berry teve suas canções gravadas por nada menos que 36 artistas que também estão naquele panteão: de Elvis Presley aos Beatles e de Jimi Hendrix a David Bowie. John Lennon dizia que o termo rock and roll era sinônimo de Chuck Berry, mas ele geralmente discordava de quem o chamasse de pai do rock.
É difícil um momento da história da cultura pop que não tenha o carimbo de Chuck Berry. Sabe a música que a Uma Thurman e o John Travolta dançam em "Pulp Fiction"? É "You Never Can Tell", de Chuck Berry. Sabe aquela música que o Marty McFly toca quando ele está no palco, no final do primeiro "De Volta para o Futuro", e antecipa o rock and roll? É "Johnny B. Goode", de Chuck Berry.
"As gravadoras brasileiras estão marcando bobeira: o genial guitarrista Chuck Berry, cuja música foi enviada ao espaço na nave norte-americana Explorer (como uma mostra do som do planeta Terra para os alienígenas), não tem nenhum disco em catálogo por aqui. Já era tempo de editarem alguma coisa --nem que fosse um 'The Best of'. Afinal, carinhas como John Lennon e Keith Richards não cansam de dizer ao mundo que devem tudo o que sabem de música ao genial guitarrista black dos anos 1950", escreveu em 1979 um dos expoentes da new wave brasileira, Julio Barroso, da Gangue 90, na antiga revista "Pop".
No final da vida, Berry era como um pastiche de si mesmo. Rodava o mundo amealhando trocados com shows sempre iguais, quando não muito curtos. "Eu peço duas coisas", dizia Chuck. "Uma limusine Lincoln no aeroporto e um amplificador Fender Bassman". Reza a lenda que, muitas vezes, pedia o pagamento em uma maleta de dólares e ia embora com ela.
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