Biografia que fez Caetano chorar (e depois torcer o nariz) sai da gaveta
Presa há mais de dez anos em uma gaveta, a biografia de Caetano Veloso finalmente vê a luz na prateleira a partir desta quinta-feira (27). "Caetano - Uma Biografia: A Vida de Caetano Veloso, o Mais Doce Bárbaro dos Trópicos", de autoria de Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco, era a grande aposta de 2005. A editora Objetiva estava animada com a pesquisa refinada de seis anos e, principalmente, com o aval do biografado.
“Ele praticamente chorou [de emoção] quando viu alguns documentos que mostramos a ele pessoalmente”, relembra Carlos Eduardo. “Mas em determinado momento, e eu particularmente nunca soube o motivo, ele abandonou o projeto”. Temerosa com o silêncio repentino de Caetano, a editora abortou o lançamento e a biografia caiu no limbo.
O livro só chega agora ao público, em versão revisada pelo selo Seoman, graças à aprovação da publicação de biografias não autorizadas, garantida há dois anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A recusa de Caetano em participar ativamente do projeto, no entanto, nada tem a ver com embate de informações. “Caetano achou tudo de baixo valor literário”, revelou a empresária Paula Lavigne.
Conhecido por broncas públicas no Instagram quanto ao uso correto da crase, o cantor “sofreu” com o material e pediu auxílio ao poeta Eucanaã Ferraz para que ele ajudasse a melhorar o texto, mas a parceria não vingou e a autorização formal ficou restrita apenas às imagens. Ao UOL, Lavigne confirmou que, mesmo constrangido, Caetano não fará “campanha contra”.
Poeta e compositor de sambas-enredo, Drummond diz que não houve imposição nenhuma do biografado, muito menos autocensura. “Abordamos tudo que fosse para o entendimento do artista, sem citar nada gratuitamente, por sensacionalismo”, observa.
A exceção é a história de uma paixão que o cantor teve por um rapaz aos 19 anos, que foi deixada no ar em “Verdade Tropical”, livro de ensaio e memórias lançado pelo baiano.
“Estou seguro de que não me teria negado a entregar-me de corpo e alma a uma história de amor com um rapaz por quem também me apaixonei aos dezenove anos, caso ele estivesse igualmente aberto afetivamente para mim...”, conta no livro lançado em 1997.
A história não foi ignorada na pesquisa e foi um dos temas das conversas com os entrevistados. “Alguns diziam inclusive que ele era bastante mulherengo”, reforça Carlos. De frente com Caetano, o episódio foi minimizado. “Ele optou por não dizer quem era e não deu ênfase que aquilo teria tido impacto na vida e na orientação dele dali em diante. Percebemos que não estaria acrescentando em nada”.
Um filósofo desenhista
Carregado de passagens informais e ditados chavões, “Caetano - Uma Biografia” ganha crédito ao destrinchar a infância e formação do compositor. “Havia uma lacuna. É importante para um entendimento de quem se tornou o Caetano. O artista não nasce pronto”, explica o autor.
O primeiro contato se deu ainda em 1997 com o irmão de Caetano, Rodrigo, que ajudou a encontrar familiares e antigos amigos. O resultado é um mapa afetivo e intelectual de um estudante de filosofia que vivia resfriado, tinha (e tem) completa aversão a drogas e, embora tocasse piano e fosse mais antenado que o dial da rádio, passava horas a desenhar.
Assim, professores como Candolina (que ganhou música no disco ‘Circuladô’), amigos como Wanderlino (que lhe apresentou Oswald de Andrade) e até a prostituta Lambreta (com quem Caetano chegou a se relacionar e a dedicar o disco "Domingo") ganham o mesmo espaço que parceiros conhecidos como o poeta Capinam ou o empresário Guilherme Araújo, midas dos baianos nos anos 1960.
Sem partir para o embate, o livro toca em pontos sensíveis, como a prisão do baiano em 1968 pelos militares, as rusgas com o cantor Fagner, o casamento aberto com sua primeira esposa Dedé e o romance com Paula Lavigne, iniciado quando ela ainda era menor de idade.
“Eu considero a publicação um ato de coragem, dada a complexidade do personagem, dado o nível de interlocução com os mais diferentes setores da sociedade e dos mais diversos campos da arte e da cultura, que tornam a vida dele um quebra-cabeça enorme, difícil de ser biografado”, explica Drummond.
Já com a opinião do biografado quanto ao estilo do livro, o autor parece não se incomodar: “Como ele mesmo diz: ‘Narciso acha feio o que não é espelho’”.
Confira trechos da biografia:
DROGAS
Ninguém acreditava que um cara cabeça como ele, com pinta de bicho-grilo, amante da liberdade e representante da geração 1960, não apertasse um baseado de vez em quando. A realidade, no entanto, era outra. Das drogas, Caetano continuava fora. Isso não o impedia de ficar ao lado do parceiro na hora em que ele mais precisava. No centro das discussões, Gil levou à frente suas ideias libertárias.
SÔNIA BRAGA
Afinal, o que é que esse baiano tinha? A mulherada caía em cima. Naquela boa fase, Caetano teria outro ‘affaire’ marcante. Dessa vez trocaria as jovens por uma felina experiente, bonita o bastante para despertar desejo até em padre de batina. Em meados de 1981, engatou um romance com a tigresa Sonia Braga. Foi uma tremenda onda, que deixou todo mundo morrendo de inveja.
ROMANCE AOS 13
O futuro namorado da filha de 13 anos, além de casado, rumava para se tornar quarentão em agosto daquele ano. Só que aquele ditado batido de que o amor tem razões que a própria razão desconhece encontrou lugar nessa história. Com o tempo, o casal foi se gostando mais e mais, e um sentimento bonito nasceu entre os dois. Paula era virgem quando conheceu Caetano. Isso mudou em agosto de 1982, na festa de quarenta anos dele. O presente foi uma noite de amor inesquecível. A partir daí, não tinha mais volta. Próximos ou distantes, namorados ou casados, separados ou reatados, estariam unidos para o resto da vida.
TROPICÁLIA X MILITARES
Em pouco tempo, a fama do show chegou aos ouvidos dos militares. Boatos diziam que no meio do delírio, Caetano cantava o Hino Nacional de forma desrespeitosa. Partidário da filosofia “inimigo meu, se não tiver defeito eu invento”, uma autoridade apareceu na Sucata para conferir. Como não ouviu nada suspeito, implicou com o que viu. Ao lado do palco, como parte do cenário, havia duas bandeiras. Uma trazia ‘Yés, nós temos banana’ e outra, de Hélio Oiticica, estampava a foto do bandido Cara de Cavalo, morto com mais de 50 tiros pela polícia. Na parte de baixo do pano, os dizeres: ‘seja Marginal, seja Herói’. A primeira passou, mas a de Hélio não. O resultado foi a suspensão do show e a interdição da boate.
RIVALIDADE
Nos ensaios, Caetano conversava com Nara Leão, quando Fagner se aproximou. Sempre muito simpática, Nara trocou algumas palavras com o cearense. Já Caetano fingiu que nem era com ele. Ficou de costas para o jovem talento que começava a despontar. Fagner ficou sem entender. No fundo, tinha fascínio pelo baiano, queria ser como ele. Até chegar ali os dois já haviam se trombado algumas vezes pelo caminho. O ranço de um episódio anterior dera sua parcela de contribuição. Durante um encontro, pediram uma canja a Caetano, mas o cansaço não permitiu a reverência. Fagner, por sua vez, chegava motivado, cheio de gás. Nem tinha gravado disco ainda, mas trazia no bolso um repertório inteiro de boas canções. Não se fez de rogado e assumiu o posto. Saiu de lá aclamado pelos presentes. Rivalidade, vaidade, oportunismo, falta de química, muitos sentimentos se misturaram na ocasião.
Serviço:
Lançamento “Caetano – Uma Biografia”
3 de maio, às 19h: Rio de Janeiro
na Livraria da Travessa/ Shopping Leblon
Data e horário a confirmar: São Paulo
na Livraria Cultura do Conjunto Nacional
10 de maio, às 19h: Salvador
Livraria Saraiva Salvador Shopping
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.