Jerry Adriani botou ponto final em biografia e ensaiava volta ao rock
Jerry Adriani estava cheio de planos ao completar 70 anos, em 29 de janeiro deste ano. Tão logo encerradas as comemorações, que se estenderam por três festas entre amigos e fãs, o mais roqueiro dos jovem-guardistas estava pronto para gravar, em poucos takes, sua volta ao gênero que lhe fez a cabeça desde o primeiro momento em que viu Elvis Presley mexer sua pélvis.
O projeto serviria como presente de aniversário, mas consagraria também uma amizade pouco comentada com Rauzito, iniciada há 50 anos, antes de o músico se tornar o Raul Seixas de canções como “Metamorfose Ambulante” e “Mosca na Sopa”. Foi Jerry, no final dos anos 1960, que incentivou o baiano a se mudar para o Rio e desenvolver o dom musical como produtor na gravadora CBS, papel desempenhado pelo baiano até 1972. Com Jerry, assinou a produção de três discos e compôs “Doce, Doce Amor”, o maior sucesso de Jerry.
Animado, o cantor começou o ano trabalhando em cima dessas canções. “A ideia era gravar um disco bem rápido, quase que ao vivo no estúdio, bem rock n’ roll”, conta o produtor Marcelo Fróes.”Ele estava entusiasmado, com planos de shows especiais, gravação de DVD. Estava em um rumo legal”.
Foi o amigo de longa data o responsável por plantar a ideia de um disco e finalmente tirar do baú a biografia que o cantor vinha escrevendo desde a morte da mãe, em 2008: “Ele me entregou [a cópia] antes do Carnaval e neste dia ele se queixou que estava se sentindo desconfortável”.
A gravação do disco estava marcada para depois do Carnaval, mas, ainda na Quarta-Feira de Cinzas, Jerry foi parar no hospital por conta de uma trombose. Ele teria alta logo em seguida, e voltaria a ser internado no início de abril, desta vez com o diagnóstico de câncer, até sua morte no último dia 23.
Jerry, o único
Parte dos planos e sonhos que Jerry Adriani alimentava ao completar sete décadas de vida se tornará real.
Com o rico acervo, mantido com esmero pela mãe dona Angelina, a biografia deve sair ainda esse ano pela Sonora Editora, de Fróes. O próprio Jerry escreveu a fase inicial, antes da fama, e pediu ao amigo o importante adendo de informações de discos e shows. “Entre uma internação e outra, a gente esteve junto na casa dele, para ele ficar mais tranquilo que estava tudo em boas mãos”, relembra o produtor.
Vestido com uma camiseta do Metallica, Jerry abriu o notebook e definiu a ordem dos capítulos. Ficaram de finalizar o trabalho a partir de uma longa entrevista, para dar o capricho merecido na trajetória do cantor.
Fróes traça um perfil para além do ídolo do iê iê iê ou do galã italiano: "Talvez ele fosse o único cara dessa geração do rock inicial que transitou como ninguém em todos os segmentos. Era um cara muito culto, na verdade. Quando a Lygia Fagundes fez um abaixo-assinado pedindo o fim da censura, em 1977, ele foi um dos únicos cantores e compositores que assinou. E ele na verdade nem era vítima da censura, não cantava música de protesto”.
Na ausência do álbum que não chegou a ser gravado, Fróes avalia que outros discos podem sair em breve. O baú é vasto e repleto de registros de shows e projetos que chegaram a ser rascunhados e nunca finalizados, pronto para ser organizados, um trabalho minucioso que será feito em parceria com os filhos de Jerry. “Mas ainda não temos certeza do que vamos encontrar lá.”
Passado um pouco mais de uma semana da morte do biografado, uma dúvida pelo menos parece ter sido sanada: O título do livro. “Eu acho que vai se chamar ‘Jerry’, porque ele era o único. Não tem outro.”
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