Topo

Um adeus à Funhouse, a balada que ajudou os indies a sair de casa e transar

Funhouse, casa noturna em São Paulo - Marcos Bacon/Divulgação
Funhouse, casa noturna em São Paulo Imagem: Marcos Bacon/Divulgação

Lúcio Ribeiro*

Colaboração para o UOL

07/07/2017 04h00

Em 2003, a revista "Veja S.Paulo" se sentiu impelida a identificar uma tribo "diferente" que andava habitando as noites paulistanas e pediu para um repórter investigar. Detectou-se uma forte presença de indies circulando pela cidade com suas "botas surradas e saias de prega".

E idolatrando bandas novas (à época) como Belle & Sebastian e os "galãs ingleses" do Coldplay. Segundo a reportagem, tais indies se reuniam em dez endereços diferentes de São Paulo, mas um deles era o mais destacado: um sobradinho na rua Bela Cintra chamado Funhouse.

A Funhouse, que abriu suas portas em 2002 para encerrar de vez agora em julho deste 2017, nasceu no calor do chamado "novo rock", quando no ano anterior os Strokes gritaram "Last Nite" de lá de Nova York, criaram uma pequena revolução junto com outra banda, os White Stripes, e trouxeram um sanguinho novo à música a partir das guitarras sujas e garagentas, que contagiaram nos anos seguintes tanto a cena americana quanto australiana, a sueca, a escocesa, a inglesa e, por que não, a brasileira.

Strokes e White Stripes passaram longe da reportagem "comportamental" e de tendência musical-fashion da edição local da "Veja", dois anos depois, mas não da Funhouse, que começou a incrementar a cena com festas boas, ideias boas, virou um clube de amigos, juntou jornalistas e publicitários e galera da moda. Bandas novas gringas, na cidade para shows, iam beber lá; bandas nacionais iniciantes tocavam lá; Emicida se apresentou lá antes de ser o Emicida. Festivais brasileiros que existem até hoje nasceram dentro do número 567 daquela rua no bairro da Consolação.

O Bar Orbital, da rua Augusta, no lado Jardins do bairro, até veio primeiro que a Funhouse nessa era dourada da nova música, mas quem mais personificou a Revolução de Casablancas foi a Funhouse, uma das importantes casas precursoras no que viríamos a conhecer como Baixo Augusta, enquanto zona de entretenimento. Musical, nesse caso.

O maior mérito da Funhouse, talvez e além, foi arrancar de casa e botar na rua (e na pista) esse indie-internauta das priscas eras online, consumidor de blogs de música, baixador de músicas do Napster, Hype Machine, com amigos virtuais no Orkut, MySpace, Fotolog e nos fóruns e emails de discussão de música como o Poplist.

A Funhouse virou um ponto de encontro dessa geração proto-social-media, que adorava discutir minuciosamente os lançamentos (que ninguém tinha ouvido ainda) daquelas semanas de novo rock, mas que mal tinha um lugar de verdade para ouvir isso saindo de uma picape de DJ. Ou de uma famosa e providencialíssima jukebox moderna que sonorizava o andar de cima, dos sofás.

Ale Ricci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A DJ Ale Ricci, DJ da festa Delicious, e Carl Barât, da banda Libertines, na Funhouse
Imagem: Arquivo pessoal

A Funhouse deu corpo às pessoas que a gente só conhecia por avatar. Deu cara real a figuras virtuais. E misturou Rick Levy com Alex Kapranos, Pomada com Alice Braga, Tchelo com Lovefoxxx, Aninha Coquetel Molotov com Paola Popload Festival, o Du Ramos com a Ana Paula Arosio. A piada, na época, é que a Funhouse ajudou os indies a namorar. E, logo, a transar.

A Funhouse morre agora em julho, antes de os Strokes lançarem mais um disco novo ruim. Que venham outras revoluções musicais, virtuais, outras saias de prega. Que venha outra Funhouse, em algum lugar.

SERVIÇO

Revolution @ Funhouse The End
Show da banda The Concept; discotecagem de Henrique Muccillo (DJ residente) e DJs convidados: Lúcio Ribeiro (Popload), Marcos Bacon, Mitkus
Quando: 28 de julho
Onde: Funhouse (Rua Bela Cintra, 567, Baixo Augusta)
Informações: (11) 3854-6522; www.facebook.com/funhousesp

*Lúcio Ribeiro é jornalista de cultura pop, editor do site Popload e curador do Popload Festival. Tocou em inúmeras festas da Funhouse, como Funhell e Revolution. Vai estar na última edição da Revolution, dia 28, que fecha as portas das sextas-feiras do sobradinho da Bela Cintra