Paixão por Marina e ataque a MPB: 10 coisas que só Lobão viu nos anos 80
É do nascimento de um rock tipicamente brasileiro de que Lobão fala e defende em “Guia politicamente incorreto dos anos 80 pelo rock” que chega nas próximas semanas às livrarias pela editora Leya.
Longe de ser um trabalho de pesquisador, o músico recorre às lembranças daquela década, das amizades que mantinha com maior proximidade com Cazuza, Ritchie, Marina Lima e Julio Barroso (Gang 90), e dos músicos com quem tocara – Lobão sempre se identificou como baterista, tendo assumido as baquetas não apenas na banda Vínama nos anos 1970, como nos discos de Marina e Lulu Santos.
Com os mais chegados, ele conta histórias deliciosas, como a paixonite platônica por Marina Lima e as conversas com Cazuza, mas mesmo com o objeto do livro bastante claro, Lobão se dedica com maior afinco a atacar o que chama de “Máfia do Dendê”.
Para o músico, a turma de Caetano Veloso, com seu “poder de coronel”, se sentiu ameaçada com o surgimento do rock brazuca porque, “pela primeira vez, ela percebeu que havia uma forma artística autêntica que poderia tomar o seu lugar”, como defende o posfácio de Leandro Narloch, tão raivoso quanto a opinião do roqueiro.
Para eles – e para Herbert Vianna, que ele acusa de chupinhar muitas canções e ideias – ele dispara acusações e impropérios, embora em alguns momentos ele mesmo acrescente: “Minha paranoia atingia níveis preocupantes!”
Paranoia, exagero ou verdade? Nunca saberemos. Veja 10 momentos e opiniões que só Lobão viu e teve nos anos 1980:
Cantora na abstinência
Certa noite, estamos eu, Cazuza, Daniele Daumerie e mais outros amigos no subsolo da lendária boate quando determinada diva da MPB, a madrugada já alta, batalhando por um papelote de cocaína, telefona para um traficante lá do subsolo (...) a diva, tremelicando de abstinência, grita impaciente ao telefone: “Ô seu menino, num tá ouvindo direito, não? O lugar aqui se chama People. Quer que eu soletre? PÊ-I-PÊ-Ó-U: PI-PÔU, PI-PÔU!!!!”
Marina: "Paixão platônica"
Me apaixonei pela voz e pela música da Marina. Como se isso não bastasse, um par de anos mais tarde, eu viria a fazer parte de sua banda, acompanhá-la em turnês por todo o Brasil, me apaixonar de verdade por ela (...) Marininha, musa gay, acabou por namorar a baianada top de linha daquele momento. Quando a conheci, estava de romance com a Maria Bethânia (que Deus a perdoe!). Na verdade, Marina, a despeito de seu imenso talento musical, começou sua carreira com aquele famoso beneplácito do coronelato baiano, vindo corajosamente a se tornar independente dele anos mais tarde, ao abraçar o rock, e a ser um dos principais ícones dos anos 80.
Maria Bethânia: "Aberração"
Nada pessoal, mas acredito que Maria Bethânia seja uma das aberrações artísticas mais insuportáveis geradas pela música nativa. Ela faz parte daquele fenômeno típico, quando alguém, por ser esquisito, torna-se miseravelmente confundido com algo genial.
Metal: "Falsetes terríveis"
É necessário ressaltar aqui que, com a exceção do Sepultura, acho a estética metal um tanto vascaína, circense e monotemática para meu gosto. (Acho um pouco repetitivo esse papo de satã, morte, inferno, apocalipse, pragas epidêmicas, sem falar naqueles cantores dando aqueles falsetes terríveis, parecendo empalados por um imenso caralho enterrado na bunda.)
Herbert Vianna: "Fraude!"
Para completar minha inédita perplexidade, percebo que Herbert, com a envergadura de um verdadeiro Zelig nativo, grava seu vocal com os mesmos maneirismos que eu usara para cantar no Cena de cinema! “Caralho!”, exclamei a concluir ludibriado, “é a música do Guto!” É o título chupado do meu disco, olha só a lambreta, e aquela ali é a porra da minha voz! Esse merda chupou a minha alma! Fraude! Fraude!” Há quem afirme que sou louco, que são apenas pequenas coincidências e a minha indignação é completamente infundada. Pode ser sim, mas o que estou relatando aqui foi o que senti no momento e esse episódio.
Heroína e Monique Evans
Tem muita gente que acredita que a canção [“Décadence avec élégance”] tenha sido feita para a Monique Evans [até então sua namorada] e, pela enésima vez, juro de pé junto que não foi. Jamais faria uma canção com aquele teor para uma pessoa que amei de verdade e por quem tenho o maior respeito. Na verdade, eu já estava separado dela quando uma outra namorada minha me flagrou com uma tampa de Minalba cheia de heroína e me passou uma tremenda esculhambação, que aquela situação não poderia ser mais deplorável, decadente etc. e tal. Aquilo mexeu com meus brios, me envergonhei sinceramente daquela cena caricatural e acabei jogando a tampinha de Minalba cheia de heroína dentro da privada para nunca mais consumir aquela droga.
Elza Soares: "Emocionante"
No dia seguinte, Elza chega direto do enterro do filho, adentrando o estúdio para o assombro de todos nós (...) O clima era de uma tristeza inexprimível, até que, de repente, a música começa a tocar (sem a minha voz), e a voz de Elza rasga o estúdio. Tenho certeza de que aquele momento foi a coisa mais emocionante e comovente que uma expressão musical já me causara e me causará.
Cazuza: “Bichinha traiçoeira”
Cazuza está pele e osso, quase sem voz e roxo, inteiramente roxo, devido às doses cavalares de AZT. Ver um amigo assim, confesso a vocês, não é uma coisa fácil (...) Ele queria fumar maconha e cuspia na bagana e me obrigava a fumar aquela coisa toda babada, dizendo: “Não vai fumar? Vai fi car todo cagadinho aí com medo de pegar Aids da minha baba?” E eu respondia algo pior: “Me dá essa porra aqui, sua bichinha traiçoeira!” (e fumava, mas morrendo de medo).
Chico Buarque: “Vontade de vomitar”
Chico, além da notória autoridade em perscrutar e cantar a alma do pobre fictício e do malandro alegórico na área da música de crítica-social, também se especializaria em psicografar os dilemas e dramas femininos da mulher brasileira balzaquiana carente de classe média-alta e em breve faria dupla com Gilberto Gil, gravando a autocomiserada, enfadonha e canastrã “Cálice”. Lembro da minha sensação quando ouvi “ Cálice” pela primeira vez: tive vontade de vomitar.
(...)
E nosso Chico Buarque é, nada mais, nada menos, que a encarnação, a síntese dessa paumolenguice.
Revista Bizz: "Coveira dos anos 80"
O que poderia ser pior é percebermos uma imprensa especializada em rock se firmando no mercado, pegando o vácuo da prosperidade, fruto das penosas conquistas daquela geração, e desenvolvendo o mote iniciado no Rock In Rio: por um lado, promover o enaltecimento vívido e explícito do rock internacional e do outro, primar pelo achincalhamento, a ridicularização da cena nacional, poupando apenas um seleto grupo de escolhidos, sabe-se lá por qual critério (...) Nascia do ventre da Editora Abril, a revista Bizz, uma espécie de coveira dos anos 80 e de si mesma pois, de tanto vaticinar a morte do rock, recebeu como herança de sua arrogância e rancor a terrível sina de morrer, morrer e morrer através dos anos.
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