Música infantil nos anos 1980 vendia milhões de discos e tocava em balada
Nem MPB, nem rock. Eram as canções que falavam de chocolate, sonhos e brincadeiras de criança que vendiam discos como água no Brasil dos anos 1980. E por trás de muitos milhões de cópias que artistas e grupos como Xuxa e Trem da Alegria venderam na época repousa um verdadeiro midas.
Michael Sullivan, nome artístico que Ivanilton de Sousa Lima pegou emprestado em uma lista telefônica nos Estados Unidos em 1969, deu nova cara à produção musical infantil e inaugurou uma era em que “Uni-Duni-Tê” e “É de Chocolate” tocavam simultaneamente nas TVs, festas infantis, rádios e até nas baladas.
Até mesmo quando se apresentava ao vivo à noite – com um repertório autoral que ia de “Whiskey a Go-a-Go” (Roupa Nova) a “Me Dê Motivo” (Tim Maia), além das canções de suas bandas Renato e Seus Blue Caps e The Fevers – o cantor era obrigado a tocar os sucessos que os filhos dos adultos na plateia ouviam em casa.
“Eles ficavam enlouquecidos quando tocava à meia-noite e não tinha criança por lá. Era uma explosão no baile”, relembra o compositor ao UOL. “Até hoje, em qualquer show, tenho que fazer um medley com essas músicas”.
Para o compositor, que trabalhava em parceria com Paulo Massadas, a razão de tamanho sucesso é simples: “Nós começamos a cuidar da música infantil de maneira adulta”, conta. “E vendíamos esperança nas letras”.
Para celebrar essa produção que ainda hoje movimenta festas temáticas dos anos 1980 e shows com antigos ídolos infantis, Sullivan prepara regravações com artistas do funk, do sertanejo e do pop. “Carrossel de Esperança” deve sair em breve em CD e webclipes. Ele ainda prepara um musical com o extenso cancioneiro infantil e, quem sabe, montar um novo Trem da Alegria. Seria a volta do grupo após o mercado infantil ter sido tomado pela axé music nos anos 1990. “É o Tchan!, Ivete, Chiclete com Banana. Aquilo passou a ser a música infantil”, diz.
Xuxa: “Não quero cantar”
Sullivan poderia dizer que os filhos foram sua maior inspiração para as canções – e de certa forma ele estaria certo. Afinal, as primeiras composições surgiram ao pé da cama, em versões bossa-nova. A ficha, no entanto, só caiu com a aparição de Xuxa na TV.
“A chamamos para cantar, mas ela dizia: ‘Não sou cantora, não quero cantar’. Nós deixamos uma fitinha com ela com ‘É de Chocolate’ para convencer e ela gravou para ver como ficava”, revela Sullivan.
“A pessoa precisa de duas coisas para cantar: Ouvir a melodia e aprender a cantar essa melodia, a ter ritmo. Ela conseguia fazer as duas coisas. A interpretação dela é natural, porque é da pessoa, tem emoção”, avalia. Já a afinação era conquistada na raça, com uso de vários canais para voz. “Dos dez [canais] você fazia uma voz só.”
Rock para crianças
O Trem da Alegria surgiu na mesma época em 1984, após Luciano Nassyn e Patrícia Marx, se destacarem no programa “Clube da Criança”, na extinta TV Manchete. À frente da produção do novo grupo, Sullivan foi atrás de crianças que cantavam de verdade e da dupla criou um quarteto.
“O Luciano parecia o Freddie Mercury cantando, a Vanessa e a Patrícia tinham uma doçura e o Juninho Bill tinha a coisa do rock, que estava com força total”, revela.
“Antes disso, a música infantil era só ‘uma casinha de biscoito / lá lá lá lá lá’. Era música para 1 a 4 anos no máximo. O meu maestro Lincoln Olivetti, que fazia ‘Um Dia de Domingo’, do Tim Maia, ‘Deslizes’ do Fagner, era quem fazia os arranjos. Se você analisar, as melodias são adultas, só mudam o discurso”.
Não à toa, convidados ilustres cantavam com o grupo infantil: Cazuza, Evandro Mesquita, Gal Costa, Roberto Carlos, Roupa Nova e Robertinho do Recife, que imortalizou “É de Chocolate”.
Por que parou?
O Trem da Alegria lançou um álbum por ano até 1992. Na época, Xuxa ainda vendia na casa dos milhões, mas o mercado sofria um declínio. Na visão de Sullivan, a pá de cal dessa fase veio com a explosão da axé music. “É o Tchan, Ivete, Banda Eva, Chiclete com Banana: o axé era nada mais nada menos que a nova música infantil. As crianças não iam para as festas, mas eles compravam essa música. Hoje, eles saíram do axé para o funk”.
A partir daí, Xuxa recuou e voltou suas atenções aos "baixinhos", e o surgimento de fenômenos como “Galinha Pintadinha” jogou o mercado para um público ainda mais novo, até os cinco anos de idade.
“A sociedade evoluiu. Acabaram muitos tabus. Hoje em dia as crianças entendem questões que antes eram só para quem tinha 18 anos. Hoje ela já tem um celular e viaja na rede social mais do que eu”, observa.
Hoje ele diz não desprezar a produção atual, mas crítica: “É música para festa. Não mostra o talento do intérprete, é uma música descartável.”
A história por trás dos clássicos
“É de Chocolate” (1984)
“De chocolate o amor é feito”
Foi a primeira da leva a surgir. Sullivan conta que cantarolava para ninar os filhos em uma versão bossa-nova. “Surgiu por causa daquele filme ‘A Fantástica fábrica de chocolate’. Na época a gente vendia e fazia tudo com a ideia de esperança”.
"He-Man" (1986)
“Juntos venceremos a semente do mal”
Foi feito para a animação de maior audiência da TV na época. “Nós botamos no arranjo a música original do desenho e fizemos a letra com base nos personagens. Mais uma com a esperança como tema: “O sonho de todo mundo é que o bem vença o mal."
"Brincar de Índio" (1988)
“Índio quer apito mas também sabe gritar”
A ideia partiu de Xuxa, que queria cantar algo mais relevante que “Ilariê”. “Na época, para a crítica, foi considera uma das melhores canções. Era uma brincadeira, mas também falava sério.”
“Pra Ver Se Cola” (1988)
“Entre borrachas e apontador, mora o meu grande amor”
Uma das canções mais lembradas do Trem da Alegria ganhou versões de Los Hermanos e da dupla Thaeme e Thiago. A força da música parece ter sido renovada com a interpretação de Larissa Manoela, visto mais de 60 milhões de vezes. Dueto entre Juninho Bill e Amanda Acosta (que entra no grupo em 1988), “Pra Ver se Cola” foi inspirada no rock dos anos 1960. Era direcionada para os fãs que cresciam e chagavam a adolescência. “O sonho de antes mudava seu foco para uma paixão”.
"Lua de Cristal" (1990)
"Tudo pode ser, só basta acreditar. Tudo que tiver que ser, será"
Mais do que a esperança, a inspiração da música vem da autoajuda, conta Sullivan. “Vendia muito porque era grandiosa e por isso chegava também nos adultos. Era direcionado para os sonhos das pessoas.”
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