WuTremClan: O coletivo de rappers que leva rimas aos metrôs de SP
O corre do metrô é interrompido diariamente em São Paulo. De repente, munido de uma caixinha de som --ou de um parça mandando um beatbox--, um MC improvisa rimas dentro do vagão, brincando com os passageiros e com a pindaíba do país. Os olhos desconfiados dão lugar a sorrisos largos e aplausos --e a notas de dinheiro, muitas delas. Em 3 horas de trabalho, ele chega a receber mais de R$ 150.
A ação é coletiva, promovida por um grupo de 13 jovens na casa de 20 e poucos anos: o WuTremClan (referência aos americanos do Wu-Tang Clan). É fácil trombar com eles em composições das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha do metrô de São Paulo e nas linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Ali todos são periféricos, sem emprego formal nem espaço para se apresentar no circuito alternativo do rap. Para além das rinhas, o metrô é fonte de sustento e de sobrevivência da cultura freestyle.
"A gente paga nossas contas com o metrô. Aqui tem gente com filho com deficiência, gente que teve a oportunidade de pagar uma faculdade com esse dinheiro, ex-presidiário. Cada um tem uma caminhada artística, alguns têm disco. Levamos entretenimento. O trem é nossa oportunidade de não ter patrão e receber mais que um salário mínimo. É parte do nosso sonho de viver do rap", conta Flor, produtora e única mulher do grupo.
A resposta a essa arte instantânea costuma ser positiva, e melhor que a recebida por outros artistas de trem, especialmente numerosos em tempos de recessão. Já teve quem ouviu histórias, quem ganhou presente, quem viu passageiro levantar e mandar rima junto. É como se a arte do metrô tivesse chegado a outro patamar de interação. E é nos fins de semana e inícios de mês que geralmente o cachê é mais generoso.
"Sempre tem gente que desconfia, olha torto, reclama, mas a receptividade é boa no geral", conta o rapper Pauê. "É muito orgânico. Se o cara te vê entrando com um violão, ele já saca o que vai acontecer e fica retraído. Isso não acontece com a gente. De 20 vagões que a gente faz por dia, em 19 recebemos aplausos", diz o colega Kagibre.
Com pegada política, mas "sem ser de esquerda nem de direita", o freestyle do WuTremClan só é interrompido quando as portas do vagão se abrem na plataforma. Eles param de rimar para não chamar a atenção dos seguranças do sistema. A atividade é ilegal. Quase todos os dias, eles são expulsos das estações.
"Se te pegam, não tem jeito: eles são obrigados a te tirar. A gente se despede, finaliza, o número e sai. Alguns seguranças já chamaram a gente de vagabundo, mas é uma margem pequena. A gente mantém uma relação de respeito. Este ano a gente tem a meta de gravar com a banda dos guardas do metrô", afirma Kagibre.
Início nos trens
O projeto do WuTremClan nasceu em 2014 com o MC carioca DuTrem, ex-ambulante no metrô que teve a ideia de usar o rap para vender mais doces no Rio. Após se mudar para São Paulo, ele mostrou o que fazia aos amigos Ciero e Conspira. Na primeira viagem, na linha 9-esmeralda da CPTM, Conspira já havia faturado R$ 70.
"Depois disso, já ganhei rosa, já ganhei buquê de flor. Uma vez ganhei um panetone e um ingresso de cinema. Os meninos já ganharam tênis", revela ele. "A melhor coisa que eu já ganhei foi um cara que levantou cheio de lágrimas e me pediu um abraço bem apertado", diz DuTrem.
O trabalho no metrô paulistano começou no fim do ano passado e foi crescendo aos poucos. Hoje, o coletivo prima pela organização: tem sua caixinha mensal de arrecadação, horários de trabalho e um conjunto de mandamentos, as regras seguidas para a melhor convivência eles, usuários e agentes do transporte.
A ideia é, em breve, lançar um canal de freestyle no YouTube e gravar juntos, quem sabe para um disco. Apesar de o projeto já estar fazendo sucesso, nem sempre o trampo rola tão fácil. Segundo DuTrem, há certo constrangimento ao encontrar pedintes nos vagões. "Eu fico naquela: 'Tô aqui rimando, mas essas pessoas precisam muito mais do que eu', tá ligado? Não que isso fira minha consciência, mas é uma situação."
"Mas eu nunca consideraria errado cantar e passar o chapéu. Não estou roubando. Tem pessoas milionárias fazendo arte. Que princípio de ideologia é essa que diz que você, que é pobre, não pode ganhar uma moeda, enquanto outro cara pode chegar lá e vender um show por uma fortuna, que está tudo bem?".
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