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Ney Matogrosso: Eu não sou do passado ainda

"Atento aos Sinais": Show que marcava os 40 anos de carreira artística de Ney está há mais de quatro anos na estrada - Foto Rio News
"Atento aos Sinais": Show que marcava os 40 anos de carreira artística de Ney está há mais de quatro anos na estrada Imagem: Foto Rio News

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

19/07/2017 04h00

Acostumado a sempre engrossar o coro dos tributos, Ney Matogrosso dessa vez é o grande homenageado da 28ª edição do Prêmio da Música Brasileira, que acontece nesta quarta-feira (19), no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo pelo Canal Brasil.

Chico Buarque, Ivete Sangalo, Karol Conka, entre outros, estão confirmados para interpretar composições de uma trajetória única, que não costuma ser reverenciada com toda essa pompa. “Olha, isso não é algo muito regular na minha vida”, Ney diz com tranquilidade ao telefone. “Mas também não piro não, tá?”

Fora da premiação, a voz única de Ney nos palcos tem ressoado cada vez mais forte, entre fãs e artistas.

Prestes a completar 76 anos, o cantor ainda esgota suas apresentações com relativa facilidade, e tem visto a cada ano, além das senhoras cativas, um público cada vez mais rejuvenescido. “Atento Aos Sinais”, turnê que ele lançou em 2012, continua a toda na estrada. “Eu acho que eu seria castigado se eu fechasse essa via que está aberta para mim”, ele diz, sobre a decisão inédita de não emendar outros projetos. 

Ao mesmo tempo, novos artistas, como Rico Dalasam e Liniker, apontam nos movimentos pélvicos e na performance sempre inovadora de Ney, um dos pilares para a nova MPB debater abertamente sexualidade e gêneros na música. Ele entende que seu trabalho deságua nesse movimento, mas pondera: “A intenção deles é outra agora, não era a minha naquele momento. Não é a minha agora. Eu gosto de ser do sexo masculino, estou satisfeito com isso, sabe? Não me limita”, observa. "Talvez seja porque eu não sou do passado ainda."

O fascínio que desperta no palco continua um enigma para o artista, mas uma pista pode ter sido jogada há exatos 40 anos, quando Ney recebeu o convite para se apresentar dentro da Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador, Bahia, a pedidos dos próprios presidiários. Ney aceitou de imediato e fez uma apresentação memorável do que viria a ser a turnê do disco “Bandido”.

Os presidiários sabiam bem por que escolheram o artista: “Eles disseram que eu representava a liberdade”, conta o cantor. “Quer ouvir coisa melhor?”

Rara imagem da apresentação de Ney na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador - Reproduēćo - Reproduēćo
Rara imagem da apresentaēćo de Ney na Penitenciįria Lemos de Brito
Imagem: Reproduēćo

Confira trechos da entrevista:

Artista político

"Eu sigo tocando meu barco, independente se [o momento] está careta, se está conservador. Mas o que eu posso observar é que o público ao invés de diminuir, está aumentando. Tanto que estou com esse show há quatro anos e meio, queria ter parado e não consigo. Acho que não posso parar uma coisa que está dando certo em um momento de crise no país. Eu acho que eu seria castigado se eu fechasse essa via que está aberta para mim.

De alguma maneira, eu estou me contrapondo a caretice, a essa coisa aí que está querendo fechar tudo. Mas não tem como fechar mais, está aberto!

Eu nunca fiz nada preocupado com a política, nem lá atrás, nem agora. A política está para lá, eu estou para cá. Eu olho para a política como algo passageiro. Quantos já passaram? E esses vão passar também. Alguns serão esquecidos, outros entrarão para a história, mas muitos caíram na lixeira. Não estou preocupado com eles, com essa coisa partidária. Claro que eu sei que o que eu faço tem um componente político, mas é uma política humanitária."

Show no presídio

"Teve uma repercussão tão grande que o 'Fantástico' foi lá. Perguntaram para eles por que eles tinham me escolhido e eles disseram que eu representava a liberdade. Quer ouvir coisa melhor? Foi ótimo.

A 'Veja' publicou mentiras na época, dizendo que eu tinha saído de lá exibindo marcas roxas e era mentira, não aconteceu nada. Foi a única vez que eu respondi a qualquer coisa que falaram a meu respeito. Mandei uma carta para a revista dizendo que as marcas roxas ficaram na cabeça doente de quem tinha editado aquela matéria. Não teve nada daquilo. Fui muito bem tratado por eles."

Renovação do público

"Meu público é cativo, mas estou observando agora mais jovens. Talvez seja porque eu não sou do passado ainda. Eu não sou do passado ainda. Se tivesse sido uma coisa restrita aos Secos e Molhados, mas não é, eu continuo em ação. Estou despertando as pessoas em alguma instância dentro delas. Na verdade, era uma coisa que eu sempre falei que não se satisfizessem comigo apenas. Cada um tem o direito de ser o que bem entender."

Ney Matogrosso - Marcos Hermes - Marcos Hermes
Imagem: Marcos Hermes
Nova geração de artistas

"Eu vejo o panorama, observo. Tem que ter espaço para tudo. São pessoas, são ânsias humanas, de expressão e de estar no mundo mesmo, sendo respeitado.

Nunca usei [esses temas na música], mas no meu primeiro disco solo [“Água de Céu – Pássaro”, de 1975] eu gravei uma música no feminino, um fado de Amália Rodrigues, e achei que tinha que ser cantado no feminino, não achava que isso me diminuía. A intenção deles é outra. Não era a minha naquele momento. Não é a minha agora. Eu gosto de ser do sexo masculino, estou satisfeito com isso, sabe? Não me limita.

Enxergo [minha importância]. Embora de uma maneira fragmentada já tivesse aparecido por aí. Acho que o Cazuza, o Paulo Ricardo. Era uma coisa velada, mas estava lá, eu notava."

Redes sociais

"Só tenho o Instagram, é a única coisa que eu gosto. O resto de vez em quando eu vejo, mas não sou uma pessoa envolvida com internet. Facebook, por exemplo, eu jamais entraria numa coisa dessas. As pessoas me falam e as poucas vezes que eu entrei para ver – não sobre mim, porque eu não existo dentro disso oficialmente – eu vejo e acho as opiniões muito agressivas, leio coisas tão absurdas que as pessoas falam a respeito de outras. Eu fico: “Meu Deus: É isso? A liberdade é essa?” Portanto, eu me dou ao luxo de passar ao largo. Prefiro me poupar."

Aposentadoria

"Haverá um momento em que serei impedido. Eu tenho consciência disso. Tento conviver com essa possibilidade com tranquilidade, mas se aposentar não faz parte dos meus planos."

SERVIÇO:

28º Prêmio da Música Brasileira

Quarta (19), às 21h
Teatro Municipal Do Rio (praça Floriano, S/nº, Centro)
Ingressos a R$ 100 a R$ 300