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Improvisos, brigas e prisões em MG: bastidores do 1º show do Legião Urbana

Divulgação
Imagem: Divulgação

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

05/09/2017 04h00

Quase sem querer, uma das principais bandas de rock da história do Brasil fazia há exatos 35 anos o seu primeiro show oficial. Em 5 de setembro de 1982, a Legião Urbana subiu ao palco pela primeira vez para se apresentar ao lado de outras oito bandas no festival Rock no Parque, em Patos de Minas (MG). E o espetáculo, montado às pressas, acabou em confusão, com os músicos sendo presos. 

A escolha da Legião para o festival não teve nada a ver com os versos elaborados de Renato Russo que logo depois conquistariam o Brasil. “Na realidade, eu contratei o Aborto Elétrico, mas não conhecia nenhuma música deles. Só chamei o grupo porque gostei de seu nome ‘subversivo’. Oito dias antes do show, o Renato me ligou dizendo que a banda tinha se separado e que a Legião Urbana, formada com o baterista Marcelo Bonfá, se apresentaria no lugar”, disse o produtor mineiro Carlos Alberto Xaulim, 62, responsável por organizar o primeiro show da carreira do grupo. 

Cartaz do festival onde o Legião Urbana se apresentou pela primeira vez - Reprodução - Reprodução
O cartaz foi impresso com o nome do Aborto Elétrico, depois substituída pela Legião Urbana
Imagem: Reprodução
De quebra, Russo ainda exigiu que o produtor fizesse novos cartazes do festival, substituindo o nome do Aborto Elétrico pelo da Legião. “Conseguimos alterar alguns cartazes, mas não todos. Era um festival amador e tanto o Aborto Elétrico quanto a Legião Urbana eram completamente desconhecidos em Patos de Minas. Para o público, tanto faz quem se apresentaria. Somente anos depois eu fui saber que este foi o primeiro show da banda”, lembrou.

O esquema era tão amador que a Legião Urbana, ainda sem Dado Villa-Lobos e Renato Rocha, não ganhou nenhum centavo para se apresentar. “Pagamos apenas o ônibus, a alimentação e a hospedagem”, lembra Xaulim. A viagem de 400 km entre Brasília e Pato de Minas não foi fácil, já que a estrada era bem precária. Os músicos viajaram em um ônibus regular de linha carregando todos os equipamentos e ficaram hospedados no pequeno hotel Magnífica. Também viajaram com eles os integrantes da Plebe Rude. “Eu não sabia que o Renato estava trazendo a Plebe para tocar. O grupo não estava agendado e o nome nem apareceu nos cartazes. Mas o grupo tocou mesmo assim”.

O produtor contou que os equipamentos de som eram todos emprestados de clubes locais e não havia roadies. Por causa disso, o próprio Renato Russo subiu ao palco para passar o som. Só que, ao invés de se preparar para a apresentação, o cantor assumiu o microfone e chamou o público para ver. “O Renato atropelou as formalidades e foi gritando para as pessoas chegarem mais perto do palco. Ele não quis passar o som e já foi logo fazendo o show”.

Briga e prisão

Primeiro release da Legião Urbana - Divulgação - Divulgação
Primeiro release da Legião Urbana escrito à mão por Renato Russo
Imagem: Divulgação
O primeiro show da Legião Urbana também marcou o primeiro desentendimento com a polícia e a primeira prisão. Ao todo, cerca de 1500 pessoas estavam na plateia, além de muitos policiais. Ao final, os PMs cercaram a banda e deram voz de prisão por se sentirem “ultrajados” com a letra de “Música Urbana”, que continha os versos “Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana”, e também com o discurso que Russo fez no palco pregando o voto em branco nas próximas eleições.

“Entrei em pânico quando soube que eles tinham sido presos. Fui correndo para a delegacia. Quando cheguei lá, o Renato estava discutindo com os policiais, falando sobre liberdade de expressão. A PM não queria liberá-lo enquanto ele não se desculpasse”, lembrou o produtor. Ao final, o grupo foi finalmente solto desde que deixasse a cidade imediatamente. “Só que o próximo ônibus só sairia na madrugada e foi preciso negociar com a polícia para que a banda pudesse ficar esperando o ônibus dentro do parque. Eles não poderiam sair de lá”, contou.

Xaulim, que é dono da Cadoro Eventos e presidente da Associação Brasileira de Promotores de Eventos, disse que durante muito tempo teve resistência em assumir a produção do primeiro show da Legião. “Não foi algo planejado. Foi por acaso. Foi uma coincidência do destino eu ter sido o responsável por organizar o primeiro show. Era para ter sido do Aborto Elétrico”. Coincidentemente, esta também foi a única vez que ele produziu a Legião em mais de 30 anos de carreira. "Nunca mais fiz outro show deles". 

Por causa da precariedade daquela produção, existem pouquíssimos registros do festival. O técnico de som que gravou as apresentações perdeu todos os áudios alguns anos atrás. O vocalista da Plebe Rude, Philippe Seabra, levou uma câmera amadora para o festival e fotografou tudo, porém o filme queimou e nenhuma foto pode ser revelada.

Uma das poucas relíquias daquela época é o cartaz do festival. Uma das cópias foi guardada por Renato Russo, mas ficou bastante desgastada pelo tempo. Atrás do cartaz, o vocalista registrou que aquele tinha sido o primeiro show da Legião Urbana. “Achamos que o importante é falar de coisas que acontecem com a gente: escola, festas, cotidiano, como vemos o mundo e como o mundo nos vê. Chegou a hora do pessoal começar a se tocar: o importante é fazer o que você quer e ficar bem com todo mundo que quer se divertir”, escreveu Russo. Xaulim também guardou cópias dos cartazes e uns anos atrás entregou uma delas, emoldurada, para a irmã de Renato Russo em Brasília.

Carlos Alberto Xaulim (segurando o quadro) entrega para Carmem Manfredini, irmã de Renato Russo, uma cópia do cartaz do primeiro show do Legião Urbana - Divulgação - Divulgação
Carlos Alberto Xaulim (segurando o quadro) entrega para Carmem Manfredini, irmã de Renato Russo, uma cópia do cartaz do primeiro show da Legião Urbana
Imagem: Divulgação

Exposição em São Paulo

O MIS (Museu da Imagem e Som de São Paulo) inaugura nesta quarta-feira (6) e vai até 28 de janeiro uma grande exposição com mais de mil itens que estavam guardados no apartamento de Renato Russo.

A exposição, que parte exclusivamente do acervo de Renato Russo, terá objetos pessoais, peças de vestuário, fotografias, discos, livros, manuscritos, instrumentos musicais, documentos escolares, desenhos, cartas de fãs, além de prêmios, fanzines, folhetos e impressos variados.

Nas primeiras semanas, os ingressos vão custar de R$ 15 (meia) a R$ 30 (inteira) e poderão ser comprados pelo site www.ingressorapido.com.br/renatorussonomis. Nas terças-feiras a entrada é gratuita e crianças até 5 anos não pagam.