2º dia tira o festival da mesmice, mas o Rock in Rio ainda está devendo
Valendo! O Rock in Rio 2017 ainda não engrenou, mas o sábado do primeiro fim de semana do festival marcou o início de fato do festival. Desde a lotação total da nova Cidade do Rock a shows mais consistentes e recebidos de forma mais empolgada pelo público, o segundo dia aconteceu como se o anterior fosse uma espécie de rascunho do que o festival poderia ser. Embora ainda desequilibrado, o evento pareceu ver sua redoma de condomínio fechado trincando aos poucos a partir de protestos políticos, participações especiais e hits arrasa-quarteirão.
Nesta última categoria, poucos superaram o Skank, que abriu a programação do palco Mundo enfileirando uma sequência de músicas conhecidas que levou a multidão a um êxtase em crescendo. Aproveitando-se do astral mais família que o da noite anterior (havia muito mais times de pais e filhos curtindo juntos do que na sexta), o grupo mineiro apresentou um resumo bem comercial de suas quase três décadas em atividade e também aproveitou a onda de “Fora, Temer” que aos poucos assola o festival para que o vocalista Samuel Rosa fizesse um discurso indignado contra a classe política brasileira.
Crítica parecida aconteceu em outro bom show do outro palco do festival, quando a Blitz acompanhada de Alice Caymmi e Davi Moraes puxou “Aluga-se”, no primeiro momento “toca Raul” do festival, quando o hit de Raul Seixas surgiu como uma profecia macabra em relação ao atual momento de entrega dos recursos do país ao estrangeiro. Pouco antes da Blitz, o velho buda da bossa nova João Donato havia sido saudado pelo belo canto hipnótico de quatro sereias vocais: Lucy Alves, Emanuelle Araújo, Tiê e Mariana Aydar.
Outro grande momento daquele palco secundário, com uma escalação bem mais interessante do que a do palco principal, foi encontro entre Rael e Elza Soares. Sem a participação da eterna musa, o MC paulistano já havia consagrado ao encontrar a melhor lotação daquele espaço preenchida por uma massa que cantava todos seus sucessos. De forte inclinação romântica, o rapper não se furtou a comentários sobre política em suas letras e os gritos de “Fora, Temer” que aos poucos pipocavam pelo festival encontraram ainda mais eco quando Elza adentrou ao palco impassível em seu trono. Ovacionada pelo público que se aglomerava ainda mais, ela começou sua participação com a sua “A Carne” (“a carne mais barata do mercado é a carne negra”), que Rael emendou citando todos os versos de Mano Brown em “Negro Drama”, hino dos Racionais MCs. O rapper não se intimidou com a presença da veterana e a acompanhou de igual para igual. Elza encerrou sua participação cantando a faixa-título de seu aclamado álbum mais recente, Mulher do Fim do Mundo, que encerrava, raivosa, exigindo: “Até o fim eu vou cantar, me deixem cantar até o fim, eu quero cantar até o fim”. Parceiro de Rael, Emicida foi o convidado do rapper norte-americano Miguel, mas o bom show foi visto por um público bem mais reduzido, já seduzido pelas atrações sem graça do palco Mundo.
Depois do show do Skank, o adolescente Shawn Mendes subiu com seu violão andando nas pegadas do folk pop consagrado por Ed Sheeran. Mas é só vontade: por melhores que sejam as intenções do guri, sua apresentação só convence aos fãs bem mais jovens, embora a multidão que lotava cada vez mais a área principal do festival tivesse lhe dado um voto de confiança.
O mesmo aconteceu com Fergie, que fez um show todas as músicas que poderia cogitar: de músicas menos conhecidas de sua minúscula carreira solo a hits arrasa-quarteirão do grupo que lhe fez fama, o Black Eyed Peas. Mas quando lembrarmos deste show no futuro, o nome de Fergie, se for lembrado, vai ser como escada para Pabllo Vitar, que depois de arrebatar o público numa aparição num estande de patrocinador no dia anterior, voltava com todo o carisma no principal holofote da noite. Quando as frequências dos subgraves da introdução de “Sua Cara” ecoaram no Rock in Rio, o público parecia desacreditar que estava vivendo um sonho. O principal hit da diva drag foi gravado ao lado do grupo norte-americano Major Lazer e da cada vez mais onipresente Anitta, o que fez que a voz da atual rainha do pop brasileiro pudesse encontrar o público do festival. Sem dúvida foi o grande momento daquele palco - e o último sabor de política da noite (principalmente se imaginarmos uma leitura metafórica de uma drag brasileira cantando que vai "rebolar bem na sua cara" no palco principal de um festival que prefere ater-se a atrações internacionais meia boca do que a brasileiros de melhor estirpe).
O Maroon 5 voltou a se apresentar naquele mesmo palco, dessa vez tocando para pessoas que haviam pago para assisti-los, não como estepe de Lady Gaga. Assim, o show ligeiramente melhor que o do dia anterior, o que não quer dizer que tenha sido bom. Melhor sair de fininho em direção à tenda eletrônica, que receberia o principal nome da noite - o DJ Grandmaster Flash. Pai da parte instrumental do hip hop, só o fato de Flash ter inventado a forma moderna de discotecagem, com duas vitrolas e um mixer, tão perene que segue influente três décadas depois, já valeria sua presença em qualquer evento relacionado com música.
E o fato de ser um veterano das pistas faz com que ele domine o público sem a menor dificuldade, submetendo os sobreviventes do final da segunda noite - alguns milhares, bem menos que o público do palco principal - a uma maratona de sucessos tatuados em nosso subconsciente: "Under Pressure" do Queen com David Bowie, "Billie Jean" de Michael Jackson, "Play the Funky Music" do Wild Cherry, "California Love" de Tupac Shakur, "Stayin' Alive" dos Bee Gees, entre outros clássicos, um superposto sobre o outro, enquanto Flash pedia para o público carioca gritar ou erguer as mãos. Um final sensacional para mais um dia de atrações irregulares, mas que conseguiram tirar o festival da mesmice do dia anterior. O domingo, que finalmente terá gringos de peso (Nile Rodgers, Alicia Keys e Justin Timberlake, especificamente), pode fazer o festival ter seu primeiro grande dia.
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