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Joelho de Porco, a melhor banda que "ninguém" ouviu, vira documentário

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

28/10/2017 04h00

Chavão do jornalismo musical, a definição “banda à frente do tempo” cai como uma luva perfeita sobre o grupo Joelho de Porco. A banda paulistana é considerada uma das mais importantes, criativas e influentes de toda a música brasileira, mas, por algum motivo, acabou perdendo o rumo da história do nosso rock.

Ainda é tempo: a trajetória do finado compositor Tico Terpins e de outros músicos talentosos como o vocalista Próspero Albense e o baixista Rodolfo Braga está sendo contada no documentário “Meu Tio e o Joelho de Porco”, dirigido pelo sobrinho de Tico, Rafael Terpins. O longa é destaque na Mostra de Cinema de São Paulo deste ano, um dos 14 finalistas da seção Competição Novos Diretores, que traz apenas dois nomes brasileiros.

A pergunta-chave da produção: por que diabos o Joelho de Porco, um grupo apadrinhado por Arnaldo Baptista e com tantos predicados, jamais conheceu o sucesso? “Olha, eu também me pergunto isso”, diz ao UOL Rafael Terpins. “Era sempre assim. No momento em que ia fazer sucesso, o Próspero saia. Depois, quando ia fazer sucesso de novo, uma briga com o [vocalista] Billy Bond acabou com a banda. Infelizmente, eles sempre ficaram no ‘quase’.”

A influência do grupo, no entanto, tangencia os infortúnios. “Dá para resumir assim: antes de tudo, o Joelho é um elo perdido na música brasileira. Uma banda única que soube juntar o tropicalismo com a geração dos anos 1980 e que até hoje as pessoas reconhecem as músicas.”

Joelho de Porco - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Precursor do rock humor

Sem o Joelho não haveria, por exemplo, Premê, Língua de Trapo, Ultraje a Rigor, Mulheres Negras, Mamonas Assassinas. A irreverência estava no DNA do grupo, que apareceu antes de a galhofa se tornar comercialmente viável na música brasileira. Era um humor satírico, iconoclasta e por vezes metalinguístico, ao estilo de antigas duplas caipiras. Escute “Boeing 723897”, “Aeroporto de Congonhas”, “México Lindo” e “Um Trem Passou Por Aqui”, esta já da fase Zé Rodrix, tirando sarro do acidente que decepou a perna de Roberto Carlos, e tire suas próprias conclusões.

Tico Terpins, o primeiro punk brasileiro? - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Precursor da atitude punk

“O Joelho é o que chamo de ‘punk tropical’. A sonoridade não era exatamente punk, mas trazia um resgate do rock dos anos 1950, algo que você até vê em algumas bandas do estilo. Mas, na atitude e nas coisas que os caras aprontavam, dá pra dizer que eles tinham, um espírito muito punk. Foram precursores na anarquia brasileira, vestindo terno e usando maquiagem”, entende Rafael Terpins. “Uma vez, o Tico mandou uma intimação falsa para o Caçulinha dizendo que a companhia Antártica estava movendo uma ação contra ele por causa da bebida Caçulinha. E ele acabou levando a mãe ao fórum para tentar provar que era Caçulinha desde que nasceu. (risos)”

Capa do disco "São Paulo - 1554/Hoje”  - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Precursor do disco independente

Lançado em era dourada das gravadoras, “São Paulo - 1554/Hoje” (1975), primeiro LP do Joelho de Porco, é um dos primeiros álbuns independentes do Brasil a obter certo êxito. Na época, como os integrantes não tinham grana nem para pagar um produtor, precisaram alugar horário no estúdio Vice-Versa, do maestro Rogério Duprat, à noite (era mais barato). Registradas sem maiores retoques, as músicas trouxeram frescor para uma época de ressaca da MPB. Juntavam o peso do hard rock a referências tropicalistas, regurgitando Beatles, Ary Barroso, música caipira e até mexicana.

Joelho de Porco - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Precursor do “rock social”

Este primeiro disco do Joelho, por sinal, tratou diretamente em suas letras vários dos problemas urbanos da maior cidade do Brasil, que até hoje nos importunam. Trata-se de uma “homenagem” bem menos idílica que a cravada em “Sampa”, de Caetano Veloso. Música sobre trombadinha? Poluição? Trânsito infernal? Sobre o pobre que não tem dinheiro para andar de avião e se contenta indo ao aeroporto só para ver avião subindo? Está tudo lá.

Joelho de Porco com Ricardo Petraglia (à esquerda) - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Lançando ator global

Você deve se lembrar Ricardo Petraglia (acima à esquerda) em filmes e, principalmente, novelas da Globo e Record. Mas, antes de estrelar mais de 30 produções na TV, ele foi vocalista do Joelho de Porco. Na época iniciando carreira na música e teatro —cantou no Sindicato e atuou em montagem do musical “Hair”, Petraglia entrou para a banda substituindo o vocalista Próspero Albansese, que havia debandado para estudar direito. Fez apenas algumas apresentações durante poucos meses, até assinar com a Globo, quando deu lugar ao argentino Billy Bond.