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Conheça o fenômeno "idol", as novinhas que cantam para quarentões no Japão

Do UOL, em São Paulo

04/11/2017 04h00

Elas são adolescentes que se vestem de forma sensual, às vezes com biquíni e uniforme escolar. Cantam pop japonês e são seguidas pelos fãs mais dedicados do mundo. Coisa de jovem? Nada disso. Na plateia, homens de 30, 40, até 50 anos, muitos frustrados com a vida e o trabalho, dão sangue, suor e lágrimas para acompanhar as estrelas, vistas como um insondável ideal de “pureza”.

O ápice desse envolvimento ocorre no encontro com as meninas, quando os fãs enfim conseguem realizar a fantasia de apertar as mãos das cantoras. Em pleno século 21, o contato físico ainda é raro e um tabu no Japão. “Quero proteger minha inocência até que eu deixe meu uniforme escolar para trás”, canta uma dessas girl bands, conhecidas como “idols”.

Esse fascinante fenômeno cultural é o tema do documentário “Tokyo Idols”, uma das novidades do catálogo da Netflix. Dirigido pela japonesa Kyoko Miyake, o filme acompanha a extenuante rotina de Rio, uma adolescente de 19 anos que vê no fã a figura de um “filho”, a quem precisa se dedicar com extremo esmero, e não importa se ele tiver o dobro de sua idade.

Aos olhos ocidentais a relação das idol com o público pode parecer bizarra, beirando o doentio, mas há todo um contexto de aspectos socioculturais envolvidos. No Japão, as meninas podem se tornar grandes celebridades, com milhares de fãs e concursos promovidos em estádios, transmitidos em rede nacional. Há grupos de vários estilos, do pop tradicional ao som pesado, caso da popular Babymetal.

Veja abaixo curiosidades mostradas em “Tokyo Idols”.

Imagem do filme "Tokyo Idol" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Origem

O fenômeno “idol” surgiu no Japão nos anos 1970, com a popularidade do filme francês “Cherchez l'idole” ("À Procura do Ídolo", de 1964), estrelado por Sylvie Vartan. Mas a moda só pegou mesmo nos anos 1990. O documentário "Tokyo Idols" relaciona a tendência à crise econômica japonesa dos anos 1990, que derrubou ainda mais a autoestima do homem "médio" japonês. "Há semelhanças entre a Londres dos anos 70 e a Tóquio atual. A economia estagnou e o cenário cultural morreu. As pessoas procuravam por algo novo. Londres inventou o Sex Pistols. E a resposta japonesa foi a cultura idol”, diz no filme o especialista Akio Nakamori.

A banda AKB48 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Quem são as meninas

Elas são escolhidas em agências de talentos pela voz e aparência física. Precisam estar na adolescência ou, no máximo, início da vida adulta. Aparentar “pureza” é muito importante. A carreira é curta. Em geral, termina quando as cantoras chegam à maioridade. Muitas utilizam a cultura idol para iniciar a carreira artística. Além de cantar, ela tem de desempenhar atividades públicas na televisão, internet e publicidade. O formato guarda semelhanças com o dos concursos de miss. A maior banda idol do Japão, a AKB48, chega a promover grandes eleições anuais para renovar suas integrantes. Segundo uma jornalista entrevistada no longa, apesar de tratar-se de uma cultura machista, que objetifica a mulher em vários níveis, o grupo idol é o único lugar na sociedade em que elas são protagonistas no Japão.

Imagem do filme "Tokyo Idols" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Quem são os seguidores

Apesar da postura infantilizada das cantoras, seus seguidores são principalmente homens na casa dos 30, 40 anos e até 50 anos. Muitos ali têm séries problemas sociais. Alguns perderam namorada, outros, o emprego, Há os que estão desanimados com a vida profissional e procuram algo que sirva de motivação. É o caso de Koji, de 43 anos, seguidor mais dedicado da cantora Rio, que diz se espelhar no sucesso da jovem. Outro fã, um funcionário do setor de transportes chamado Mitacchi, revela gastar pelo menos 220 mil ienes (cerca de R$ 6.400) por mês para seguir o grupo P.IDL. "Talvez elas estejam conquistando o que não pude. Não quero me tornar uma idol, mas fracassei em tantas coisas...”, lamenta Koji.

Cena do filme "Tokyo Idols" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Torcida organizada

Não basta ser fã de idol, tem que participar. Os seguidores confeccionam uniformes, encaram peregrinações e, para fazer bonito frente às meninas, tem o hábito de se reunir para ensaiar coreografias dos shows. É uma relação de pura adoração e certo fetiche, não apenas ou simplesmente sexual, que, de certa forma, assemelha-se à das torcidas (asiáticas) de futebol. “Na vida, um homem pode se sentir incompetente. Mas, em uma apresentação idol, ele sente que está lutando com as garotas contra o sistema, Ele tem um sentimento de solidariedade”, diz o compositor de música idol Hyadain.

Imagem do documentário japonês "Tokyo Idol" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Aperto de mão é quase sexo

Em plena era da música digital, o CD consegue sobreviver no Japão. E, em parte, isso se deve às idols. Há grupos que condicionam a entrada nos shows e o encontro com as cantoras (o “meet & greet”) à compra dos álbuns. Nesses eventos, nada de abraço ou selfie. O momento mais esperado é o do aperto de mãos. "Historicamente, um aperto de mãos é um gesto muito sexual. O toque era proibido. Apenas nas últimas décadas que o aperto de mão passou a ser aceito. Do ponto de vistas das artistas, parece algo muito inocente. Mas, para os fãs, provavelmente há um aspecto sexual”, afirma o analista de economia e indústria Masayoshi Sakai.