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Jobriath foi o 1° cantor a se assumir gay nos anos de 70, e pagou caro

O cantor Jobriath - Divulgação
O cantor Jobriath Imagem: Divulgação

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

20/11/2017 04h00

Antes de nomes como Boy George sequer pensarem em existir, um jovem americano homônimo do Batman abalou profundamente as estruturas do showbiz. Cria do glam rock dos anos 1970, ele era alto, talentoso, performático e dava uma nova dimensão à androginia propalada por David Bowie e Marc Bolan. Jobriath, nome artístico de Bruce Wayne Campbell, era gay, muito gay, e fazia questão de salientar o quanto era a quem perguntasse.

Em tempos em que a sacarose de Nilsson, Neil Diamond e Gilbert O'Sullivan ditavam regras nas rádios e TVs, ouvir algo como isso era mais ou menos como testemunhar o fantasma de Carmem Miranda desfilando nu na Time Square ao som de rumba. “Perguntar se sou homossexual é como perguntar a James Brown se ele é negro”, dispara Jobriath em uma de suas antológicas entrevistas.

A incrível, obscura e ainda hoje subversiva história do cantor, primeiro pop star a se assumir publicamente —e a pagar caro por isso—, é escarafunchada no documentário “Jobriath A.D.” (2012), do cineasta Kieran Turner. Com entrevistas de amigos, animações e imagens raras de arquivo, o filme é obrigatório para fãs da era que coloriu o rock and roll de pink e deu o primeiro grande grito de diversidade na fuça da caretice.

Jobriath em estúdio nos anos 1970 - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Do teatro ao rock

Ex-integrante da banda de folk rock Pidgeon e do elenco do musical “Hair”, Jobriath, na época apenas Bruce Wayne, foi taxado de louco por Clive Davis, executivo da Columbia Records, ao mandar uma fita demo “maluca, desestruturada e destruidora de melodias”. Jerry Brandt, ex-empresário de Carly Simon, ouviu, gostou e decidiu apostar alto no que enxergou como a resposta americana ao glam rock de David Bowie. Com lábia, conseguiu convencer os executivos da Elektra Records a assinar um contrato US$ 500.000, valor exorbitante para um novato na época. A entrada de Jobriath no showbizz foi recentemente retratada na série "Vinyl", que começou a contar a história do fictício Gary (Xavier), aposta glam do selo American Century.

Capa do álbum "Jobriath" (1973) - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Lançou um discaço

A estreia de Jobriath em disco é um dos momentos reluzentes do brilhante ano de 1973, que recebeu álbuns como “The Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd, e “Quadrophenia”, do The Who. Imagine uma mistura inusitada de “Hunky Dory”, de David Bowie, com “Honky Château”, de Elton John, alimentada por vocais que mais parecem um desacato, nitidamente calcados nos de Mick Jagger. Com participação do astro Peter Frampton, o álbum traz pérolas  como "Take Me I'm Yours","I'maman" e "Rock of Ages". Na capa, Jobriath surge como uma mórbida estátua de cerâmica, com as pernas quebradas e sobre um fundo vermelho carmesim. No palco, Jobriath arrasava com roupas coloridas e extravagantes, de temática conceitual, boladas por ele mesmo.

O cantor Jobriath - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Como um Jesus Cristo travesti, acabou crucificado

Para divulgar "Jobriath", maior aposta da Elektra em 1973, a gravadora comprou páginas inteiras de jornais e revistas. Plotou um anúncio gigante na Times Square. Jobriath era vendido com o "artista do futuro", de uma nova "era de aquário": a era gay. Lançado para ser "hype", o cantor rapidamente virou "flop". Sofreu com péssimas críticas e vendas de discos irrelevantes. Jornalistas viam nele uma cópia nada nobre de artistas ingleses da moda. Outro problema, bastante explorado em “Jobriath A.D.”: ninguém estava pronto para alguém disposto a ir tão longe. Ser afeminado e assumir-se publicamente, dando detalhes de uma subcultura até então obscura e questionável? Autoproclamar-se "fada madrinha do rock"? Tudo isso era demais para os tempos de Richard Nixon, um admirador de "A Noviça Rebelde" e Carpenters.

Jobriath - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Ostracismo e morte

Após o fiasco de “Jobriath”, a Elektra ainda lançou outro álbum do cantor, “Creatures of the Street”, agora com participação do baixista John Paul Jones, do Led Zeppelin. Sem a divulgação do anterior, o disco foi sumariamente ignorado por crítica e público. Sem retorno financeiro, Jobriath acabou dispensado pela gravadora, anunciando o fim prematuro da carreira em 1975, ano em que reclusou em uma pirâmide no topo do Chelsea Hotel, em Nova York. Depois disso, para continuar pagando as contas, ele fez bicos, trabalhou em clubs e cabarés. Ocasionalmente, também como garoto de programa. Em 1983, dez anos após viver o sonho da vida, Jobriath morreu vítima da Aids, aos 36 anos. Ele foi uma das primeiras pessoas públicas a padecer da então misteriosa doença, descrita pejorativamente na imprensa como “câncer gay”.

Capa de "The Jobriath Medley", de Ano Magnuson - Reprodução - Reprodução
Capa do disco "The Jobriath Medley", tributo da americana Ann Magnuson
Imagem: Reprodução

Redescoberto

O “renascimento” de Jobriath, que culminou no documentário "Jobriath A.D.",  tem um padrinho: Morrissey. Fã do trabalho do artista, o vocalista dos Smiths organizou a coletânea “Lonely Planet Boy”, lançada em 2004. Com o interesse renovado pela nova geração, os álbuns de Jobriath foram relançados em edições especiais em 2007 e 2008. A partir daí artistas como Balcony, Okkervil River prestaram homenagens ao cantor em músicas. Em 2006, foi a vez da banda britânica Def Leppard gravar uma versão de “Heartbeat”, incluída como faixa bônus no disco “Yeah!”, que trouxe Jobriath de volta ao mainstream ou ao que restou dele. A americana Ann Magnuson também bateu continência com o álbum "The Jobriath Medley" (2012), em que declama a respeito do cantor sobre as próprias músicas do ídolo. Ainda influente, Jobriath vive.