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"Como mulher, me acostumei a não ser vista", diz pioneira do design sonoro

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

15/12/2017 04h00

Se você já ouviu o tintilar da Coca-Cola ou o som futurístico da propaganda da Atari, você provavelmente conhece o trabalho pioneiro da americana Suzanne Ciani. A pianista de ascendência italiana é considerada uma das figuras mais importantes e influentes do design sonoro mundial.

Sob o comando do Buchla Series 200, sintetizador/controlador revolucionário desenvolvido pelo mago da eletrônica Don Buchla, Suzanne rompeu barreiras em um campo espinhento e até então desconhecido para homens e mulheres, o da sonoplastia.

Paralelamente ao trabalho na publicidade, ela também lançou discos de música clássica e new age, além de ter composto trilhas como a da comédia “A Incrível Mulher Que Encolheu” (1981), primeira de um blockbuster a ser assinada por uma mulher.

Os predicados renderam a Suzanne vários prêmios, reconhecimento, e, neste ano, resultaram em um documentário, “Life in Waves”, destaque na programação de festivais como o South by Southwest. Apesar de tudo isso, poucos são capazes de reconhecer seu rosto.

“Como artista e mulher, nós nos acostumamos a não ter visibilidade. Mas isso não é uma grande coisa para mim”, diz ela em entrevista ao UOL, sem minimizar o fato de ter sofrido preconceito por ser mulher e não só isso. “Claro que eu já fui assediada. Acho que toda mulher profissional já passou por isso um dia.”

Suzanne Ciani em ação - Reprodução - Reprodução
Suzanne Ciani em ação
Imagem: Reprodução

Começo de carreira

"Minha carreira começou quando eu estava fazendo pós-graduação em composição. Conheci o Don Buchla e me tornei profundamente envolvida em suas invenções. Ele é creditado como o inventor do primeiro sistema musical com modulador analógico. Eu me transformei em uma devota desse sintetizador. Ele era perfeito para a criação de uma nova poesia do som, que depois viraria a ser conhecida como design sonoro. Nem tínhamos esse termo na época."

Trabalhos favoritos

"Acho que meu trabalho mai conhecidos é o logo sonoro que fiz para a Coca-Cola anos 1970, o barulho da tampinha e do refrigerante sendo despejado. Foi utilizado milhões e milhões de vezes no mundo. Nessa época, havia prêmios para design sonoro. E eu fazia esses comerciais para ganhar dinheiro e financiar meus próprios álbuns. Lancei meu primeiro, 'Seven Waves', em 1982. Foi muito especial para mim."

História da propaganda da Coca

"Fui para Nova York em 1974, para fazer um show solo em uma galeria de arte, mas decidi ficar na cidade. Adoro a energia de NY. Eu tinha 28 anos e estava vivendo sem dinheiro, no estúdio do Phllip Glass. Eu tinha que pagar o aluguel. Aí comecei a bater na porta da televisão. Eu não sabia se um dia conseguiria assinar com uma gravadora. Eu queria fazer discos, mas era impossível. As primeiras oportunidades consegui foi simplesmente batendo na porta, sendo persistente. O comercial da Coca foi uma delas. Trabalhei por anos até conseguir."

A curiosa aparição no programa de David Letterman

 "Ninguém entendeu de onde aquele som estava vindo (risos). Por isso gosto de fazer shows hoje em dia, porque eu tenho um público. Antes, ninguém entendia o conceito. Hoje, tenho uma nova audiência, atenta e interessada. Sou muita agradecida ao Letterman porque ele me tornou conhecida em NY. Consegui muita atenção da mídia por estar fazendo algo que ninguém estava. Consegui sucesso na área, mesmo sendo mulher por causa disso. Não havia concorrência."

Assédio

"Estamos vivendo a explosão das denúncias de assédio. As mulheres estão vindo com força pela primeira vez, com credibilidade. Antigamente, quando alguém dizia que havia sido assediada, falavam que a culpa era sua. Diziam que não se importavam com isso e nos mandavam embora. Estamos vivendo uma revolução nos direitos das mulheres. E isso tem a ver com o tempo em que vivemos. Mas sim, sofri preconceito e claro que eu já fui assediada. Acho que toda mulher profissional já passou por isso alguma vez."

Anonimato

"Eu trabalhei num campo de anônimos. Fiz muitos trabalhos que as pessoas ouviam mas não sabiam quem fez. E tudo bem para mim. Como artista e mulher, nos acostumamos a não ter visibilidade. Mas isso não é uma grande coisa para mim. Por outro lado, também conseguir ter muita visibilidade."

Documentário “Life in Waves”

"Eles colocaram uma ênfase grande no meu lado eletrônico. Mas eu também tenho muitos outros, muitos álbuns de composições orquestrais, de música romântica. Focaram mais na eletrônica porque o público se interessa mais nisso do que em uma pianista compositora. Mas acho que os cineastas fizeram um trabalho lindo. E espero que um dia as pessoas também descubram minha música clássica."