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Reality shows musicais rendem ídolos, mas vencedores ainda buscam a fama

Patrícia Colombo e Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

09/12/2013 11h31

Perto do encerramento da segunda edição do "The Voice Brasil", no dia 26 de dezembro, o público do programa já aguarda pelo próximo ídolo brasileiro. Os candidatos também esperam fama, fãs e o tão sonhado álbum --o verdadeiro prêmio. Mas, depois da vitória no reality, vem o choque de realidade: para cada caso de sucesso, há muitos outros que, além de cantar, precisam rebolar muito para tentar enfrentar o fantasma do ostracismo.

Os realities estrearam no Brasil na década de 2000 como uma tentativa de resgate da época áurea da música na TV, principalmente dos anos de 1960 e 1970, com concursos e festivais que celebravam canções e artistas novos. Comprando formatos internacionais, que produzem e distribuem revelações ano após ano, o SBT deu o pontapé no filão com "Popstars", onde foram criados os grupos Rouge e Br'oz.

A Globo, na mesma época, criou o "Fama", e de lá saíram artistas que, mesmo sem alcançar o primeiro lugar, conseguiram um lugar ao sol. Roberta Sá não se adequou ao estilo do "Fama Bis" em 2002 e foi eliminada na quarta semana. Hoje, ela é musa da geração mais recente da MPB, flerta com o samba e já tem quatro discos de estúdio gravados, tendo estabelecido duetos com Alejandro Sanz e Chico Buarque.

Roberta Sá grava com Alejandro Sanz

O mesmo fenômeno aconteceu na temporada seguinte do "Fama" com Marina Elali, que deixou o programa na semifinal. Sua voz e beleza caíram no gosto dos diretores da emissora e ela foi convidada a gravar uma música para a novela "América" (2005). Ano passado, lançou o DVD ao vivo "Duetos", com participação de Ivete Sangalo, Elba Ramalho e Zezé Di Camargo & Luciano.

Thiaguinho, que hoje goza de uma carreira solo cheia de hits, ocupou o posto de vocalista do Exaltasamba e hoje é o cantor com mais popularidade no Brasil a ter passado por um reality show musical. Participante da mesma edição de Roberta Sá, perdeu o título para Marcus Vinícius, hoje Vinile, que não manteve as atenções do público em sua carreira.

"Antes [do programa], eu só me apresentava em barzinho e lá foi a primeira experiência que tive com aulas de canto. Foi uma experiência única", contou o pagodeiro ao UOL. Segundo ele, mesmo tendo sido eliminado, leva consigo os ensinamentos do programa até hoje. "A eliminação fazia parte do jogo, todos nós tínhamos essa consciência. Eu não faria nada de diferente. Não há uma fórmula para o sucesso. Oportunidade, talento, amor ao ofício e, principalmente, muito trabalho são essenciais para a carreira de qualquer artista".

O outro lado
Houve os que vieram e venceram, mas que hoje ainda buscam os holofotes. Em 2008, Rafael Barreto, de Salvador, venceu o "Ídolos" da Record, deixando para trás o favoritismo de Maria Cristina. Como combinado, gravou um disco, "Pensando em Você", lançado pela Sony em um contrato de um ano. Não deu certo, e meses depois Barreto voltou ao obscuro grupo daqueles que batalham a vida na música.

Eu não entendia nada. Saí do programa sem empresário, e até hoje não tenho um. Quando ganhei, achei que já estava estourado no país, mas tem que haver um projeto no papel, uma equipe cuidando da assessoria, de show. Só ganhei um: 'Boa sorte, vá em frente e fica com Deus'

Rafael Barreto

"Demorei muito para gravar. Fiquei chateado por ficar um tempo de molho e acabei caindo no esquecimento". Ele salientou que o registro do disco aconteceu com a liberdade e estrutura desejadas, mas o problema foi de aconselhamento. "Eu não entendia nada. Saí do programa sem empresário, e até hoje não tenho um. Quando ganhei, achei que já estava estourado no país, mas tem que haver um projeto no papel, uma equipe cuidando da assessoria, de show. Só ganhei um: 'Boa sorte, vá em frente e fica com Deus'".

Rafael chegou a gravar mais um álbum por conta própria em 2010, com distribuição apenas em Salvador. Nos últimos anos, deixou o pop romântico de lado para se inserir no universo da música sertaneja, e agora em seu novo single, "Patricinha". "No meio sertanejo, gravar disco e não conseguir divulgar da forma certa é ruim. O negócio é investir em uma música e trabalhá-la no mercado. Estou apostando".

Rodrigo Faro anuncia Saulo Roston como vencedor

A história de Saulo Roston, vencedor da edição seguinte do "Ídolos", é bem parecida com a de Rafael. Mesmo com o discurso carinhoso em relação à oportunidade dada pela Record e pela gravadora Warner, o cantor não teve suas canções nas paradas musicais do país. "Foi ótimo [estar no programa] porque eu comecei criar um público, e é por causa disso que hoje tenho um disco para lançar e um show grande para estrear".

A exposição é grande, mas se você demora para lançar algo, cai no esquecimento mesmo. É o que atrapalha em todos os reality shows. O SBT me abriu as portas, mas quando você sai do programa, instantaneamente cessa o contrato com a emissora

Thaeme Mariôto

"Mas depois que acabou o programa foi um pouco complicado. Quando vi, eles já tinham escolhido as músicas para o disco. Depois que eu percebi: 'Acho que eles agiram errado'. Se eu crio um estilo artístico, é a minha essência que está ali. E aquilo funcionou no programa. Eu falava: 'Gente, vamos à rádio', mas não rolava. Eu não sabia qual era a razão [da falta de divulgação]".

No rastro do sertanejo, mas figurando como um dos casos de sucesso do formato televisivo, Thaeme Mariôto venceu o "Ídolos" quando o SBT ainda detinha os direitos da fórmula, em 2007, e concorda com Barreto e Roston. Ela gravou o disco "Tudo Certo" cinco meses depois do fim do programa. "A exposição é grande, mas se você demora para lançar algo, cai no esquecimento mesmo. É o que atrapalha em todos os reality shows. O SBT me abriu as portas, mas quando você sai do programa, instantaneamente cessa o contrato com a emissora".

O sucesso e a volta a uma gravadora grande veio mais tarde, quando ela iniciou o projeto Thaeme & Thiago em 2011, com a ajuda de Fernando e Sorocaba. A dupla gravou o hit "Hoje Não", com Luan Santana, e passou por reformulação neste ano com a saída de José Lazaro Servo (o Thiago). Ao lado de um novo Thiago (Bertoldo), ela chega a fazer 26 shows por mês.

Ouça "Ai Que Dó", sucesso da dupla Thaeme & Thiago

"The Voice"
Com nova proposta e infraestrutura maior, o "The Voice" estreou na Globo uma década depois do "Fama", tentando deixar para trás o fantasma de que o vencedor tem como destino o ostracismo. Aproveitando o consumo de música pela internet, uma das medidas para auxiliar na divulgação dos artistas é a comercialização no iTunes das canções interpretadas no programa. Na sexta-feira (6), o top 10 do serviço de música digital tinha cinco faixas vindas do reality show, com a interpretação do cantor Sam Alves para "Pais e Filhos", da Legião Urbana, liderando o ranking de vendas. Os direitos dos materiais são da gravadora Universal.

Vencedora da primeira edição, Ellen Oléria já tinha uma carreira conceitualmente consolidada no passado, ainda que não pertencesse a nenhuma grande gravadora. "Eu percebo que o público brasileiro é sedento por novos artistas para se emocionar". Com três álbuns lançados como artista independente, hoje a brasiliense colhe os frutos do quarto disco, o primeiro lançado por uma major, a Universal. O material é parte do prêmio que recebeu, que incluía ainda R$ 500 mil e um contrato "básico, de 5 anos" com a gravadora.