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Músico do Arcade Fire elogia Alceu Valença e promete surpresa no Lolla

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

28/03/2014 06h00

Na primeira passagem do Arcade Fire pelo Brasil, em 2005, os canadenses eram desconhecidos por boa parte da plateia do extinto Tim Festival. Lá fora, a banda era celebrada como a novidade mais quente do indie rock após The Strokes, que também se apresentara pela primeira vez no mesmo festival.

Quem assistiu àquela apresentação saiu impactado pela energia dos músicos, que cantavam em coro canções sobre perdas (do elogiado disco “Funeral”), tocavam em arranjos grandiosos e corriam de um lado para o outro do palco a trocar de instrumentos. Parecia uma grande cerimônia espiritual, caótica e indie. “Eu me recordo bem dessa primeira vez. Nos divertimos muito e continuamos a mesma banda”, garantiu o multi-instrumentista Richard Perry em conversa por telefone com o UOL.

A essência pode ser a mesma, mas muita coisa rolou na gélida Montreal desde então. Agora eles dançam mais, vestem grandes cabeças de látex e chegam como atração principal do festival Lollapalooza Brasil, no dia 6 de abril em São Paulo. Perry vem ainda mais inspirado, desde o momento em que conheceu um músico brasileiro dos anos 70. "Eu vi o vídeo de uma apresentação incrível dos anos 70. Aquilo era realmente rock and roll psicodélico, foi arrebatador. Era 'Oceuva', 'Aceuva'", tentou explicar. O músico em questão é Alceu Valença, em plena fase roqueira, com instrumentos exóticos e beirando a psicodelia na fase do disco "Molhado de Suor", de 1974.

Alceu não foi o único brasileiro a fazer a cabeça de Perry e dos companheiros de banda. O novo disco, "Reflektor", foi inspirado na história de Orfeu e Eurídice, e com a visão de Vinicius de Moraes sob a mitologia grega servindo de influência. Embora as letras do disco já estivessem prontas, canções como “It’s Never Over [Oh Orpheus]” sofreram impacto na gravação após a banda assistir ao filme “Orfeu Negro”, do francês Marcel Camus, gravado no Rio de Janeiro e inspirado na peça do poetinha.

"Foi uma coincidência, além da obviedade do nome do filme. Ficamos impressionados como o filme tinha muito em comum com as letras do disco, que haviam surgido de maneira natural. Assistimos achando que seria apenas uma nova maneira de ver aquela história de Orfeu, mas vimos que os tópicos do filme e das canções eram as mesmas. As letras já estavam prontas, mas surgiram novas versões das letras". O longa de 1959 também serviu como base para a banda mostrar o disco no YouTube dias antes do lançamento (abaixo, vídeo da música "Afterlife" com imagens do filme).

Questionado se haverá alguma surpresa no setlist do show, Perry faz mistério. Seria “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, cantado em 2005 em São Paulo? Vinicius de Moraes? Alceu Valença? “Talvez”, diz rindo. “Poderia até ser uma música Alceu, mas acho que não. Uma coisa é certa: haverá uma surpresa. Estamos cantando músicas diferentes em cada show e escolhemos uma música especial para cada cidade que passamos”.
 

"Bobble head"

Perry não quis dizer será a música brasileira a ser tocada no show, mas garantiu: ele vai se apresentar com o "bobble head", uma cabeça gigante de látex que vem aparecendo nas últimas apresentações e tem deixado os shows com inegável cara de baile de fantasia. Sua cabeça tinha rolado, literalmente, quando a banda encerrou uma das últimas apresentações e notou que alguém havia roubado.

“Eu não sei por que roubaram exatamente a minha cabeça”. Era a mais bonita? “Era a maior, isso com certeza”, riu. A cabeça, no entanto, já está a salvo. “Já pegamos de volta. Foi alguém que esteve no show e pegou meio por brincadeira. Vocês vão ver no Brasil”.

  • Getty

    Arcade Fire se apresenta com cabeças de látex durante show na Austrália em janeiro

Cult popular

Vencedora de Grammy [com o disco do ano de 2011 por “The Suburbs”], responsável pela trilha sonora do filme “Ela” e pela canção "Abraham's Daughter", feita especialmente para “Jogos Vorazes”, é inegável que a banda hoje goza de mais prestígio e tem o público mais amplo do que nos primeiros anos. O multi-instrumentista enfatiza que não há vislumbre de grandeza. “Nós sempre fomos uma banda cult extremamente popular”, revela. “Definitivamente, quando ganhamos o Grammy ainda tinha pessoas que não sabiam quem a gente era”.

“Não acho que houve mudança para nós. Não achamos essa questão tão significante. Aquilo [o Grammy] não foi exatamente algo que lutamos para conquistar ou tínhamos como objetivo. Acho que sentíamos uma onda antes do Grammy de uma maneira mais direta, mas não do jeito que crescer significa  para a TV ou para a indústria. Não foi uma mudança dramática, foi algo mais simbólico, ter outros olhos a sua frente, gente que nunca te viu, gente que busca novas descobertas, que nunca tiverem contato com algo experimental”.

Por mais pop que soe, o Arcade Fire mantém na bússola um único norte: a experimentação. Depois de “Funeral”, veio o obscuro “Neon Bible” (2007). “The Suburbs” (2010) veio com mais peso e agora “Reflektor” (2013) chega mais eletrônico e dançante. O poder da banda não se reduz a essas categorias. Win Butler, vocalista e principal letrista da banda, achou uma linha poética em comum em temas como apatia, falta de religiosidade e a incomunicabilidade.

“Colocamos temas em um mesmo horizonte que apontam para várias direções. Uma canção pode ser parcialmente desenvolvida como literatura, como referências, como algo pessoal, como algo imaginário e em parte poética. Acho que isso que acaba unindo os discos. Cada álbum acaba surgindo de um tema específico”, explica Perry.