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Desgaste do axé abre portas à nova música baiana que vai do rock ao arrocha

Carol Andrade

Do UOL, em Salvador

18/04/2014 16h40

A música baiana está diferente. Com um cenário múltiplo e um momento de alta produção, artistas, bandas e projetos surgem, assumindo o sotaque, a tradição e uma forte atração com o popular. É o caso do BaianaSystem, Orkestra Rumpilezz, Vivendo do Ócio, Bemba Trio, A.MA.SSA, Russo Passapusso, Márcia Castro, Maglore, Lucas Santtana, entre outros. A nova geração não se define por um estilo, nem por uma época, mas por uma nova forma de pensar e produzir música, sem esquecer as raízes da terra.   

Uma parte dessa turma se apresenta em São Paulo em mais uma Invasão Baiana nos dias 20 e 21 de abril. Isso porque já aconteceu uma Invasão Paraense, em 2012, e uma primeira versão baiana do evento, em fevereiro, em Brasília, tudo promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil. Dubstereo, Vivendo do Ócio, Maglore, Tom Zé, Marcia Castro, Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz e BaianaSystem fazem a festa no Vale do Anhagabaú. O evento é gratuito.

“Essa 'Nova Música Baiana' é tão diversa que não cabe em um estilo musical só. É uma porrada de gente que faz um som completamente diferente um do outro, mas que dialoga entre si. Esse é o nosso jeitinho apimentado de fazer música”, disse Dieguito Reis, baterista da banda de rock Vivendo do Ócio. Ele tem razão. Do rock ao pagodão, passando pelo rap, o dub e o arrocha, a nova onda musical vinda da Bahia agrega sonoridades distintas e arrasta multidões, mesmo sem espaço nas rádios ou televisão.

Lucas Santtana - Gerardo Lazzari/ Auditório Ibirapuera - Gerardo Lazzari/ Auditório Ibirapuera
Lucas Santtana apresenta o show acústico "Sem Nostalgia" (álbum), no Auditório Ibirapuera, em São Paulo (09/04/2010)
Imagem: Gerardo Lazzari/ Auditório Ibirapuera

“Nosso modelo [de negócios] é outro, não precisa estar na televisão todo dia fazendo qualquer coisa para aparecer, não precisa de milhões para fazer o business rodar, não precisa desse modelo de sucesso”, contou o músico Lucas Santtana. Ele se refere também à crise que a indústria do axé music está passando.

Na última segunda-feira (14), Durval Lelys, cantor do Asa de Águia, anunciou uma pausa da banda. Em 2013, Bell Marques, do Chiclete com Banana, já havia divulgado sua carreira solo para o desespero dos fiéis “chicleteiros”, fãs da banda. “O movimento da axé music se exauriu. Isso abriu espaço para que outras coisas surgissem. O cenário é mais dinâmico”, disse Marcia Castro.

Paralelamente, o show mais lotado do último Reveillon em Salvador, com cerca de 150 mil pessoas em frente ao palco, foi o do cantor Pablo, com o seu arrocha apaixonado. Já o trio elétrico do BaianaSystem arrastou uma multidão de público no Carnaval de 2014 e têm lotado todas as apresentações. Mas afinal, o que está mudando na música produzida na Bahia?

“O que se entende como axé não é um gênero musical, é o mercado que se fez em torno de um formato de música e de produção. A Bahia sempre produziu muito, e nesse momento as coisas começam a ser mais vistas, pelo próprio desgaste desse mercado do axé”, explicou Roberto Barreto,  integrante e fundador do BaianaSystem.

Com conceito audiovisual, a banda trabalha com projeções, arranjos eletrônicos, percussão, letras marcantes e influências fortes da música brasileira, jamaicana e africana. Eles são a cara da nova safra musical da Bahia e, depois do show em São Paulo, já têm novo destino: o New Orleans Jazz & Heritage Festival, em Nova Orleans, nos Estados Unidos. Depois é a vez da Orkestra Rumpilezz partir para ares internacionais. A banda embarca na sua segunda turnê européia em junho, passando pela Alemanha, Suíça e Holanda.

Mesmo longe de casa, afinal, alguns desses artistas já assumiram endereço em São Paulo ou Rio de Janeiro, como é o caso de Lucas Santtana, Maglore e Marcia Castro, eles ainda mantêm os laços com Salvador. As novas produções musicais têm o cuidado de dialogar com a cidade, misturando sonoridades populares. Em alguns dos hits do BaianaSystem, como na música “Terapia”, lá estão as influências do pagode baiano e do arrocha.

Outro projetos, como o A.MA.SSA trabalham novos elementos musicais também em cima do pagode. Já a Orkestra Rumpilezz, mistura o erudito e o popular, com influências africanas e muita percussão. Nessa mistura, até o rock da Vivendo do Ócio, que começou entre bebidas e amores, trouxe a Bahia como protagonista na música “Nostalgia”.

Nesse caldeirão musical, um detalhe que chama atenção é a parceria e o espírito de união entre os artistas. Eles se ajudam, são parceiros de shows, músicas e álbuns. O maestro Letieres Leite é um dos mais ativos, colaborando com diversos artistas, enquanto Russo Passapusso, vocalista do BaianaSystem, mantém projetos paralelos como o Bemba Trio e o DubStereo.

“Acho que isso é uma coisa que demorou muito pra chegar e ser entendida em Salvador, talvez pelo formato que foi criado anteriormente. Isso começa a dar resultados agora, e muitos dos artistas dessa "nova geração" colaboram e tocam juntos em muitos projetos”, disse Roberto. “Nós tivemos que inventar o nosso modelo, e isso acabou sendo muito bom para nós e para a música”, justificou Lucas Santtana e adiantou: “tenho conversado com Betinho [Roberto Barreto] para participar do próximo [trabalho] do BaianaSystem”.

Já foram os tempos das poucas novidades musicais vindas da Bahia. A nova geração de artistas, muito mais unida e parceira, se inspira nas ruas e abraça o popular com carinho. Com shows lotados e vibrantes em Salvador, além de turnês nacionais e internacionais, é possível dizer que a mudança vem chegando em bom momento.