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Nunca senti necessidade de ser "adulto", diz Dinho Ouro Preto, aos 50 anos

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

27/04/2014 08h33

Aos 50 anos, completados neste domingo, Dinho Ouro Preto não tem dor nas costas, dispensa as palmilhas ortopédicas e nem sequer apresenta qualquer sinal de queda capilar. Em invejável forma física, fruto de idas diárias à academia, o vocalista do Capital Inicial só sentiu o tempo pesar quando começou a sofrer de insônia. Para aplacá-la, conta, parou totalmente com as drogas -álcool e cigarro incluídos-, e hoje é praticamente um atleta.

Às vésperas dos ensaios para o novo EP do Capital, previsto para junho, Dinho recebeu a reportagem do UOL na porta de sua ampla casa no Jardim Paulistano, que comprou em 2002, após colher os louros do platinado "Acústico MTV". É lá, preferencialmente dentro de seu estúdio caseiro, forrado com as capas de revistas em que apareceu durante a carreira, onde se enclausura durante a semana, nos intervalos dos shows da banda.

Na conversa franca, em seu jardim, falou de tudo: rotina, família, drogas, a amizade com Renato Russo, a queda do palco em 2009 e, claro, sobre a perseguidora pecha de ser o Peter Pan do rock nacional, aquele que se recusa a crescer. "Vejo isso quase como uma espécie de patrulha."

Colecionador de tatuagens (já perdeu a conta das que fez) e camisetas de bandas (mais de 300), ele se descreve como um pai "absolutamente normal" de três filhos. E, por que não, vaidoso: recorreu à uma rápida sessão de depilação no peito antes de tirar as fotos sem camisa que ilustram a reportagem.

O peculiar vernáculo Dinho Ouro Preto também foi pauta na entrevista. Em especial, seu famoso apego ao vocativo "cara". Em 56 minutos de conversa, foram 83 "caras" contadas —uma razoável média de 1,5 por minuto; um a cada 40 segundos. Nem ele parece acreditar. "Eu vi o vídeo do Rock in Rio. Gente, que mico!", diz, espirituoso. Veja a seguir os principais trechos do papo.

Como se sente chegando aos 50 anos e ainda à frente do Capital Inicial?

Tenho a impressão de que, quando você chega num número como esse, você vê quase como questão de honra não parar. Por mais improvável que fosse, vamos envelhecer com isto aqui. Vamos dar uma de Stones, AC/DC, Aerosmith. Vamos tentar chegar aos 60 com isso. Provavelmente nossa frequência vai diminuir. Não vamos fazer tantos shows do ano e podemos eventualmente tirar anos sabáticos, para fazer projetos alternativos.

Não sinto diferença nenhuma. Corro todos os dias desde que parei de fumar, sete anos atrás. Então, não sinto nada. Eu me sinto em forma. Eu gosto dos mesmos tipos de música. Continuo gostando das mesmas "bobagens" que eu gostava quando tinha 18 anos, e até antes. Led Zeppelin, AC/DC, Kiss, Black Sabbath, Legião. Fui incorporando outras bandas que foram se formando depois, mas continuo gostando das primeiras coisas que eu ouvia quando era adolescente.

Dos livros também. Estou relendo coisas agora. Reli Bulgakov, "O Mestre e a Margarida". Peguei o "Kalki", do Gore Vidal. Estou lendo também coisas do Kurt Vonnegut, que eu gostava muito. Vários livros que li quando era adolescente. Ou seja, os anos passam, mas eu não senti o ímpeto de fazer com que minha música e minhas atitudes se tornassem, digamos, "adultas".

A que você atribui isso?

Acho que, no Brasil, cara, ao menos quem se associa a rock, em determinado momento você tem que se tornar mais sério, ou mais adulto, ou ouvir MPB. Ver coisas mais, sei lá, "cinema novo". Coisas que a "inteligência brasileira" acha mais adequado a pessoas mais maduras. E, no entanto, eu não sinto essa vontade. Os meus autores, os meus diretores e minhas músicas continuam sendo os mesmos de quando eu tinha 19 anos.

Dizem que você é o Peter Pan do rock nacional.

Acho que há nesse comentário uma pitada de crítica na medida em que agir do jeito que eu ajo é associado à uma atitude pueril. Ou ter um gosto que me faria ser talvez um homem infantilizado, ou que meu gosto seria pueril. Eu rebato isso com esse argumento que eu acabei de te dar. Eu gosto desses autores. São homens sérios, escritores sérios. Músicos sérios, diretores sérios. Vejo isso quase como uma espécie de patrulha. No Brasil há muitas patrulha de gosto.

E se eu gostar de trash cinematográfico, por exemplo, qual é o problema? Se gostar de ficção científica. Por que isso é uma coisa circunscrita à sua adolescência? Eu discordo. Outro dia alguém escreveu no meu Facebook: "O adolescente mais velho do Brasil". Eu leio aquilo e falo: "OK, cara. Mas não vou reconsiderar".

O que há de 50 anos em Dinho Ouro Preto? Você tem dor nas costas, usa palmilha ortopédica?

Nada. Aos 43 anos comecei a correr. E lá na academia estava agora a Mizuno, uma fabricante de tênis. Eles fizeram um teste em que você coloca seu pé parado e depois você corre, e o cara vê se sua pisada é correta e infere coisas a respeito da sua coluna. E o meu saiu que não piso nem para fora nem para dentro, que a minha pisada está correta.

Eu imaginei que eu fosse ficar com algum resquício do tombo que eu tomei, em 2009, porque ali eu quebrei vértebras, quebrei meu crânio. As lesões foram muito sérias. Mas, não. Não sinto dor. Eu sentia na coluna até muito pouco tempo atrás. Mas isso foi gradativamente sendo eliminado pelo meu sistema. Eu atribuo isso à academia. Eu passo uma hora e meia lá. Todo dia de manhã eu acordo, tomo café e vou. Corro durante meia hora e faço ginástica.

Você é pai de três filhos. Como é o Dinho pai que a gente não conhece?

Velho, se você não conhece, é de propósito. Acho que no Brasil as pessoas meio enlouquecem com celebridade. Elas perdem um pouco a noção do que é público e privado. E a gente sempre fez um esforço aqui dentro da nossa casa de manter a nossa privacidade, de não deixar fotografar nossos filhos e de preservá-los.

Eu tenho uma vida absolutamente normal. Vou a reuniões da escola. Dou bronca. Faço dever de casa. Troquei muita fralda. Passei a semana da páscoa no sítio com as crianças. Jogo futebol com o meu filho. Somos todos cinéfilos aqui em casa. A gente passa horas e horas vendo filmes. Minha filha mais velha está com 17, então já posso dar livros que li que acho que ela irá curtir.

Você dá conselhos sobre música, drogas e todo esse universo?

Em relação a música, eu deixo que eles escolham. Mas no meu carro só tem rock, cara. Eles sabem. E eu fico mostrando. Vou fazendo tipo o Jack Black [ator dos filme "Escola de Rock"], sacou? Mostrando as diferentes épocas, dando uma aulazinha de rock and roll. Mas, às vezes, é curioso. Agora no Lollapalooza tinha bandas que eu não conhecia. Cage the Elephant ou coisas assim, e minhas filhas vieram me mostrar. Já chegou nesse ponto.

Em relação a drogas, eu ainda não tive a conversa de abrir o jogo e falar que minha vida foi assim e que elas não devem fazer isso. O que eu falo aqui, cara, é: não bebam e não fumem. Estou tentando retardar essa conversa ao máximo. Mas eu acho que experiências são inerentes à vida. Eu não nutro a ilusão de que elas vão atravessar a vida sem experimentar.

Seu afastamento das drogas foi gradual? Como foi esse processo?

Foi gradual. Começou com cigarro. Fui parando aos poucos. Agora eu não faço nada. Nem bebo mais. Parei de beber há uns oito, nove meses. Lembro, um tempo atrás, de ver uma entrevista do Iggy Pop com ele dizendo: "Ah, os meus tempos de loucura ficaram para trás. Hoje eu só bebo dois copos de vinho". Falei: "Traidor! Como você pode falar isso, Iggy Pop, meu herói podreira do inferno!" (risos).

O que te fez parar com tudo?

Foi algo surpreendente: sono. Começou a interferir na qualidade do meu sono. Cada vez mais, fui dormindo cada vez pior. Fumo me dava paranoia, "farinha" nem se fala, mas isso já faz muitos anos. Tudo começou a interferir, cara. E o sono começou a ter um valor imenso na minha vida. Tudo que interfere nele eu fui tirando. E talvez até a ginástica esteja de certo modo ligada a isso. Você liberar endorfina, cansar meu organismo e dormir melhor.

O acidente de 2009, quando você caiu do palco em um show em Patos de Minas, te abalou psicologicamente?

Eu não me lembro do que aconteceu no hospital. Não me lembro do atendimento, nada. Se eu visse uma enfermeira ou médico eu não reconheceria. Mas eu lembro da dor física. Lembro que não conseguia andar. Mexer era um suplicio. Nunca entrei na internet para ver o tombo. E aquilo foi um acidente. Eu não tinha bebido mais do que o normal. Eu dei um passo em falso e cai para trás. A única coisa hoje é que, se tiver um palco alto, eu não chego perto da borda, fico com um puta cagaço (risos).

O que você acha dessa fama de falar muito "cara"?

Acho que eu falo quando fico nervoso. Eu vi depois o vídeo do meu discurso no Rock in Rio. Falo 43 "caras" em um minuto. Que vergonha! Gente, que mico (risos). Eu não percebi. Era nervosismo. Foi durante um discurso político, e eu queria dizer uma coisa que acho que saiu atravessada. Acabei falando de um personagem menor, que era o [deputado Natan] Donadon, que havia sido julgado pela câmara, e haviam preservado o mandato dele. Era um personagem menor da política brasileira. Não queria ter falado do sujeito.

Sentiu na hora que havia se perdido?

Eu senti que eu tropecei, sacou? E aí, pelo nervosismo, pensei: "Putz, isso começou errado. Não devia nem ter começado. Devia ter dito outra coisa". E aí o "cara" serve quase como uma muleta. Mas normalmente eu não falo assim. Sou uma pessoa mais articulada (gargalhadas).

Como surgiu o convite para o "SuperStar"?

O Boninho, que fez o primeiro clipe do Capital, me ligou uma semana antes do Carnaval. Ele já tinha me consultado para o "The Voice", mas o Lulu acabou pegando. O "SuperStar" me parece atraente. Gostei muito da liberdade de poder ser eu mesmo e da possibilidade de promover bandas novas. Desde que sou um homem feito, acho que o rock passou pela sua pior crise nos últimos dois anos. Houve um momento em que não havia mais nenhuma rádio, com exceção da Brasil 2000, aqui em São Paulo. No programa tem de tudo. Bandas de axé, forró, que, confesso pra você, não conheço muito. O que procuro fazer é aplicar o que eu gosto em rock em outros estilos também.

E como você vê sua postura como jurado?

Acabei virando a única pessoa ali que fala "não". Mas eu não quero ser o carrasco, aquele personagem do Chacrinha, que achava tudo ruim. Mas você tem que ter uma atitude ali. Se algo te incomodou, se você achou a letra ruim, por exemplo...

Você se inspira em algum jurado de outro programa?

Não. Desses programas só vi o Steven Tyler no "American Idol". E ele é muito maluco, cara! Quando o Boninho me perguntou sobre programa, eu pensei no seguinte. Em todo santo show que o Capital faz as pessoas vêm e me dão demos. Perguntam como se grava um disco, como se faz uma carreira. Então, pela primeira vez, eu posso falar: "Olha, galera, é assim que faz". Quer dizer, como se eu fosse o dono da verdade... Apenas tenho a oportunidade de dizer.

O Capital vai começar a trabalhar nesta semana em um EP de músicas inéditas. Como será o novo disco?

Este ano tem dois eventos que vão chamar a atenção de todo mundo. Então, a gente optou por um formato menor. E a gente vai ter a participação de músicos convidados pela primeira vez. A gente deve ter a participação do ConeCrewDiretoria e do Thiago Castanho, do Charlie Brown. Eu compus com o Thiago na praia, em janeiro. Fiz umas três músicas com ele. A gente vai gravar agora. Sobre o ConeCrew, fiz uma música durante as manifestações e mandei para o Papatinho ver o que faz. E ele falou "yeah" (risos). A música chama "Viva a Revolução".

Você fazia parte da turma do Renato Russo em Brasília. Qual é a lembrança mais forte dele?

Não saberia dizer. Eu tinha uma admiração muito grande por ele. Desde a primeira vez que eu o vi, quando eu tinha 16 anos. Sabe o que eu gostaria de ter dito e não disse, cara? O quanto eu gostava dele e o achava genial. Acho que a obra do Renato ainda não foi totalmente digerida. No Brasil, a reverência que há em relação a Caetano, Chico Buarque e bossa nova deveria ser a mesma em relação a ele.
Ele popularizou o rock como nunca antes no Brasil. Em todas as classes, todos os lugares. Muito mais do que, por exemplo, a Tropicália. No entanto, intelectualmente, a Tropicália parecer ser algo maior. O que, na minha opinião, é uma injustiça.

Se o Dinho de 50 anos encontrasse o de 15, que conselho daria?

Eu ouviria um conselho que o Renato me dava. "Tenha menos pressa." Acho que vários discos do Capital foram feitos de um jeito atrapalhado. Eu deveria ter pensado melhor. Houve um momento, de 86 até 89, que o Capital lançou um disco por ano. Coisa que a Legião não fez. Era para ser uma demonstração de vitalidade, de vigor criativo, mas, na verdade, era desnecessário. Isso provocou no Capital uma irregularidade de repertório, que a gente deveria ter evitado.