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Com novo disco, Jorge Drexler apoia legalização da maconha no Uruguai

Jorge Drexler lança canções mais dançantes em "Bailar En La Cueva" - Divulgação
Jorge Drexler lança canções mais dançantes em "Bailar En La Cueva" Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

03/06/2014 16h35

O desenho que ilustra o encarte do novo disco de Jorge Drexler, “Bailar En La Cueva”, revela mais sobre a nova fase do cantor e compositor uruguaio que qualquer explicação conceitual. Um casal, de mãos dadas, levanta os braços e saúda um estrobo de danceteria. “O movimento produz uma alegria muito terapêutica”, ele comenta, em entrevista ao UOL.

Nesse sentido, é uma guinada em sua carreira. Drexler foi para Colômbia buscar clima para criar canções com um único objetivo: cada uma “deveria criar movimentos nos pés para ser aceita no disco”. No ritmo da cúmbia (sem deixar o folk e a inspiração MPBística), Drexler dançou nos estúdios, e agora nos palcos, impactado também por outras experiências. Em 2012, ele estreou no cinema como ator, no filme “A Sorte em Suas Mãos”, de Daniel Burman, e investiu no aplicativo ‘N’ (2013), um disco interativo de combinação de canções - uma proposta de interação com os fãs.

“O fato de atuar expandiu meu corpo como ferramenta expressiva. Você pode ser outra pessoa quando se está no filme. Consegui força para sair desse cantar mais emocional e cerebral para um cantar mais físico. Consegui coragem, no cinema, em me transformar em outra pessoa”, revela.

"Bailer en La Cueva" é o disco mais dançante de Jorge Drexler: "As canções foram escritas com a vontade de gerar movimentos. O movimento em catarse não é só festividade. O movimento produz uma alegria muito terapêutica, mas nem sempre o ponto da partida é a alegria" - Divulgação - Divulgação
"Bailer en La Cueva" é o disco mais dançante de Jorge Drexler: "As canções foram escritas com a vontade de gerar movimentos. O movimento em catarse não é só festividade. O movimento produz uma alegria muito terapêutica, mas nem sempre o ponto da partida é a alegria"
Imagem: Divulgação

Drexler não guarda a mesma agitação quando o assunto é Copa do Mundo. Ele se diz “torcedor infiel” do clube uruguaio Peñarol e promete torcer pela Seleção de seu país, mas de casa. Com ou sem Copa, o Brasil continua em sua mente. “Agora que a gente tem falado sobre isso, quero gravar um disco inteiro no Brasil”, promete.

Embora more na Espanha, Drexler não deixa de vibrar também pela política do presidente uruguaio José Mujica.  Para ele, a questão da legalização da maconha é simples. “Não tem um país que eu visite que não tenha pessoas fumando maconha. Cada cultura tem sua própria maneira de alteração de consciência”.

UOL - "Bailar en La Cueva" tem um clima festivo. É uma reflexão através da dança?
Jorge Drexler - Exatamente. Eu acho o disco bem rítmico, mais expansivo, mas nem sempre festivo. Tem muitas canções, como “Data Data” e “Bolivia”, que não são exatamente festivas, algumas são obscuras. É uma paleta mais ampla de sentimentos, desde euforia até crítica histórica, como em "Bolivia". As canções foram escritas com a vontade de gerar movimentos. O movimento em catarse não é só festividade. O movimento produz uma alegria muito terapêutica, mas nem sempre o ponto da partida é a alegria.

Por isso você foi para Bogotá...
Exatamente. Colômbia tem uma potência rítmica muito forte. O Brasil também. É fruto de uma característica nacional. Não sei explicar isso melhor, mas todo mundo percebe. A Colômbia também tem algo proativo e generoso, que vem da recuperação da autoestima nacional. Faz três anos que não é mais um país totalmente imerso na violência e no narcotráfico.

O clima do país foi determinante?
Não só o ritmo, mas também o clima. Acho que Brasil e Colômbia são dois países sem inveja, que tem orgulho próprio, de diferentes origens, que permitem que sejam generosos e abertos. Eu poderia ter feito esse disco no Brasil. Eu procurava esse tipo de generosidade.

O Brasil, de alguma forma, está presente mais uma vez. "Universos Paralelos" parece um samba antigo e Caetano Veloso canta com você em “Bolivia”.
A Colômbia tem o clima variável, tem os Andes, cultura de montanha, neves, tem a cultura amazônica que o Brasil também tem e muitas culturas negras, do Caribe e do Pacífico. Eu gosto desse eixo: Brasil, Colômbia e Equador. Eu sou discípulo do Caetano Veloso. Ele muda o tempo todo e eu busco não ficar no conforto. Eu já gravei com toda minha geração daí. Na verdade, agora que estamos falando sobre isso, estou com vontade de fazer um disco inteiro no Brasil.

Nos últimos anos você criou um aplicativo, o ‘n’, onde questionou as limitações da música e da própria indústria, e também atuou no filme “A Sorte em Suas Mãos”. Como foi se aventurar por essas áreas e como essas experiências influenciaram esse disco?
Eu acho que esses movimentos procuram a novidade. Foram três anos de muita pesquisa dos limites da canção e da comunicação através da criatividade. Tudo isso voltou ao disco. Eu volto a especificar, eu nunca respondi essa pergunta. O fato de atuar expandiu meu corpo como ferramenta expressiva. Você pode ser outra pessoa quando se está no filme. Consegui força para sair do cantar mais emocional e cerebral para um cantar mais físico. Consegui coragem, no cinema, em me transformar em outra pessoa. Percebo isso ao vivo, são shows mais físicos. O ‘n’ era quase matemática aplicada nas canções. Eu trabalho muito de forma pendula, vou de um lado para o outro. Esse disco é feito com os pés. Cada canção deveria criar movimentos nos pés para ser aceita no disco.

Você também acompanhou as manifestações que vem acontecendo no Brasil desde a sua última passagem por aqui?
Eu cheguei a ver e gostei da ideia da cidadania, de se compreender as necessidades. E tem a ver com o Mundial, não?

Mais recentemente, sim
Eu gosto muito de futebol, é maravilhoso ter um Mundial. Mas o Brasil tem que ter prioridades muito claras. Tem muitas coisas para solucionar com dinheiro público. Aconteceu algo semelhante na Espanha. Vejo isso em vários lugares que eu viajo.

Então você não vem para a Copa?
Não, não vou conseguir. Cheguei de uma turnê de um mês e estou com vontade de ficar em casa. Mas vou acompanhar. Vou ser bem sincero com você, não sou fanático em futebol. Gosto muito da seleção uruguaia, mas não sigo nenhum time. Gosto de jogar futebol e sou um torcedor infiel do Peñarol (risos).

Tem acompanhado as mudanças de lá? Sobre a legalização da maconha?
Eu acho muito bom, muito válido, a economia e a geopolítica do Uruguai não tem peso mundial. O caminho que o Mujica escolheu foi se destacar nas liberdades individuais, ser um país do diálogo, um país progressista. O Uruguai tem hoje a melhor imagem internacional que já teve na sua história. No projeto da legalização da maconha, eu não sei se vai ser a solução, ninguém sabe. Mas tenho certeza que a questão repressiva não deu resultados. Só deu mais riqueza para o narcotráfico. Acho uma posição prática, não tem um país que eu visite que não tenha pessoas fumando maconha (risos). Acho que vai servir muito bem. Vamos olhar de frente para uma progressão que tem algo cultural. Cada região, cada cultura, tem sua própria maneira de alteração de consciência. O Cannabis já forma uma parte da cultura dos nossos países. Gosto muito do Mujica, temos um líder internacional muito bom. Essa coisa da política ser uma profissão de serviço. É quase um sacerdócio.