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"Os Reis do Iê, Iê, Iê": Os 50 anos do dia que os Beatles mudaram o cinema

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

05/07/2014 07h49

Os Beatles provavelmente nunca teriam ascendido à condição de majestades sem “Os Reis do Iê, Iê, Iê”. O primeiro filme da banda mais popular da história, que completa 50 anos de sua estreia no domingo (6), captura e amplifica um fenômeno até hoje sem precedentes na música popular: a beatlemania.

Dirigido pelo americano Richard Lester, a comédia, tipicamente inglesa, fez mais do que levar aos cinemas a febre por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. O longa inaugurou um filão, que seria explorado exaustivamente no futuro, o do filme como peça musical publicitária, um espécie de grande e pré-videoclipe –que à época nem sequer existia.

Filmada nos Estados Unidos, a história é um falso documentário –o chamado “mockumentary”– em que os integrantes interpretam a si mesmos, sob a proposta de mostrar ao mundo as loucuras de um dia na vida de um beatle.

Entre números musicais marcantes, editados para conferir ritmo à veloz narrativa, há cenas de um universo que parece sempre à beira de um colapso. Os fãs perseguidores histéricos, os produtores musicais neuróticos e uma imprensa ávida por qualquer nota criaram um universo hoje mítico no rock. Nunca a intimidade de uma banda ou qualquer outro artista havia sido exposta de tal forma, com uma irresistível lupa.

Apesar de hoje ser mais lembrado pelas cenas de correrias e pelas músicas, o roteiro, escrito por Alun Owen, é o que traz a sacada para “Os Reis do Iê, Iê, Iê”. Nascido no País de Gales mas criado em Liverpool, o roteirista, que fez sucesso primeiro na TV, passou dias em laboratório com os integrantes. Acompanhou de perto uma rotina “de um trem para um quarto de hotel, e depois para um carro e depois para um quarto e um quarto e outro quarto”, na descrição dos próprios Beatles.

A partir dessa ideia, incluída na fala do impagável avô de Paul (o ator Wilfrid Brambell), o diretor desenvolveu o conceito de músicos reféns do próprio sucesso. Que transformam cada passeio em uma tentativa frustrada de fugir da fama. Uma prisão psicológica que encontra antídoto apenas na fina ironia destilada pelos integrantes, humor que Owen conheceu muito bem.

Some-se ao roteiro, que concorreu ao Oscar, a boa escolha do elenco, uma bela fotografia em preto e branco e passagens que tangenciam o surrealismo e a caricatura –completamente intencionais.

Sucesso de bilheteria no mundo, o filme foi divisor de águas para todos. George Harrison, por exemplo, conheceu nas gravações sua futura esposa, Pattie Boyd, aquela que seria “roubada” pelo amigo Eric Clapton. E as mesma gravações contaram com um ilustre figurante adolescente, o futuro astro Phil Collins.

Os Beatles, já em alta, passaram a apostar no formato, reeditado com sucesso no longa “Help”. E Richard Lester, com sua edição veloz, câmera na mão e a utilização de ângulos múltiplos, ficaria marcado como o “inventor” do videoclipe.

Segundo o conceituado crítico americano Roger Ebert, o trabalho de Richard Lester –que mais tarde participaria da primeira trilogia do Superman– ultrapassa o status de clássico, ao estabelecer uma nova gramática para o cinema. “Hoje, quando assistimos à edição rápida da TV, as imagens feitas com câmeras de mão, entrevistas feitas com pessoas em movimento, pedaços intercortados de diálogo, música tocada em documentário, e a todas as outras marcas do estilo moderno, estamos olhando para os ‘Os Reis do Iê, Iê, Iê’", escreveu.