Com confiança de banda adulta, Arctic Monkeys faz show pragmático em SP
O Arctic Monkeys pode se gabar de ser uma das bandas de rock mais bem sucedidas da atualidade. O último disco, "AM" (2013), venceu a resistência recente do mercado norte-americano para grupos de guitarra com sotaque britânico --o álbum alcançou o sexto lugar da parada nos Estados Unidos. E essa popularidade se estende hoje ao Brasil: a banda reconhecidamente tem no país, mais especialmente em São Paulo, um de seus públicos mais dedicados.
A consolidação do quarteto formado em Sheffield, ao norte de Londres, está relacionada a um notável processo evolutivo, técnico e estético, ocorrido em um período de oito anos. Com cinco discos no currículo, o grupo definitivamente se encontra quilômetros à frente daquele que conquistou o cenário indie com uma atitude insolente e as guitarras ansiosas da estreia, o já clássico "Whatever People Say I Am, That's What I'm Not" (2006).
Esta noite de sexta-feira (14) marcou a terceira visita e o quinto show da banda no Brasil (que veio previamente em 2007 e 2012, quando participou do Tim Festival e do Lollapalooza, respectivamente). De lá para cá, a atitude ao vivo pouco mudou. O Arctic Monkeys nunca foi lá muito energético em cima do palco, e os anos de estrada não tornaram o grupo mais ativo diante de multidões cada vez mais numerosas. A velocidade e a sujeira também foram ficando para trás, salvos raros momentos em que resgata-se faixas dos dois primeiros discos, lançadas quando o vocalista/guitarrista Alex Turner e seus companheiros não tinham mais do que 22 anos de idade.
Com seus quatro integrantes agora beirando os 30 anos, o Arctic Monkeys é certeiro no coração do público jovem, mas se porta como uma banda adulta, sóbria, segura e eficiente. Não há espaço para piadas ou firulas, e salvo algumas partes estendidas, as músicas são reproduzidas com perfeição em relação às versões originais. Talvez para garantir a precisão sonora --e fazer justiça aos tantos anos em atividade (a banda começou em 2002)--, eles prefiram conduzir um repertório mais morno, com o ritmo moderado dando a tônica. É quase como se esse Arctic Monkeys fosse outra banda, se comparada àqueles moleques descabelados e cheios de energia de menos de uma década atrás.
Sem conversas
O quarteto subiu no palco da Arena Anhembi, em São Paulo, com cinco minutos de atraso, às 23h05, sob chuva fina e, como de praxe, sem conversas com a plateia. Com uma guitarra de 12 cordas, Alex Turner deu início ao riff arrastado de "Do I Wanna Know?", primeira faixa de "AM". O andamento arrastado e um clima de cabaré foram mantidos em "Snap Out of It" e "Arabella", na qual Turner largou a guitarra, segurou o microfone com as duas mãos, fez poses provocantes e requebrou os quadris. Na sequência, já com a chuva mais incômoda, a explosiva "Brianstorm", de "Favourite Worst Nightmare" (2007), pôs fogo na plateia molhada.
O andamento caiu novamente com "Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair" e sua ambientação hipnotizante, muito adequada ao palco enfumaçado. O público formado por garotos e garotas quase que na mesma proporção foi convidado a sambar no molhado com o riff discotecado de "Dancing Shoes", também do primeiro álbum, em que ficou evidente como a voz de Turner já não é mais a mesma de 2006. Foi seguida de uma versão robusta de "Teddy Picker", do segundo disco, uma das raras faixas realmente velozes da noite, emendada com "Crying Lightning", de "Humbug" (2009).
Apagados em cantos opostos, o baixista Nick O'Malley e o guitarrista Jamie Cook colaboravam pouco no quesito agitação --o segundo ainda chegava a se arriscar em coreografias discretas e solitárias. O show à parte fica por conta do baterista Matt Helders, que, além de cuidar dos raros backing vocals, é o responsável pela pulsação intricada que torna a música do AM tão agressiva e envolvente. Usando camiseta e jeans, ele era o único do grupo a não exibir um figurino elaborado.
Turner, por sua vez, aproveitou a figura esguia e o traje alinhado (jaqueta de couro, camisa e sapatos de bico fino) para dominar a apresentação com o ar confiante de quem está no topo de seu jogo criativo. Evocando um incontido poder de sedução, rebolou sozinho e fez ecoar o alcance grave da voz mais madura em faixas com mais espaços vazios, como na balada "No. 1 Party Anthem", na qual tocou violão, e na sexualizada "Knee Socks", cujo movimento de suas mãos na guitarra até poderia até ser interpretado como uma masturbação simulada.
Na pesada "My Propeller" (de "Humbug"), o vocalista evocou um crooner sedutor, com um sorriso provocante que chegava a lembrar o de seu guru Josh Homme, líder do Queens of the Stone Age. Ver Turner cantando tão languidamente dá poucas pistas do quanto ele já desafinou e chafurdou na sujeira indie nos primórdios da banda.
Show pragmático
O show de São Paulo permaneceu morno, com pouquíssimas interações entre a banda e a platéia, mas o ritmo voltou a acelerar na segunda metade, coincidindo com o sumiço da chuva fina. "All My Own Stunts" foi uma das duas lembranças do disco de 2011, "Suck it and See" (a outra veio mais tarde, a pesada e estridente "Library Pictures", tocada com um quê de energia punk).
Os fãs da fase mais jovem do AM foram presenteados com a obrigatória "I Bet You Look Good on the Dancefloor", tocada de modo quase displicente. Após o hino baladeiro "Why'd You Only Call Me When You're High?", a programação normal foi encerrada com duas faixas de "Favourite...": a pegajosa "Fluorescent Adolescent" e a eterna favorita dos fãs "505".
A temperatura voltou a subir no bis, mas nem a aproximação do final fez o Arctic Monkeys sair da marcha lenta. Para manter ressoando o clima cool e etéreo de "AM", tocaram mais uma trinca do disco mais recente: "One for the Road", "I Wanna Be Yours" e "R U Mine?". Antes dessa, Turner deu uma colher de chá acústica aos tímidos pedidos do público por "Mardy Bum", hit perdido do primeiro disco.
No conjunto da obra, o Arctic Monkeys faz um show de alto nível. Mas após 21 músicas e 1 hora e 25 minutos, o encerramento sóbrio e sem sorrisos deixa a impressão de uma banda excessivamente pragmática e profissional --tanto que parece nem mais conseguir se emocionar. O que faz pensar que na próxima visita ao Brasil, quando seus integrantes já estiverem há alguns anos na casa dos 30, o Arctic Monkeys estará se levando ainda mais a sério. Aqueles tempos divertidos de adolescentes fluorescentes definitivamente ficaram para trás.
***
O Arctic Monkeys se apresenta no sábado (15), na HSBC Arena, no Rio de Janeiro. Lá, a banda encerra a turnê mundial do disco "AM", que começou em maio do ano passado.
Veja as músicas que o Arctic Monkeys tocou em São Paulo:
"Do I Wanna Know“"
"Snap Out of It"
"Arabella"
"Brianstorm"
"Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair"
"Dancing Shoes"
"Teddy Picker"
"Crying Lightning"
"No. 1 Party Anthem"
"Knee Socks"
"My Propeller"
"All My Own Stunts"
"I Bet You Look Good on the Dancefloor"
"Library Pictures"
"Why'd You Only Call Me When You're High?"
"Fluorescent Adolescent"
"505"
bis
"One For the Road"
"I Wanna Be Yours"
"Mardy Bum" (trecho)
"R U Mine?"
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