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Enterro de José Rico reúne multidão e causa tumulto em Americana (SP)

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

04/03/2015 10h51Atualizada em 04/03/2015 16h57

O enterro do sertanejo José Rico, realizado em Americana, interior de São Paulo, na manhã desta quarta-feira (4), foi marcado por tumulto e homenagens dos fãs. Cerca de 7.000 pessoas acompanharam a cerimônia no Cemitério da Saudade.

De acordo com a Guarda Municipal de Americana, durante o enterro, pessoas subiam nos jazigos para conseguir uma visão melhor do túmulo de José Rico. Isso fez com que as tampas de algumas sepulturas se quebrassem e pelo menos quatro pessoas caíssem dentro de túmulos. Elas tiveram apenas ferimentos superficiais.

Ao UOL, uma dessas pessoas, que se identificou apenas como Fernanda, disse que saiu de Nova Odessa (a 126 km de São Paulo) para acompanhar o sepultamento do cantor, de quem é fã. “Eu estava com mais duas amigas em cima de um túmulo quando caiu tudo. Mas só eu cai dentro”, conta ela. “Mas não importa, quero ficar e prestar minha homenagem”, disse.

Procurada, a administração do cemitério confirmou que houve acidentes desse tipo, mas informou que não contabilizou, até a conclusão da reportagem, o total de vítimas. Segundo a prefeitura da cidade, dois túmulos foram danificados.

Homenagens

Antes do enterro, o corpo foi levado em cortejo por um caminhão do Corpo de Bombeiros. Pelas ruas de Americana, uma multidão de fãs acompanhava o trajeto e cantava, ininterruptamente, os sucessos da dupla. “É a nossa maneira de saudar um dos nossos grandes ídolos”, disse, no intervalo de uma das canções, o prestador de serviços gerais Vladimir Stocco Santos, 43 anos.

Momentos antes do sepultamento, que ocorreu por volta das 11h20, um caminhão de som parou na rua ao lado do cemitério, e a cantoria que era realizada pelos presentes passou, então, a ser comandada pelo carro de som, que entoou o maior sucesso da dupla, "Estrada da Vida".

A despedida teve a presença de famosos, especialmente do meio sertanejo. Leonardo, César Menotti, Dalvan, Chitãozinho e Léo, que faz dupla com Victor, foram alguns dos que passaram pela Câmara dos Vereadores de Americana, onde o corpo foi velado. Na manhã desta quarta, o apresentador Ratinho e seu assistente de palco Marquito também foram ao local, mas saíram sem falar com a imprensa, sob forte esquema de segurança.

Além de fãs e artistas, o parceiro de dupla, Milionário, e a viúva, Berenice Martins Alves dos Santos, também estiveram no local. Emocionado, Milionário não falou com a imprensa, mas declarou que vai sentir a morte do companheiro. "Era um irmão. A separação, dessa vez, foi inevitável e terrível”, disse ele. A viúva não falou com os jornalistas.

Mais de 15 mil pessoas compareceram ao velório e o cortejo até o cemitério, onde a cerimônia teve início por volta das 9h30.

Compromissos

O músico José "Rico" Alves dos Santos, voz principal da dupla Milionário e José Rico, morreu nesta terça-feira, aos 68 anos, no Hospital da Unimed de Americana.  De acordo com um comunicado divulgado pela assessoria de imprensa, a morte ocorreu às 14h18 por infarto do miocárdio. O cantor de sucessos como "Estrada da Vida" havia sido internado no local pela manhã, com problemas no coração, rins e joelho.

De acordo com André Renato Martins, responsável pela carreira da dupla, há pelo menos uma centena de shows vendidos, e os contratos serão cumpridos. "Infelizmente perdemos essa voz maravilhosa, que é a primeira da dupla, mas vamos cumprir a agenda de shows. Não sabemos ainda como vamos fazer, nem é hora de pensar nisso, mas iremos honrar os compromissos", disse.

Ainda segundo Martins, a morte de José Rico deixa "uma infinidade" de projetos inacabados. "Saí de uma reunião na quarta-feira passada, no Rio de Janeiro, com a gravadora. Íamos fazer um álbum com orquestra sinfônica, lindo. Foi uma surpresa muito grande, ficou muita coisa interrompida. Ele era como minha família, nem sei o que dizer nesse momento", disse.

Biografia

Nascido em São José do Belmonte (PE) e criado na cidade de Terra Rica, Paraná, o cantor adotou o nome artístico de José Rico em referência à cidade. Participou de outras duplas até mudar-se para a capital paulista, em 1968, onde conheceu Romeu Januário de Matos, o Milionário, no hotel em que estavam hospedados. 

Depois do início em São Paulo, a dupla mudou-se para Londrina (PR). Lá começaram a cantar em um estúdio de gravação de jingles comerciais. Foram apresentados à gravadora Chantecler em 1973, pelo compositor Prado Júnior, que também trabalhava na produção de jingles. Em 1982, a dupla alcançou grande sucesso com "Tribunal do Amor".

Entre os sucessos de Milionário e José Rico estão músicas como "Jogo de Amor", "De Longe Também se Ama", "O Tropeiro", "Amor Dividido" e especialmente a canção rancheira "Estrada da Vida", que vendeu mais de 2 milhões de cópias e deu origem ao roteiro do filme homônimo, dirigido por Nelson Pereira dos Santos e lançado em 1980.

Apesar de não estarem mais no "mainstream" da atual música sertaneja, a dupla Milionário e José Rico continuava fazendo sucesso com shows pelo interior do país, em festas de peão e em lugares improváveis, como um restaurante em São Bernardo do Campo, onde a reportagem do UOL acompanhou um show da dupla em 2013.

"A gente folga janeiro e fevereiro, depois do Carnaval começa. De 15 a 20 shows por mês. Só em Franca a gente já cantou 203 vezes, e vamos voltar agora de novo. Estivemos sábado em Paranavaí, com chuva e tudo, deu 15 mil pagantes", contou na época José Rico.

Naquele dia, a histeria dos fãs, de todas as faixas etárias, quase atrasou o show. Mas José Rico era o retrato da simpatia. Chegou de óculos escuros, o bigode (sua marca registrada que, segundo ele, era inspirado no visual de Raul Seixas), bota de pele de arraia, cheio de anéis nos dedos, colares no pescoço, camisa aberta até a altura da barriga e a unha do dedo mindinho sempre grande e pintada de vermelho.

Ao tentar explicar a longevidade da dupla em seus então 43 anos de carreira, José Rico filosofou: "O segredo do sucesso é simplicidade e humildade. A música também, claro. Mas a maneira como a gente conduz é diferente de muitos outros. Porque fazer sucesso é fácil. Difícil é manter. O cara faz um sucesso e já quer ser dono do mundo. Isso tudo é frescura. A arte não gosta disso. A arte e o artista têm uma diferença muito grande. O artista passa, e a arte fica. Aqui no Brasil, pelo menos, é assim."