Rodrigo Silveira
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Jan Fjeld
Donos de uma batida funkeada e psicodélica, de uma ironia politicamente incorreta e da atitude paz, amor e alegria, os Jungle Brothers com o seu trabalho de estréia, "Straight out the Jungle", de 1988, provocaram uma revolução no mundo hip hop - gênero pós-moderno por excelência. A banda recontextualizava a música alheia por meio de samples e de colagens -
fundamentos do rap e hip hop- além do uso de scratches.
Na época, o uso de samples de outros artistas era mais liberal do que hoje; ou melhor, as vendas eram menores nos anos 80 e, por conseguinte, os valores a serem cobrados pelos direitos autorais, menores. Além do mais, a maioria dos casos de uso eram praticamente ignorados. "Straight out the Jungle", cheio de samples de gente grande como Prince, passou despercebido e até agora não sofreu nenhum
processo.
Eles são os pioneiros do jazz rap e do rap
afrocêntrico, e tratam de temas culturais, históricos e da diáspora da África de uma forma bem humorada. Os Jungle Brothers ampliaram as bases de samples utilizadas até então no hip hop para além do mundo do funk, soul e rock, e incluíram gêneros como o jazz e a
"exotica". Com isso, abriram espaço para grupos como
De La Soul, A
Tribe Called Quest, Arrested Development e mais tarde Digable Planets, que acabaram alcançando mais sucesso comercial que os próprios irmãos da selva.
Menos pretensiosos que seus colegas de classe, os Jungle Brothers tiraram a máscara do machismo do rap e trouxeram humor (não negro) para um gênero dominado no período por agressões verbais e politizadas da Boogie Down Productions (foi lançado no mesmo ano, 1988, o clássico álbum "By All Means Necessary"), pelo machismo hedonista e violento de
Niggaz With Attitude, ou ainda pelo ataque de um Public Enemy recheado de riffs de guitarra de Anthrax, baixos do Funkadelic e pedaços vocais de Sly Stone.
Antes dos Jungle Brothers, o hip hop era dominado pelo hardcore e pela old school. A maioria das bases eram loops e samples de funk, especialmente James Brown. Todos os rappers tinham em comum também a pose de malvado. Os três irmãos da selva apareceram na capa do disco em uma ilustração que os mostrava saindo da selva, cercados por macacos e elefantes. Na contracapa, fotos mostravam os três vestidos em estilo safári, no meio do Central Park, em Nova York, sem nenhuma arma à vista.
A novidade de "Straight Out the Jungle" era também o sample do trumpete de John Coltrane, a cozinha do The Last Poets e as vozes de Gil Scott Heron e Smokey Robinson, além de outros samples mais exóticos, como sons de gritos de macacos. O disco trouxe algo mais colorido e mais alegre para o mundo hip hop, muito além da cara de mau e dos raps politizados.
Nos raps dos Jungle Brothers, o enfoque não era o discurso politizado e histórias violentas. O forte em "Straight out the Jungle" é a sutil ironia, que tira onda do preconceito e da baixa auto estima do negro, do negro machão e do negro bem dotado. Há uma faixa inteira dedicada ao melhor amigo do homem, o "
JimBrowski" (nome carinhoso para o pinto). A faixa de abertura que dá nome ao disco "Straight Out the Jungle" começa com a frase: "estamos chegando pra vocês, ao vivo, direto da África". Já o momento "amor", na faixa "Behind the Bush" ("behind the bush there's only room for two"), um par romântico se esconde atrás da moita para ver a "natureza" subir.
Os três integrantes, Mike G, Afrika "Baby Bam" Bambaataa e Sammy G, todos de Nova York, eram fissurados em James Brown. E tinham um aliado poderoso: o tio de Mike G era o famoso DJ Red Alert, que comandava um dos primeiros programas de rádio dedicado ao gênero, na KISS FM em Nova York, e que deu uma força no lançamento de "Straight out the Jungle".
Mesmo assim, os irmãos da selva nunca chegaram ao sucesso merecido no mercado pop ou mesmo com os fãs de rap. Eles caíram no esquecimento, salvo um ou outro sagaz DJ que utiliza algumas das produções da banda que beiram o house, na época, chamado de hip house. A explicação dessa queda talvez seja justamente essa: os flertes explícitos e
bem sucedidos com a pista, através das incursões em house music -na época saindo do underground de Chicago- não foi visto com bons olhos pela comunidade hip hop.
O cenário do rap em 1988 era de provocação e desordem e talvez por isto trouxe uma das melhores safras de lançamentos. Junto com os Jungle Brothers, também se dastacam Erik B & Rakim, que lançaram seu segundo trabalho, o intenso "Follow the Leader".
Slick Rick soltou o hoje clássico "The Great Adventures of Slick Rick", com a controvertida e misógina faixa "Treat her like a Prostitute" e outras como "Children's Story" e "Hey Young World", em que relata a vida num submundo sem saída e os seus sucessos com as mulheres.
Mesmo com tantos lançamentos de peso, os Jungle Brothers trouxeram uma coleção de samples e loops que soavam diferentes, menos pesados, mais dançantes e menos agressivos. A colagem dos samples e dos loops é tosca. Os cortes são bastante abruptos, o uso de um trecho de "Controversy" de Prince é charmoso, mas parece um erro. Em outra faixa, o vocal de Smokey Robinson soa como se o corte fosse feito num toca-fita cassete e na maioria das faixas pode-se ouvir o chiado da agulha num vinil cheio de poeira.
Recentemente relançado em formato CD, "Straight out the Jungle" conta com as 11 faixas originais e duas extras: a absurda "I'll House You", em que os três rappeiam em cima de uma base de sucesso nas pistas da época, a produção belga "Pump up the Jam" do Technotronic, remixado pelo então totalmente desconhecido
DJ Todd Terry; e a curiosa "The Promo", em que os scratches fazem a melodia.
Através do pequeno furor que "Straight out the Jungle" fez no meio hip hop e das suas conexões poderosas, o trio fechou um contrato com a Warner e lançou dois álbuns, "Done by the force of Nature" (1989) e "J Beez with the Remedy" (1993). Mudaram de gravadora em 1997 e lançaram "Raw Delux" pela Gee Street, que apesar da sofisticada produção e ótimos raps, soa datado. Em 2000, sem o DJ Sammy G, o duo lançou o "V.I.P." sem causar nenhum impacto, desta vez pela V2, nova gravadora de Richard Branson. No final do mesmo ano saiu ainda "Junglenium Remixes", que vale o investimento: é antológico e bem animado.
Ouça Jungle Brothers, De La Soul e A Tribe Called Quest na Rádio UOL:
>> Jungle Brothers - "
You Want It Back"
>> Jungle Brothers - "
V.I.P."
>> De La Soul - "
De La Soul is Dead"
>> A Tribe Called Quest - "
The Anthology"