Rodrigo Silveira
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Jan Fjeld
Acaba de sair no Brasil a segunda parte da trilogia "Art Official Intelligence" ("inteligência oficial da arte", ou simplesmente "AOI"), iniciada pelo trio de rap De La Soul em 2000, com o disco "AOI: Mosaic Thump". Este segundo volume, "AOI: Bionix", é, como reza o coro feminino na introdução, "melhor, mais forte e mais veloz" do que o primeiro. E é melhor também do que qualquer coisa que o grupo de Long Island, Nova York, tenha feito até agora.
"AOI: Bionix", lançado nos EUA em 2001, aprimora a fórmula do pioneiro da série, com sua impressionante coleção de samples e participações especiais. O disco é mais hip hop soul e menos rap do que o primeiro, e traz a peculiar mistura de melodias contagiosas, o bel canto do rhythm and blues da velha guarda e uma série de referências e homenagens ao mundo hip hop. Tudo embalado no bom rap, boas batidas e ironia tradicional do trio.
Os dois volumes revisitam a história do rap e do hip hop. A terceira e conclusiva parte da trilogia está prometida para o final deste ano.
No primeiro "AOI", o trio apresentava 17, com participações especiais de Redman, Busta Rhymes, os Beastie Boys Mike D e Ad Rock, além de uma lista de samples que mais parece um "quem é quem" no hip hop.
A lista traz EPMD, Stetsasonic e Pete Rock, além de samples da matéria prima do hip hop, como Marvin Gaye, James Brown e Chic. E tem mais, "AOI: Mosaic Thump" tem samples das próprias produções anteriores do De La Soul e uma inusitada releitura de um forró pé-de-serra de Odair Cabeça de Poeta e grupo Capote -na música "A Dor é Curta e o Nome Comprido" de Tom Zé e Odair.
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Os destaques do primeiro volume ficam por conta da faixa com os Beasties Boys, "Squat", e "All Good", com a diva Chaka Khan nos vocais. Na primeira, paira o contraste entre os berros dos Beasties com o suave baixo do De La Soul. "All Good" é um mid tempo funk com linha de baixo fornecido por um dos mais utilizados baixistas de estúdio,
Pino Palladino.
A idéia do trio de Long Island, que entrou na historia do rap em 1989 com o pioneiro
"Three Feet High and Rising", é lançar três discos em três anos, o que não é necessariamente algo especial. A construção do "AOI: Bionix" é parecida com a do clássico disco de 89, com pequenos interlúdios, raps que contam histórias e brincam com batidas atraentes e arranjos vocais de primeira. Só que hoje, talvez em função da melhoria na tecnologia, de uma experiência acumulada ou o pela simples curtição, tudo soa melhor. Agora, os raps de Posdnous e Mase e as produções de Dave são mais maduras. Brincam menos e questionam mais.
A música "Baby Phat" é uma homenagem à mulher negra rechonchuda, que foge do padrão Naomi Campbell. O galã convida a moça para sair e abre o encontro romântico cumprimentando-a pelo seu tamanho. Na hora do jantar, o galã avisa à moça que pode pular a salada e que é pra comer a caixa inteira do chocolate que ele enviou à ela. Fala da mulher negra em todas as suas figuras e formas, brinca com "Nasty" de Janet Jackson, sobre uma base feita em volta de trechos da clássica música "Fat Boys" dos
Fat Boys. São três minutos e meio de puro pop.
Também bem pop, embora mais para rhythm'n'blues, é "Held Down", com uma impressionante participação do vocalista
Cee Lo, ex-Goodie Mob, e um grande coro gospel. Cee Lo, também conhecido pelas suas colaborações com Lauryn Hill, mostra todo o seu poder vocal junto com o trio.
Vale mencionar também a faixa "Simply", que utiliza uma bela e curiosa frase de "Wonderful Christmas Time" de Paul McCartney com os Wings para criar um ritmo simpático. A faixa "What We Do (For Love)" conta com a participação de
Slick Rick, em que ele faz uma paródia de si mesmo, do gangsta "fodão", "comedor" de mulheres.
A música que encerra o disco, "Trying People", é uma obra prima de hip hop soul, cuja introdução aparece várias vezes durante o álbum. Logo na abertura do álbum ouvimos um coro que pergunta: "Pessoal, vocês estão preparados?" No início parece que se refere ao álbum em si, mas ouvindo a música fica claro: o rap é uma confissão de uma pessoa que pára pra pensar sobre a vida. Ele questiona o mundo do rap, a relação com as mulheres e pergunta aos seus filhos se eles estão realmente preparados para a vida.
Ele avisa que para viver a vida é necessário ganhar a vida (in order to live life / you must earn one), e, em uma alusão à morte do gangsta rap, pergunta: "vocês estão preparados para trocar o ódio pelo amor"?
Um coro de crianças responde à pergunta, meio em estilo de igreja: "sim, estamos".
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