Rodrigo Silveira
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Jan Fjeld
Embora o nome seja muito apropriado, The Cinematic Orchestra não é uma orquestra
propriamente dita. O grupo inglês não faz nenhuma revolução sonora, mas apresenta, sutilmente, uma nova forma de ouvir música -que pode até ser considerada eletrônica mas está longe das definições mais comuns do gênero. Já está na hora de falar da "música pós-eletrônica".
O grupo inglês The Cinematic Orchestra traz complexas construções de sons e batidas que se encontram em algum lugar entre Herbie Hancock, Ennio Morricone,
Jungle Brothers e DJ Shadow. Como difiniu a revista de música norte-americana Mojo: "é um projeto extraordinário e totalmente fora do comum".
Diferentemente da maior parte da música que se faz na cena eletrônica e pop, em que músicos tocam instrumentos no sentido tradicional, fazendo as melodias em cima de uma base feita de camadas de teclados e batidas eletrônicas pré-gravadas, The Cinematic Orchestra rompe a ordem, e traz intenções e inflexões jazzísticas, além de uma animação rítmica bastante funkeada.
A música requer atenção. Suas abundantes ondas sonoras vão além de apenas estender os limites entre gêneros e formas de fazer música. The Cinematic Orchestra faz composições carregadas e sensíveis, ricas em texturas e batidas hipnóticas -sempre downbeat.
Seja tocando seus instrumentos ao vivo, como uma banda tradicional, seja através de overdubs e interferências de seus instrumentos sobre loops, bases gravadas e camadas de teclados pré-programados, os integrantes do The Cinematic Orchestra gravam suas performances para utilizar sua própria gravação como fonte para os samples utilizados e retrabalhados no disco.
É uma releitura e uma remixagem de sua própria obra. Como a revolução musical do rap e do hip hop, o som de TCO é pós-moderno, é pós-produção e é pós-eletrônica.
Neste limbo entre o acústico e o eletrônico, a TCO acaba de colocar o seu terceiro álbum no mercado, "Everyday" (
NinjaTune, 2002 - sem distribuidor no Brasil) em que amplia e estende o trabalho que começou com "Motion" (Ninjatune), seu primeiro disco, de 1998. O seu segundo álbum, "Remixes 1998-2000" é, como indica o título, de remixes e versões do primeiro.
"Everyday" traz sete faixas, quatro com quase dez minutos de duração, com ondas sonoras mais extensas que a dos álbuns anteriores.
Com samples das trilhas de compositores como Ennio Morricone e uma variedade de samples de jazz dos anos 60 e 70, misturados com instrumentação "ao vivo" e samples de si próprios, o álbum põe em questão a diferença entre o sample e uma composição "original".
É eletrônico, é acústico, é simplesmente jazz ou é outra coisa?
Em "Everyday", ouve-se um pouco de tudo, mas é difícil identificar o que é sampleado, o que é tocado e o que é a base eletrônica. Há jazz, mas há também funk, soul e outras coisas mais. Tudo que é tocado e gravado é re-trabalhado.
Jason Swinscoe, o idealizador do grupo, pesquisou samples, apresentou-os para os músicos que aprenderam a interpretá-los, e em outros momentos a improvisar sobre eles, para depois juntá-los com camadas de teclados e reeditar tudo para formar construções sonoras que assumem uma forma - uniforme, sem marcas de edição - épica e, porque não, cinematográfica.
Na faixa que abre o álbum, "All That You Give" a diva Fontella Bass fornece o vocal para um fundo de cordas que lembram que o grupo é uma "Orchestra", ainda que não convencional.
A "cozinha" é formada por baixo e bateria "de verdade", loopados por quase sete minutos. Já na segunda faixa, o baixo acústico -também loopado ad infinitum (nove minutos com fade out)- é gravado em um estúdio e o resto da instrumentação em outro. Nesta faixa, o solo de piano elétrico remete a Booker T. and the MGs, acompanhado por um estranho ruído grave que soa como um trombone amplificado.
Fontella Bass volta na música "Evolution", uma paisagem sonora funkeada, em que ela lamenta os rumos da evolução, com solo de scratches.
Outra participação especialíssima fica por conta do rapper
Roots Manuva, que declama uma letra quase auto biográfica na épica "All Things to All Men", soando como um padre pentecostal.
"Everyday", como os álbuns anteriores, traz novas descobertas sonoras a cada audição. É agradável e cativante, apesar de não ser de fácil audição. É pós-eletrônica.
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site oficial de The Cinematic Orchestra