Topo

Com 43 anos de carreira, Milionário e José Rico dizem que sertanejo universitário ainda precisa se formar

15.mar.2013 - A dupla sertaneja Milionário e José Rico posa com fãs durante show em São Bernardo do Campo - Leandro Moraes/UOL
15.mar.2013 - A dupla sertaneja Milionário e José Rico posa com fãs durante show em São Bernardo do Campo Imagem: Leandro Moraes/UOL

James Cimino

Do UOL, em São Bernardo do Campo (SP)

19/03/2013 06h20

"Eles estão chegando." Gritaria, tumulto, confusão na entrada do camarim do restaurante São Francisco em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, onde dois famosos artistas da música sertaneja vão se apresentar. Não se trata de Luan Santana nem de Gusttavo Lima nem de Munhoz e Mariano, a dupla do sucesso "Camaro Amarelo". De óculos escuros, bigode e bota de pele de arraia, sorridente, cheio de anéis nos dedos, colares no pescoço e camisa aberta até a altura da barriga, surge José Rico, 66. Logo atrás, de chapéu de boiadeiro, botas de cobra píton azuis, anéis, vem seu companheiro de 43 anos de carreira, Milionário, 73.

Leandro Moraes/UOL
Eles vivem na sombra de muito artista aí. Então você vai perguntar pra eles o que é uma cerca de arame, o que é um carro de boi, um arado, eles não sabem nada disso.

Milionário, sobre o sertanejo universitário

Os seguranças da dupla sertaneja que se eternizou com sucessos como "Estrada da Vida", "Sonhei com Você", "Sonho de um Caminhoneiro" e "Viva a Vida" tentam manter a ordem. Em vão. Senhoras sexagenárias, homens de meia idade, jovens na casa dos 20 e 30 anos munidos de câmeras, tablets e discos de vinil se desesperam por um autógrafo, uma foto e um abraço. Pagaram de R$ 170 a R$ 300 para ver de perto os ídolos enquanto jantam frango a passarinho, polenta frita e esvaziam baldes e baldes de cerveja.

"A gente folga janeiro e fevereiro, depois do Carnaval começa. De 15 a 20 shows por mês. Só em Franca a gente já cantou 203 vezes, e vamos voltar agora de novo. Estivemos sábado em Paranavaí, com chuva e tudo, deu 15 mil pagantes", comenta José Rico na curta entrevista exclusiva dada ao UOL na última sexta-feira (15). O tumulto de fãs não permitia mais tempo. O dono do restaurante estava nervoso com o possível prejuízo causado pelo atraso de uma hora na apresentação. "O povo para de consumir!"

Eles tiram fotos, autografam os "bolachões" que mostram José Rico de costeletas enormes e com seus inseparáveis óculos escuros. "A minha cara era toda do Raul Seixas. A gente era muito amigo. Uma vez eu o salvei de uma surra. Ele era um coitado. Por causa das ideias dele, o povo abusava. As pessoas não entendiam sua filosofia."

E é por meio de filosofia que José Rico explica a longevidade da dupla. "O segredo do sucesso é simplicidade e humildade. A música também, claro. Mas a maneira como a gente conduz é diferente de muitos outros. Porque fazer sucesso é fácil. Difícil é manter. O cara faz um sucesso e já quer ser dono do mundo. Isso tudo é frescura. A arte não gosta disso. A arte e o artista têm uma diferença muito grande. O artista passa, e a arte fica. Aqui no Brasil, pelo menos, é assim."

Foi com esse pensamento que os dois garantiram um pé de meia. Dizem que nunca caíram nas armadilhas do vício em bebida e cigarro.  Milionário tem duas fazendas de gado. José Rico cultiva soja em um sítio. Mesmo assim, dizem que a carreira não proporcionou que se tornasse milionários.

"Eu sou o Milionário pobre e ele é o José Rico sem dinheiro. Ganhar dinheiro ganha, mas viajar com 40 pessoas comendo, bebendo e dormindo, não tem quem aguenta. Vale a pena por causa da arte. Mas o desgaste é absurdo. Importante é ter consciência que tudo acaba."

Pura modéstia, já que a voz dos "gargantas de ouro" continua a mesma. A forma física é mantida montando cavalo e jogando futebol. "A voz conserva cantando. Quanto mais canta, melhor conserva a voz", diz Milionário, palmeirense "meio a meio" que quer cantar "pelo menos mais 50 anos".

Leandro Moraes/UOL
Fazer sucesso é fácil. Difícil é manter. O cara faz um sucesso e já quer ser dono do mundo. Isso tudo é frescura. A arte não gosta disso. A arte e o artista têm uma diferença muito grande. O artista passa, e a arte fica.

José Rico, sobre a longevidade de sua carreira

Sertanejo universitário

Antes de seus shows começarem, uma gravação conta um pouco da história da dupla, como se encontraram, o sucesso estrondoso de "Estrada da Vida", que virou até filme, e a ressalva de que seu sucesso nunca foi feito à base de músicas de duplo sentido.

Questionados se isso era uma ironia com o chamado sertanejo universitário, José Rico responde que acha o estilo ótimo. “Só acho que eles têm que se formar primeiro. Agora que eles estão começando na faculdade. Têm muita coisa a aprender. Música é cultura. Se você começar com muita frescura, já não é música. E também já não é mais cultura. A gente tem que ser caprichoso."

Milionário, como segunda voz da dupla, complementa o coro: “Eu acho que os universitários entraram no sertanejo, mas não sabem o que é música sertaneja. Eles vivem na sombra de muito artista aí. Então você vai perguntar pra eles o que é uma cerca de arame, o que é um carro de boi, um arado, eles não sabem nada disso. O sertanejo tem obrigação de saber o que ele está cantando, o que ele está expressando pro fã dele.”

Mesmo assim, sabem reconhecer o valor de alguns artistas novos. “Gostamos de Victor e Léo, que são conhecidos como universitários. Mas eles cantam bonito.”

Os fãs da dupla também têm suas críticas ao novo estilo de música sertaneja. A professora de português Alexandra Nogueira de Lima Andrade, 40, diz que o sertanejo é universitário só de nome. “Eles têm que aprender a ler, escrever e expressar o que estão vivenciando.”

O comerciante Rafael Trentini Feijão, 29, que veio de Águas de Santa Bárbara (cerca de 300 km de São Paulo) com 14 pessoas só para ver a dupla, diz que a nova música sertaneja “não tem pé nem cabeça”.

E os jovens Kauê Vinícius da Silva, 27, e sua namorada Tábata Gordino, 21, dizem que sertanejo universitário é “música de baladinha”. “É só lererê, larará. E todo mundo pega todo mundo. É uma coisa passageira.”