Com disco solo, Edi Rock, dos Racionais, diz que rap evoluiu e deixou de lado a "melancolia"
“Vai buscar o seu lugar na selva de pedra”, pede o coral, logo de cara, na faixa “Selva de Pedra”, um funk pesado que abre o novo disco solo de Edi Rock lançado em junho, “Contra Nós Ninguém Será”. Com o tempo aberto para o rap, o integrante do Racionais MCs está à busca de experimentações, com uma meta certa: fazer algo melhor do rap. “Torná-la música de gente grande. O rap é da cultura, da MPB. É da rua para o mundo”, explica.
O disco levou seis anos para ser fermentado. Os versos continuam combatentes, com bases que mergulham no funk, no hip-hop e em outras sonoridades, uma lista imensa de parceiros (que vão de Marina de La Riva a Falcão, do O Rappa) e um clima otimista. O rapper, porém, rechaça qualquer mudança no seu estilo. Para ele, quem evoluiu mesmo foi o próprio gênero. “‘O hip-hop está morto’. Lembra que falavam isso? Agora evoluiu, deixou de lado um pouco a melancolia. Começou a falar de outras coisas, tipo o amor”.
O UOL conversou com Edi Rock durante a semana dos shows de lançamento que o rapper fez em São Paulo, com casa lotada, e no Rio de Janeiro, no dia 11 de julho, no Circo Voador. Se a vibe da casa estava boa na Lapa carioca, do lado de fora mais um confronto acontecia entre policias e manifestantes, com saldo de 12 pessoas detidas. A respeito dos protestos, ele avisa para aqueles que duvidaram: a periferia também estava nas ruas, embora não fosse a maioria. “Ela estava ocupada trabalhando para o país daqueles que lá estavam”, afirma.
Além do novo trabalho, Edi falou sobre Racionais (“Esse ano é para os trabalhos solos. O disco do grupo está programado começar a ser produzido em 2014”) e de sua vontade de experimentar mais, inclusive com rock, e fazer do rap "música de gente grande". “O rap é da cultura, da MPB. É da rua para o mundo”. Confira a entrevista:
Convidados de peso em “Contra Nós Ninguém Será”
Helião, em "Selva de Pedra"
DJ Cia, em "Estrela de David"
Don Pixote, em "Salve Negoo"
Ice Blue e KL Jay, em "Tá na Chuva"
Sandrão, em "Você Não Pode se Enganar"
André Atila, Thig e DJ Babão, em "Gangstar"
Flora Matos e Rael, em "Eu Canto Uq Soul"
Emicida, em "Cava Cava"
Dexter, em "Liberdade Não Tem Preço"
Ndee Naldinho, Crônica Mendes, Lakers Epá, Demis Preto e Nego Jam, em "Não Deixe a Mínima"
Marina De La Riva, em "Voltarei Para Você"
Falcão e Alexandre Carlo, em "Abrem-se os Caminhos"
Vanessa Jackson, em "Final Feliz"
Seu Jorge, em "That's My Way"
Mano Brown, em "Homem Invisível"
UOL Música: Em uma das vinhetas de seu novo disco, há um locutor que diz: “sem rótulos, sem separação musical, só existe música ruim e música boa”. E o disco, de fato, é bem diversificado. Parece que você abriu bem o leque, se aprofundando mais e mais no funk, na música latina. Como foi esse processo?
Edi Rock: Eu não tive a intenção, mas, ao mesmo tempo, no decorrer do caminho, dentro do estúdio, vão surgindo novas ideias. Como são vários produtores, eu costumo pedir as bases dos DJs e eles mandam vários experimentos, coisas diferentes. Essas misturas eu encaro como desafio, e eu gosto disso. Uma coisa que eu não fiz ainda é misturar rock com rap, com bastante guitarra, um som pesado, 'tá' ligado? Eu quero fazer uma mistura com maracatu, como Nação Zumbi faz. Eu ainda não tive a oportunidade, mas tenho essa intenção. Essas outras bases, esses outros experimentos (do disco) vieram na frente, mas eu quero fazer essa mistura, tocar com essas pessoas. Por que não colocar rap nessa mistura? Por que não ‘ousadia e alegria’, sacou? O rap pode caminhar em várias vertentes, vários cantos. No campão, no gramado, no society, gramado sintético. É isso que eu quero mostrar, que o rap não tem fronteira, não tem limite.
Como tem sido a reação dos fãs com o disco?
Nossa, das melhores, estou surpreso. A gente espera uma reação boa, mas não da forma que está sendo. Para mim, é uma realização. A gente vive o rap, respira o rap, 'tá' ligado? Eu faço com muito amor. A gente suou muito, muitas noites sem dormir em uma fase difícil para o rap. E eu me arrisquei nesse momento. Teve uma parceria, e eu não falo dos convidados. Foram parcerias de pessoas que nem do rap são. Para mim, é uma nova fase. Não só pra mim, mas como para o rap também.
Mas existem os fãs xiitas.
Quando lançamos “Vida Loka” fomos xingados para c*****.
E hoje é um clássico. Eu lembro que quando vazou as demos do Racionais, que virou o disco pirata “Tá na Chuva”, a mudança nas letras – como “Mulher Elétrica” – dividiu um pouco os fãs.
“Cadê os Racionais?”, falavam. Mas isso são músicas de trabalhos individuais. “Mulher Elétrica” não é Racionais, é um projeto que o Brown tinha. Nesses casos, tem blues, funk, influência latina, baiana, africana. No Racionais é mais rap puro, sem muita ousadia. Nesses trabalhos individuais, tem as influencias pessoais. Eu gosto mais de funk, de soul, de blues, sacou? Cada um tem uma preferência.
"(A música) é sempre um recado para os mais jovens. Um salve para eles. Pessoal de 20... essa é a idade crítica. Idade dos loucos"
Você comentou que o rap estava em uma fase ruim.
Sim, estava parado. Há 5 a 6 anos, era só funk. O rap estava se refazendo, se reestruturando, se reinventando. Aí voltou de novo. O Emicida taí. Voltou em nova forma, com uma nova geração mostrando a evolução, bem nessa época digital. O rap não estava morto, mas ele estava se reinventando para entrar em uma nova era. Você lia “o hip-hop morreu”. Você lembra disso? Eu acho que é necessário ter esse espaço, para você ter uma visão melhor das coisas, ver o que está faltando, manja?
Hoje o rap estourou. Emicida e Criolo, por exemplo, lotam shows, têm fãs gritando. Tem grupos novos de rap que estão em trilha de novela. O que mais mudou? O rap deixou de ser um gênero mal visto?
Não é mais mal visto faz tempo. Hoje o funk recebe mais preconceito que o rap. Tudo que vem da periferia, vem do maloqueiro, o pessoal fica com preconceito. O rap superou isso porque deixou de lado um pouco a melancolia. Começou a falar de outras coisas, tipo amor.
Suas letras estão mais positivas. “That’s My Way”, por exemplo, tem uma mensagem bem otimista.
Eu sempre conto minhas experiências, histórias que me tocam, histórias em comum com nossa realidade brasileira. Acho que isso nunca mudou, talvez soe assim no disco porque acrescentei outros vocais na gravação, chamei pessoas melhores para o time, como o Seu Jorge. Quero fazer algo melhor do rap, torná-la música de gente grande. O rap é da cultura, da MPB. É da rua para o mundo. Líderes e ícones da MPB, por que não fazer parceria com eles? Vai ficar melhor.
Nem nas letras?
Eu acho que continuo da mesma forma. Cada letra é um momento.
E no comportamento? É algo que foi sentido inclusive no show dos Racionais na Virada Cultural este ano. O discurso do Mano Brown, quase no fim do show, sobre a violência no evento, chamou a atenção. Muito pela expectativa inevitável do público após o caso da Virada em 2007 (quando um confronto entre parte do público e a polícia rendeu em um quebra-quebra e o fim antecipado do show).
Naquele momento, deu tudo certo. Ali tinha pessoas de todas as tribos juntas, de todas as idades, da criança ao vovô. O que pregamos para o nosso público é o que pregamos para a gente, porque nos enxergamos ali. É a segurança. A gente viu algo errado, tem que falar. Aquilo ali foi o momento certo, no lugar certo. Não tinha o que falar ali sem ser isso.
Falando em “Tá na Chuva”, que está no seu disco, rola um diálogo entre duas pessoas sobre a legitimidade de cair ou não na criminalidade.
É alguém mais velho, tipo eu, falando com os mais novos da quebrada. Os moleques têm essa empolgação: “não, tio, eu vou, é nóis, f***-se”, entendeu? É sempre um recado para os mais jovens. Um salve para eles. Pessoal de 20... essa é a idade crítica. Idade dos loucos. Vinte anos é terrível. Você não sabe nada e acha que sabe tudo.
"Quero fazer algo melhor do rap, torná-la música de gente grande"
Foi assim com você?
Lógico. Todo mundo passa por isso. Ainda mais na quebrada, onde não se tem muita coisa para fazer. É uma idade de risco. Ela está vulnerável aos erros e aos enganos, e acha que está tudo bem.
Ainda em “Tá Na Chuva”, há versos em que você canta em defesa da mudança interior do indivíduo diante da sociedade, além de citar mudanças necessárias para o Brasil. Lembrou um pouco as manifestações que ainda acontecem em todo o País. Você tem acompanhado?
Acompanhei e apoio todos. Acho legítimo.
Uma das coisas mais comentadas durante essas manifestações é de que a periferia não estava nas ruas. Era algo restrito à classe média?
Eu vi muitos. Acho que não a massa, mas tinham muitos. A periferia estava ocupada trabalhando para o país daqueles que lá estavam. Normal, os estudantes sempre são linha de frente nessas manifestações e as instituições organizadas também.
Há um bom tempo que seu disco solo foi anunciado. Teve algum motivo para essa demora?
Seis anos no total. E a demora depois do anúncio foi por conta da parte burocrática e autorizações de samples e trechos de músicas usadas nas produções
E o disco novo do Racionais?
O disco do grupo está programado para gente começar a produzir em 2014. Esse ano são para os nossos solos, o meu, o do Mano (Brown), do Ice Blue e do KL Jay.
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