Rock In Rio surgiu em 1985 entre calotes, enquetes e rejeição a Dylan
Meados de 1984. A telefonista da Rádio Fluminense FM, a Maldita, avisou que o empresário Roberto Medina estava na linha. No posto de fundador e diretor da rádio mais alternativa e irreverente daqueles tempos, mas que estava em quarto lugar no quadro geral da audiência do Rio de Janeiro, achei que poderia ser trote. Mas era mesmo o Medina. Ele queria marcar uma reunião em sua agência, a Artplan, que funcionava na Fonte da Saudade, zona sul do Rio. "Ele quer patrocinar algum horário ou programa", pensei. Dois dias depois, reuni uma equipe e partimos para o encontro.
Chegando na agência, Medina foi nos buscar na recepção. Fomos recebidos como reis, com cafezinho, biscoitinhos, sorrisos gerais. Entramos no gabinete dele e lá estavam também Luiz Oscar Niemeyer (produtor-mór do Rock in Rio de 1985) e Oscar Ornstein (que trouxe Frank Sinatra para cantar no Maracanã em janeiro de 1980). Foi quando Medina soltou a bomba: "Vou fazer o maior festival de rock do mundo e quero que vocês ajudem a escolher os artistas que irão se apresentar". Ele detonou a bomba e nos convidou para acompanhá-lo até um pequeno anfiteatro.
Na reunião, comentei que o Brasil estava com o filme carbonizado no mercado 'graças' aos trambiques, calotes e até roubo de equipamentos de artistas (...) Medina contou que, por causa dessa situação, 'teremos que pagar à vista e em espécie a qualquer artista do festival antes deles embarcarem para cá'.
Ali, com vários desenhos, ele mostrou o que seria o palco e toda a área da sua Cidade do Rock. Ficamos boquiabertos frente a cada imagem, aos detalhes, cada centímetro do palco gigantesco e cheio de luzes que brilhavam na nossa frente e faziam Woodstock parecer quermesse de cidade do interior. O criador do Rock in Rio, muito empolgado, não parava de falar. "Quero os maiores nomes do rock mundial e sei que a rádio de vocês é especialista no assunto", disse várias vezes, jogando nosso ego nas nuvens.
Mapa da Cidade do Rock de 1985
Luiz Antonio Mello: "Desenho fazia Woodstock parecer quermesse de cidade do interior"
O que Roberto Medina queria era a nossa opinião e uma enquete junto aos ouvintes da rádio que desse a ele a certeza na hora de contratar os artistas. Detalhe: tudo deveria ser feito sob sigilo. Ele não queria revelar nada sobre o festival até ter mais de 50% do cast contratado. Combinamos, então, de fazer a enquete durante um mês perguntando aos ouvintes: "Caso um festival como Woodstock se realizasse no Rio, quem você gostaria que viesse tocar?".
Para ele sugerimos AC/DC. Medina se virou para Ornstein e disse: "Anote, por favor". Seguimos: Iron Maiden, U2, Whitesnake, The Who, Dire Straits. Os nomes saíam e Medina só dizia: "Anote, por favor". Foi quando Ornstein fez um pedido. "Por favor, não citem Bob Dylan". Questionamos e ele contou que, dois anos antes, iria trazer Dylan para uma turnê pelo Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. "Marquei uma reunião em Nova York e, quando cheguei, disseram que ele teve um imprevisto e teve que viajar para Paris. Telefonei para a França e marquei nova reunião. Quando cheguei, Dylan havia partido para o interior e me deixou a ver navios". Perguntei se os furos eram dos produtores, e Ornstein contou que eram do próprio cantor.
Na reunião, comentei que o Brasil estava com o filme carbonizado no mercado artístico musical "graças" aos trambiques, calotes e até roubo de equipamentos de artistas que vieram se apresentar aqui naquela época. "O Brasil é considerado a terra do calote amplo, geral e irrestrito", avisei. Medina contou que, por causa dessa situação, "o Oscar apurou que teremos que pagar à vista e em espécie a qualquer artista do festival antes deles embarcarem para cá. Um investimento fabuloso que nos forçou a montar uma rede de patrocinadores, mas é viável e vamos fazer. Vocês nos dizem quem deve vir?". Com o nome de Bob Dylan riscado, rumamos para a rádio para organizar a pesquisa.
Na enquete que fizemos com os ouvintes quem ganhou, disparado, foi o Led Zeppelin. A banda havia acabado em dezembro de 1980 com a morte do baterista John Bonham (a aquela altura, Jimmy Page e Robert Plant seguiam se apresentando com o projeto The Honeydrippers). O Dire Straits foi eleito em segundo lugar, mas a banda estava envolvida demais com a produção do lendário álbum "Brothers in Arms", que seria lançado em maio de 1985, para fazer um show fora de época. Ainda assim, muita gente acha que o primeiro Rock in Rio, realizado entre os dias 11 e 20 de janeiro de 1985, teve o melhor repertório da história do festival.
* Luiz Antonio Mello é jornalista, radialista e escritor. Foi fundador da Rádio Fluminense FM, a "Maldita", no início dos anos 80. Trabalhou no "Jornal do Brasil", "Rádio Jornal do Brasil", "Estado de S. Paulo", "Pasquim", nas revistas "Somtrês" e "Roll", entre outras. Atualmente dirige o programa de TV "Café Paris" e mantém o blog "Coluna do LAM" sobre política, jornalismo, música e universo pop
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