Rock in Rio: Festas tinham Rod Stewart antipático e Coverdale com laringite
O mês de dezembro de 1984 foi movimentado para os executivos do mundo da música --em especial para os donos de gravadoras que, naquele planeta sem internet, ainda ditavam as regras do jogo. O assunto no Brasil era um só: Rock in Rio. O tal "delírio megalomaníaco" do empresário Roberto Medina tomou forma e, de fato, a monumental Cidade do Rock estava ficando pronta dentro do prazo.
Diz a lenda que a primeira mecha de cabelo branco que Medina ganhou foi quando começou a chover (fraco) no final da tarde de 26 de janeiro de 1980, dia em que Frank Sinatra se apresentaria em um Maracanã lotado. Inexplicavelmente, uma hora antes de Sinatra subir a passarela que circundava o estádio, a chuva parou de cair. Há quem diga que Medina não tinha mecha alguma até meio dia, e que encerrou a noite com um topete de cabelos brancos. Reza ainda outro mito: a cabeça de Medina ficou totalmente branca ao longo do Rock in Rio 1, provavelmente o mais grandioso projeto do show business brasileiro, que ocorreu entre 11 e 20 de janeiro de 1985.
Enquanto o suor corria frio dentro da agência de Medina, a Artplan, as gravadoras organizavam festas pela cidade para convidados ultra seletos. Um desses eventos, talvez o mais importante (pelo menos o mais badalado), aconteceu no hotel Copacabana Palace. Sob um céu encoberto --sinônimo de noite abafada no Rio--, convidados VIPs circulavam entre astros que iriam se apresentar no Rock in Rio.
Cartaz avisa fotógrafos sobre proibição imposta por Rod Stewart no Rock in Rio
Entre os artistas estava um escocês com quase dois metros de altura chamado Rod Stewart. E que, de cara, ganhou a antipatia da imprensa. Ao sair do elevador e caminhar para a pérgula da piscina, onde acontecia o coquetel, o cantor fez cara feia quando um repórter, vestido de terno, se aproximou querendo saber apenas o que ele estava achando do festival. Stewart quase deu um coice no jornalista e balbuciou alguns palavrões no meio do lobby mais disputado do Rio de Janeiro naquele momento.
"Não liga, ele sempre foi babaca", disse um outro jornalista consolando o repórter, que partiu para uma greve: decidiu não trabalhar mais porque "isso aqui está pior do que desfiles de fantasias, categoria luxo". Um pobre assessor de imprensa da gravadora de Stewart se aproximou dos jornalistas, ensaiando um pedido de desculpas e informando que "a pauta com ele caiu" e ninguém iria entrevistá-lo. Como se Rod Stewart se importasse.
Sozinho, andando sem parar em volta da piscina, David Coverdale parecia preocupado. Peguei uma intérprete pelo braço e fui atrás dele para saber: "O que está pegando, David?". E ele era um gentleman. Disse boa noite e explicou que estava curando uma laringite e temia não conseguir cantar no festival. A intérprete disse a ele que eu é quem tinha "colocado o Whitesnake no lugar do Def Leppard". Coverdale me agradeceu, desculpou-se e disse que iria voltar para a suíte. No caminho para o quarto, quase foi estuprado por uma socialite que tinha exagerado na vodca e gritava: "Eu vou pegar esse cara nem que eu tenha que pedir a Jorginho Guinle [socialite carioca] para me colocar na suíte dele".
No caminho para o quarto, Coverdale quase foi estuprado por uma socialite que havia exagerado na vodca e gritava: "Eu vou pegar esse cara nem que eu tenha que pedir a Jorginho Guinle [socialite carioca] para me colocar na suíte dele"
Quando Coverdale se afastou, tirei satisfações com a intérprete sobre a conversa de eu ter "colocado o Whitesnake" no Rock in Rio. "É o papo que rola por aí", ela disse. Na verdade, num sábado de novembro de 1984, por volta das cinco da tarde, Medina me ligou dizendo que o baterista do Def Leppard, Rick Allen, havia perdido um braço num desastre de automóvel. Medina perguntou se Whitesnake seria uma boa substituição. Eu disse que sim e ainda ressaltei: "É até melhor".
Fato é que, na noite do Copacaba Palace, descobrimos um Brian May (do Queen) super gente boa e humilde, um Jon Anderson (vocal do Yes) zen perambulando de bata branca e colar de pérolas, e a querida Rita Lee que conquistou a todos com seus comentários irônicos sobre as lontras colunáveis insaciáveis dispostas a fisgar roqueiros a vinagrete naquela noite abafada. Uma noite que entrou para a história dos então decadentes salões do Rio.
* Luiz Antonio Mello é jornalista, radialista e escritor. Foi fundador da Rádio Fluminense FM, a "Maldita", no início dos anos 80. Trabalhou no "Jornal do Brasil", "Rádio Jornal do Brasil", "Estado de S. Paulo", "Pasquim", nas revistas "Somtrês" e "Roll", entre outras. Atualmente dirige o programa de TV "Café Paris" e mantém o blog "Coluna do LAM" sobre política, jornalismo, música e universo pop
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