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Aos 80 anos, Serguei chora de saudades e pede Ângela Maria de presente

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

08/11/2013 08h42

Lenda do rock, ex-namorado de Janis Joplin e sagaz amante das árvores, Serguei completa 80 anos nesta sexta-feira (8). "Eu?", brinca o cantor, logo de cara, ao atender o UOL. "Eu não tenho 80 anos. Nasci em 1933, mas o tempo não me atingiu", diz. "Eu, o espírito que habito esse corpo aqui, cuida do corpo para não ter decepção no espelho. Mas na hora do sexo, no jeito de eu me vestir, eu sinto que eu tenho no máximo 30 anos. Tem dias que me sinto até com 17 anos."

Hoje, Serguei é um personagem folclórico que habita a pequena Saquarema, na região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Lá, ele cuida e mora no Templo do Rock. Financiado pela prefeitura da cidade, a casa cenográfica reúne quinquilharias de todos os tipos: discos, livros, cartazes, filmes e objetos de decoração que repassam a história do rock desde os anos 60 e reconta sua própria trajetória. Estima-se que já tenham passado mais de 20 mil visitantes por lá.

Nunca vi ninguém se parecer tanto comigo, a não ser pelas drogas

Sobre Janis Joplin

Com o cabelo volumoso, os lábios protuberantes à la Mick Jagger e as vestimentas que personificam o melhor estilo roqueiro, Serguei cai em risadas involuntárias e às vezes estaciona no meio da frase, como se estivesse em uma viagem própria (embora ele garanta: "Nunca usei drogas"). A cabeça, no entanto, ainda está em ebulição. Aos 80, ele recorda histórias com certo tom de lamento e pede um presente de aniversário que passa longe de sexo, drogas e rock and roll. "Ângela Maria", ele exclama e deixa derrubar o telefone. "Queria muito conhecê-la, dar um abraço apertado e um beijo. Seria um bom presente, mesmo que fosse por telefone".

Escravo do sexo
Em abril, Serguei assustou os amigos e moradores de Saquarema ao ser internado no hospital público da cidade, após sentir dores no corpo, falta de ar e prostração (quando há imobilidade total e ausência de reações às solicitações exteriores). Estava desidratado. Os funcionários da prefeitura, acostumados com as visitas costumeiras do cantor, relataram na época: "Ele estava muito abatido". Levou uma bronca do médico por não comer direito.

"Eu ando de bicicleta. Agora menos. O médico disse que eu estou um pouco perdidinho, mas estou inteiraço, graças a Deus. Eu tenho a maior alegria. É como tesão", e já muda de assunto para algo que ele garante adorar e ser um praticante. "O tesão não está no pau, está na cabeça. O sexo para mim é muito importante. Sou um escravo do sexo. Às vezes eu me repreendo: 'Que é isso? Tá ficando maluco'".

Desses momentos, ele relembra quando "comungou", pele com casca, com um cajuzeiro. "Eu estava com muita vontade. Vi um cajuzeiro enorme, parecia uma parede, abri o zíper...", e completa a sentença, rindo abafado como um adolescente, emulando o momento do orgasmo. "Ahhhhhhhhh!"

Com a natureza de Saquarema, ele consegue se acalmar. "Fico muito inquieto, lembrando das pessoas que eu queria pegar e daí me masturbo. Mas é bom, evita [câncer na] próstata. A noite vou dar uma volta. Ando pela pracinha, subo a ponte. Tem uma lagoa imensa, isso aqui é uma maravilha".

Sem discos, mas com saudades
No Brasil, Serguei só lançou compactos e sua carreira musical não chegou necessariamente a decolar. Começou a gravar um disco nos Estados Unidos, onde viveu durante 20 anos, mas largou o projeto pela metade por causa do pai, um executivo da IBM (sigla de International Business Machines), que estava doente. Não se arrepende. Suas reminiscências, cada vez mais, estão voltadas para a saudade que sente da família.

"A vida para mim é uma festa, mas se tiver que chorar, eu choro mesmo. Tenho muitas saudades dos meus amigos, da minha mãe, da Janis (Joplin). Outro dia eu estava passando o aspirador na casa, me senti um pouco cansado e sentei na escada. Coloquei o aspirador na mão e disse: 'Mãe'. E comecei a chorar. Aí eu chorei, e quando eu começo eu não paro. Minha mãe era demais, cara".

Bicho, eu nunca vi uma época tão careta como agora. Encher os poros de maconha e cocaína, eu não vejo nenhuma vantagem

Sobre Janis Joplin, com quem teve um affair e lhe deu parte da fama, recorda: "Nunca vi ninguém se parecer tanto comigo, a não ser pelas drogas. Uma vez ela estava tomando banho, cantando, eu estava sentado no sofá. 'Eu sou sua cantora', ela disse. Eu comecei a falar sobre drogas, de que ela não poderia nos dar uma surpresa desagradável, que ela não cuidava do corpo. Ela virou a cabeça e disse: 'Ninguém me obriga a entrar no jogo'. Eu era igual".

Quem visita o templo em Saquarema, ouve essa e outras histórias. "Eu tive o privilégio de viver os anos 60, porque agora... bicho, eu nunca vi uma época tão careta como agora. Encher os poros de maconha e cocaína, eu não vejo nenhuma vantagem". Ele conta que se irrita, inclusive, com alguns dos visitantes que entram na sua casa. "Eu fico mostrando as coisas para o pessoal e eles ficam apáticos. Bato palma e grito: 'Ei! Vocês estão vendo isso aqui?'. Parecem um bando de mortos-vivos, não têm aquele brilho de uma pessoa das idades deles".

Das redes sociais, ele passa longe, embora sua conta no Twitter faça o maior sucesso com frases fictícias, inspiradas em seu próprio universo mítico. "Seria muito louco se rolasse um tempero sabor suor. O meu seria afrodisíaco. Vai transar? Pinga na salada antes", diz uma das mensagens do @sergueirock. "Eu não tenho a menor paciência. Para mim, estar na rua, ver um cara bonito, ver uma menina e dizer: 'Vamos lá tomar uma cerveja', isso pra mim é sala de bate-papo".

Mesmo com o desejo de se encontrar com Ângela Maria ("Que voz!"), ele reclama e invoca o espírito do rock, como se fosse o último servo de um exército em extinção. "O rock and roll continua, mas não existe o rock and roll estilo de vida, nada disso. Hoje em dia é uma caretice do c******".

André Ribeiro, 41, vocalista do grupo Pandemonium, que tem acompanhado Serguei nos shows, relata que foi o cantor quem ajudou a manter a banda no foco. "Ele é o adolescente da banda. Louco, brincalhão. Sempre tem uma zoação dentro do hotel. O difícil é dormir. Quando Serguei entrou, ele virou tudo de pernas para o ar. Durante um período, a banda ficou meio careta, estávamos muito mecânicos. Ele diz: 'O artista tem uma lona na cabeça 24 horas e o mundo é um show'", conta.

Como o próprio Serguei cantou em 1968, na música "Eu Sou Psicodélico": "A vida para um hippie é mais vida / o mundo é uma flor / sem espinhos e sem dor / plantada como amor".