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Renegado pela crítica, disco de Jay-Z mostra falta de coerência no Grammy

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

24/01/2014 13h23

O rapper Jay-Z dominou as indicações ao Grammy 2014, que acontece no próximo domingo (26) em Los Angeles. Seu último disco, "Magna Carta Holy Grail", recebeu acenos em quase todas as categorias de rap. O amigo Kanye West, que lançou o ousado "Yeezus" semanas antes, já reclamou em alto e bom som, durante um show, por ter recebido apenas duas indicações (melhor álbum de rap e melhor música de rap por "New Slaves"), ainda que tenha figurado entre os melhores discos de 2013 em nove de cada dez listas divulgadas pela imprensa.

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    "Magna Carta Holy Grail" teve uma recepção morna, mas impulsionou 9 indicações de Jay Z ao Grammy

Deixando o ego de Kanye de lado, o questionamento é válido. Aos 44 anos, Jay-Z não conseguiu o mesmo efeito com "Magna Carta Holy Grail". Com título pomposo, aura artística e citações que vão de Nirvana a Tom Ford, Miley Cyrus a Picasso, o álbum não funcionou.

Recebeu críticas mornas (o site Buzzfeed foi mais fundo e criticou: "Jay- Z atingiu um nível de mediocridade admirável normalmente esperado de envelhecimento de rockstars") e passou longe de todas as listas de melhores discos do ano. Talvez por isso o rapper não tenha conseguido emplacar o álbum nas categorias principais da premiação.

Jay-Z continua vendendo discos, enchendo arenas e colecionando contratos publicitários milionários --o último, com a Samsung, foi firmado para que 1 milhão de cópias digitais do novo álbum fosse distribuído entre os usuários dos celulares da marca. A fama o credencia para tantas indicações, mas escancara a fragilidade da dita maior premiação da música mundial.

Comissões e votantes
Criada em 1958, a maior festa da música mundial segue forte na era dos streamings, mas por isso mesmo busca incessantemente dar uma repaginada nas categorias e, principalmente, no palco com shows de artistas populares. Nesta edição, se apresentam Katy Perry, Lorde, Metallica, Beyoncé, o próprio Jay-Z e o encontro especial entre Ringo Starr e Paul McCartney.

A audiência é garantida, mas isso não significa que haja coerência com a escolha dos indicados e vencedores. As categorias mais técnicas, por exemplo, não chegam a ser transmitidas. O prêmio de melhor rap já foi uma delas em 1989, quando foi criada.

Em um divertido e sincero artigo, o editor da revista "Vibe", Rob Kenner, disse que a culpa da escolha de indicados nem sempre coerente era culpa dele próprio. Um dos votantes do prêmio --formado por DJs, radialistas, executivos de gravadoras, assessores de imprensa, técnicos, músicos e redatores--, Kenner, que sempre escreveu releases de discos, escancarou como funciona a escolha das categorias e a própria votação.

Dividido em comissões, os integrantes votantes precisam avaliar uma torre de discos, cedidos pelas próprias gravadoras, mas às vezes introduzidas por membros especiais chamado de Recording Academy. Os participantes da comissão não precisam necessariamente se preocupar com qualidade dos trabalhos, mas determinar, por exemplo, onde cada álbum se encaixa nas categorias. Rob exemplifica citando a categoria que premia os trabalhos de música reggae.

"As regras afirmam que 51% das faixas do álbum precisam ser compostas por música reggae (um gênero que inclui estilos tão díspares como reggae roots, ska , dub, dancehall) (...) Em uma categoria como reggae, em que grande parte da música é produzida por gravadoras menores e independentes, que podem não estar familiarizadas com o processo de entrada de Grammy, as melhores gravações são, por vezes, nem sequer submetido", relata Roy.

Sendo assim, cada um dos votantes pode votar em até 20 categorias, incluindo as principais (gravação do ano, álbum do ano, canção do ano e melhor artista novo), mas que não necessariamente são de sua especialidade, abrindo espaço para que os artistas mais famosos conquistem mais votos, independe da qualidade ou relevância do seu trabalho.

Na categoria rap, o novato Chance the Rapper foi bradado como revelação de 2013 com o disco "Acid Rap", e até o veterano Eminem fez sua volta triunfal (mais bem acolhido pelas resenhas do que o disco do Jay-Z). Ambos ficaram de fora da categoria.

"Isto é especialmente verdade em categorias especializadas, como reggae e, em menor grau, hip-hop, em que muitos membros votantes da Recording Academy podem não estar bem familiarizados com os melhores lançamentos em um determinado ano". Roy continua:  "Eu me abstive de votar nas categorias de heavy metal e música clássica, porque eu sei muito pouco sobre esses gêneros. Mas eu poderia, se eu quisesse".

O escritor propõe que o processo seja transparente, para que outros profissionais da área possam se inscrever para participar das comissões e, assim, tentar deixar o prêmio mais fidedigno e relevante na música, e não apenas para a indústria musical. Enquanto o quadro de votantes ou o próprio módulo não se renova, resta acompanhar a premiação no domingo e saber se Jay-Z será coroado com o maior número de prêmios.