"Achavam que éramos maçons", diz Edy Star sobre álbum com Raul Seixas
O desbocado Edy Star, um dos precursores da militância gay no Brasil, se destacou na música nos anos 70 quando lançou seu disco solo “Sweet Edy” (1974), com composições de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Mas bem antes disso ele já era amigo de longa data de Raul Seixas, cuja morte completa 25 anos na próxima quinta-feira (21). Com ele, gravou o álbum "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10" (1971), recolhido pela gravadora CBS cerca de 15 dias após o lançamento. "Os caras odiaram [risos]", relembra, em entrevista por telefone ao UOL.
Os dois se conheceram em Salvador ainda nos tempos do Elvis Rock Club, que Seixas fundou na cidade junto ao também amigo Waldir Serrão. "Eu tinha uns 17 anos e ele tinha 15. Éramos garotos de rua, discutíamos discos, falávamos sobre os nossos ídolos James Dean e Elvis Presley". Entre mudanças na vida deles, Edy e Raul voltaram a se encontrar no início dos anos 70, no Rio de Janeiro. Na época, Seixas era produtor da CBS e compunha canções para outros artistas, como a cantora Diana e Jerry Adriani.
Interessado em iniciar um novo projeto próprio --o primeiro desde Raulzito e os Panteras, na década de 60--, Seixas convocou Edy, o “maldito” Sérgio Sampaio e Miriam Batucada para a gravação de um LP com o consenso da gravadora (ao contrário do que sustenta a lenda de que os registros em estúdio rolaram às escondidas durante algumas madrugadas). Além de ter um pé forte nas experimentações e na psicodelia, o material trazia Seixas não apenas compondo, mas também cantando. "Foi a virada", diz Edy, o único integrante vivo da formação. "É o primeiro álbum que ele, até então Raulzito, assina como Raul Seixas. E a CBS não admitia o fato de ele ser contratado como produtor e cantar".
Retirado do mercado duas semanas depois, "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10" se tornou uma espécie de "projeto-frustração" para todos os integrantes, embora tenha arrancado elogios de muitas pessoas na época e ainda permaneça como material de destaque na discografia do Maluco Beleza. "Todo o pessoal do underground tinha amado o disco", conta Edy. Na época, Raul permaneceu por pouco tempo em seu antigo cargo na gravadora, mas acabou se desligando da CBS em 1972. O álbum ganhou diversas reedições ao longo dos anos, sendo a última datada de 2010 pela Sony Music.
Ainda que visto como um projeto malsucedido comercialmente, Edy Star guarda boas lembranças das gravações. "Nossos encontros eram normais. Algumas pessoas pensavam, e até hoje pensam, que éramos um tipo de sociedade secreta por causa do nome [risos]. Tem quem ache que éramos maçons", diz. "Era tudo sempre divertido. Não tinha machismo. Raul era um hétero casado, Sérgio era um hétero namorador, mas um cara mais do samba. Eu era essa bicha enlouquecida e solta na vida, e a Miriam era a fanchona do grupo [gíria para lésbica]", brinca. "E, mesmo sendo pessoas completamente diferentes, conseguíamos manter papos gostosos com muita piada. E cada um trazia a sua referência musical em uma construção mútua".
O tom de deboche em plena ditadura militar, sobretudo com relação aos costumes da sociedade naquela época, pode ser notado em diversas composições do quarteto no álbum, a exemplo de "Sessão das Dez", "Êta Vida", "Aos Trancos e Barrancos" e "Todo Mundo Está Feliz".
Vida que segue
Tendo lançado álbum solo, virado representante do glam rock no Brasil nos anos 70 e continuado as apresentações em cabarés e boates da Praça Mauá, no Rio de Janeiro, Edy continuou em contato com Raul e esteve com ele pouco antes do cantor morrer. "Raul foi único", afirma. "O rock hoje vive se batendo pelas paredes. É pouco divulgado", diz. "Mas faltam também artistas como ele, que era um cara que sabia fazer uma música agradável e próxima do povo. Faixas com bom refrão. Talvez seja algo que falte hoje em dia".
Edy morou de 1992 a 2011 em Madri, na Espanha, apresentando-se em uma casa de cabaré chamada Chelsea 2. Durante esse período, venceu um câncer de próstata que diagnosticou em 2007 após um exame de rotina, tendo realizado todo o tratamento na Europa. "Já estou na faixa bônus na minha vida", diz, aos 76 anos.
Hoje em dia, além de apresentações em homenagem a Raul, segue realizando shows de seu primeiro e único álbum (relançado há três anos), que revela ter passado a gostar quatro décadas depois. "Eu não costumava achar que combinava com o meu trabalho em geral, na época", argumenta. "Hoje, acho que se encaixa melhor dentro do tipo de show que faço, que é mais rock."
Atualmente ele trabalha em um projeto multimídia a seu respeito, que envolve o lançamento de um álbum. Sem poder revelar mais detalhes, Edy apenas conta que já tem canções inéditas e que a empreitada, com possível lançamento em janeiro, contará com a participação de alguns artistas do meio musical.
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