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Para metaleiras, escalação do Monsters reforça caráter machista do estilo

Daniel Buarque

Do UOL, em São Paulo

31/03/2015 07h00

As 15 bandas que vão se apresentar no Monster’s of Rock, festival de heavy metal que acontece em São Paulo nos dias 25 e 26 de abril, formam um grande “Clube do Bolinha”. Apenas uma mulher, Nadja Peulen, do Coal Chamber, faz parte de uma das atrações que vão tocar no evento.

O UOL ouviu parte do grupo excluído dos palcos dos grandes festivais. Mulheres metaleiras e integrantes de bandas que defendem a presença feminina no estilo, mas admitem que há muito machismo no cenário do heavy metal.

“Nós temos centenas de bandas comandadas por mulheres ao redor do mundo, e não é comum elas estarem escaladas em grandes festivais em quantidade igual à das bandas formadas só por homens”, disse ao UOL Sana, autora do blog Moda de Subculturas e de uma ampla pesquisa sobre mulheres no metal. Segundo ela, o machismo está presente na escalação de bandas que participam de festivais, mesmo que seja um machismo inconsciente.

cintia ventania

  • Divulgação

    Se você for comparar a quantidade de bandas mistas ou masculinas, você verá que as bandas femininas de metal são uma minoria. Claro que existe certo preconceito, que acredito que vem diminuindo com o tempo

    Cintia Ventania, baixista do Scatha

Para Prika Amaral, guitarrista da banda de thrash metal Nervosa, a exclusão de bandas com mulheres do festival não é proposital, mas apenas uma coincidência. “Existem muito mais bandas masculinas, e isso é normal. Não acho legal forçar a parada, do tipo ‘temos que colocar uma banda feminina’. A banda tem que conquistar seu espaço naturalmente”, disse.

Cintia Ventania, baixista da banda Scatha, concorda com a ideia. “Se você for comparar a quantidade de bandas mistas ou masculinas, você verá que as bandas femininas de metal são uma minoria. Claro que existe certo preconceito, que acredito que vem diminuindo com o tempo”, opinou.

Mas apesar de acharem compreensível a ausência de mulheres no palco, as metaleiras ouvidas pelo UOL defenderam que alguns nomes da cena metal podem fazer bonito em festivais do porte do Monster's e merecem espaço para dar mais voz às mulheres da cena.

A cantora alemã de heavy metal Doro Pesch --que vai tocar no Rock in Rio-- poderia ser chamada, segundo Sana. “Não apenas por ser considerada a Rainha do Metal, mas porque fez história no Monster's of Rock de Donington [no Reino Unido], em 1986, por ser justamente a primeira mulher a pisar no palco do festival”, disse. Para ela, outras bandas atualmente relevantes que contam com mulheres em sua formação (mais especificamente como vocalistas) são The Sledge/Leather Project, que da alemã Leather Leone; Holy Moses, da também alemã Sabina Classen, e Arch Enemy, da canadense Alissa White-Gluz , além da já citada banda nacional Nervosa, formada por três metaleiras.

“É claro que eu gostaria muito de ver mais mulheres por lá [no Monsters]. Seria um orgulho muito grande, mas acho que essa hora ainda vai chegar, pois existem muitas bandas com mulheres em ascensão. Então, daqui a uns anos vai ser algo mais natural”, disse Fernanda Lira, baixista e vocalista do Nervosa. Segundo a guitarrista Prika Amaral, bandas brasileiras com mulheres, como Haze, Vocifera, Panndora, Sinaya e Valhalla também poderiam ser escaladas para o festival.

Preconceito
Ser mulher e tocar em banda de metal ainda é algo que desafia as convenções de um cenário musical predominantemente masculino, mas as metaleiras entrevistadas pelo UOL ressaltaram que o machismo no metal não é muito diferente do que se encontra em toda a sociedade.

“Machismo existe em todo lugar, e não seria diferente no metal, que ainda é um meio predominantemente masculino. É claro que a gente percebe esse tipo de coisa. Afinal, sendo uma banda formada inteiramente por mulheres, é natural que muito pensamento machista seja despejado em cima da gente, mas ficamos tranquilas, pois sabemos que esse tipo de coisa vem de uma minoria”, explicou a vocalista do Nervosa.

“Não nos intimidamos com atitudes machistas em geral”, disse Cinthia, da banda Scatha. “Claro que, se for algo muito ofensivo, temos que responder de forma enérgica, mas nunca tivemos nada muito grave, e, como mulheres, temos já o costume de ignorar esse tipo de atitude e mostrar ao que viemos, que é tocar nosso som”, completou.

Sana

  • Muitas garotas fazem papel de sensual pensando ser uma exigência para fazer parte do meio, mas é uma falsa ideia de aceitação, pois na verdade elas apenas reproduzem a mulher idealizada no imaginário masculino

    Sana, blogueira

Segundo a blogueira Sana, o machismo aparece disfarçado no metal. “Ele aparece em letras ou capas de álbuns, em frases como ‘ela é apenas mais um dos caras’, ‘ela toca como um homem’, ‘a banda só faz sucesso porque a vocalista é bonita’... Tudo isso são falsos conceitos e pensamentos de valor tradicional”, explicou.

Para ela, a própria expressão "bandas femininas", usada ao longo dessa reportagem para dar voz às mulheres no cenário do heavy metal, pode ser interpretada como machismo disfarçado. “Você não vê alguém falar ‘bandas masculinas’, por exemplo. Isso mostra que a mulher é vista primeiro como mulher e depois como profissional da música, o que não ocorre com os homens.”

Sensualidade
Uma outra questão importante em relação à presença feminina no universo metaleiro é a da exploração da sensualidade dessas mulheres, que é mais um comportamento machista. O machismo aparece disfarçado em listas de "mulheres mais gatas do rock/metal”, em que há a objetificação do corpo feminino e uma sobrevalorização disso acima da música.

“Imagem é algo que vende... E, se você ainda tiver a possibilidade de acrescentar sensualidade, você vai ter muito mais exposição”, disse a baixista da Scatha. “Vejo muitas bandas femininas que nem se ligam muito no som em si, mas dedicam a maior parte do esforço em passar uma imagem sensual e apelativa. A meu ver, isso cria uma imagem superficial sobre a mulher no metal”, explicou. O impacto em um público majoritariamente masculino, segundo ela, é sempre grande.

Fernanda Lira

  • Divulgação

    É claro que eu gostaria muito de ver mais mulheres por lá [no Monsters]. Seria um orgulho muito grande, mas acho que essa hora ainda vai chegar

    Fernanda Lira, baixista e vocalista da Nervosa

Segundo a blogueira Sana, existe uma contínua reprodução da ideia de que o corpo feminino é um objeto público. “Muitas garotas fazem papel de sensual pensando ser uma exigência para fazer parte do meio, mas é uma falsa ideia de aceitação, pois na verdade elas apenas reproduzem a mulher idealizada no imaginário masculino: sensual, receptiva e fisicamente perfeita, podendo gerar inclusive a pressão de ter de atingir um certo tipo de estética física, um determinado peso. É um exemplo do machismo velado agindo dentro da cabeça das próprias mulheres.”

Prika e Fernanda, da Nervosa, rejeitam a exploração da imagem no trabalho com sua banda, mas alegam que o problema maior está na forma diferente de ver homens e mulheres. Para elas, julgar o uso da sensualidade também é, em si, machista.

“O que atrapalha é o machismo. Só isso! A mulher deveria ter o direito de ser respeitada se vestindo para tocar ou para ir ao rolê da maneira como bem entender, assim como é com o homem, mas isso não ocorre por causa do pensamento machista que muitas pessoas nem percebem que têm”, disse Fernanda.