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Atração do Rock in Rio, banda Project46 lidera volta do metal em português

A banda brasileira de metal Project46 - Divulgação
A banda brasileira de metal Project46 Imagem: Divulgação

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

22/09/2015 17h26

"Sai, some daqui / Diabo queres destruir / Sai pra lá, não dá pra suportar / Tamanho caos assim, nunca vi". Em 1982, estas frases marcaram o nascimento de um metal brasileiro cantado em português. O disco autointitulado dos paraenses do Stress era, então, o primeiro álbum do gênero do país. Ainda assim, o inglês seguiu como língua oficial do metal, principalmente com o sucesso internacional do Sepultura. O idioma estrangeiro ainda é prioridade, mas uma volta às origens vem ganhando força. E o líder deste movimento é o Project46, banda paulistana de metal que chamou a atenção do Rock in Rio e estreia no festival na próxima quinta-feira (24).

O Project46 chega ao festival promovendo seu segundo disco, "Que Seja Feita a Nossa Vontade", em apresentação conjunta com o John Wayne, outro grupo que aderiu aos vocais em português. Nas letras, protestos, dramas da sociedade e uma inspiração no rap para passar uma mensagem que o metal brasileiro nem sempre conseguiu quando usou sua língua nativa.

Antes de virar Project46, os integrantes tinham uma banda cover de Slipknot. Quando formaram a nova banda, começaram a escrever músicas próprias e parecia natural seguir a tendência de bandas como Sepultura, Angra e Krisiun, focando o mercado no exterior. Assim, lançaram o EP "If You Want Your Survival Sign Wake Up Tomorrow" e compuseram o primeiro álbum todo em inglês. O produtor musical Adair Daufembach, então, sugeriu que eles mudassem tudo.

"Nosso produtor pediu para fazermos um teste e gravarmos apenas 'Tomorrow' em português. Ela virou 'Amanhã Negro', do primeiro disco, 'Doa A Quem Doer' (2011). Ficamos muito satisfeitos com a mudança e, mesmo com o álbum inteiro já gravado em inglês, decidimos regravar todos os vocais. A voz se tornou outro instrumento na banda, fazendo nossa mensagem chegar mais direta e pesada", contou o guitarrista Vinicius Castelarri. "Tinha certeza que seria um baque para as pessoas e, ao mesmo tempo, vimos que eles são exímios letristas. É sensacional ver uma banda que canta as mazelas do país, uma banda de protesto, algo que tinha se perdido", disse Adair.

Rafael Yamada - Divulgação - Divulgação
Rafael Yamada, baixista do Project46
Imagem: Divulgação

Um dos principais letristas do grupo, o baixista Rafael Yamada diz que precisou tomar consciência de que estavam fazendo música para brasileiros. Yamada ouviu muito rap para ajudar nas composições e isso se vê não só nas letras, mas também em trechos que flertam com o gênero. "O rap é a rima pura, e eu sempre gostei das rimas. Fui direto à fonte, estudar a sonoridade das palavras junto com o significado da mensagem. Foi ouvindo rap que eu aprendi a rimar com peso. A mensagem é tão dura, cruel e verdadeira, que cada palavra sai da boca pesando uns 10kg".

O John Wayne, que dividirá o palco com o Project46 no Rock in Rio, lançou neste mês seu segundo disco, "Dois Lados - Parte I". Para o guitarrista Rogerio Torres, é um facilitador para as bandas atingirem um público ainda maior no festival. "O cara vai ouvir o som e vai entender o que estamos falando, isso é animal", disse Torres.

Dilema do idioma

As origens do metal em português têm o Stress como primeiro ponto, mas a banda teve pouca influência. Lançamentos como as coletâneas "SP Metal", de 1984 e 1985, tiveram mais impacto na cena: grupos como Avenger, Salário Mínimo, Centúrias e Korzus desfilaram suas músicas, como "Cabeça Metal", "Duas Rodas", "Delírio Estelar" e "Príncipe na Escuridão". Além deles, bandas como Harppia, Dorsal Atlântica e Metalmorphose construíram uma cena importante para o gênero. Foi a base para uma legião de fãs que cresceu na década de 1980 e que aumentou com o sucesso do Sepultura.

"As bandas nem pensavam em escrever em inglês", explicou Ricardo Batalha, editor da revista "Roadie Crew", especializada no gênero. "O primeiro grupo que lançou um disco inteiramente em inglês foi o trio Karisma, do ABC, com 'Sweet Revenge'. Mas foi o que aconteceu com o Sepultura no mercado externo que encorajou não só os grupos que estavam surgindo, como bandas que escreviam em português e mudaram suas letras para o inglês com o objetivo de tentar a sorte no exterior". O Ratos de Porão, por exemplo, lançou álbuns com versões nas duas línguas.

O Sepultura, por exemplo, surgiu já cantando em inglês e usar o português nunca foi cogitado, já que a carreira no exterior era fator primordial. "Nós queríamos ser como os nossos heróis, e todos cantavam em inglês", disse Max Cavalera ao UOL. "Essa escolha foi muito importante, porque fez de nós uma banda internacional, todos entendiam sobre o que estávamos cantando. Cantar em português é limitado. Minha banda favorita assim é o Dorsal Atlântica. O Carlos Lopes [vocalista e guitarrista] era meio que um poeta".

Com o decorrer da carreira, Max e suas bandas --primeiro Sepultura, e depois Soulfly e Cavalera Conspiracy-- passaram a investir não só em ritmos brasileiros, mas em usar um pouco da língua. "Ratamahatta", do álbum "Roots", é um exemplo clássico. No Soulfly, ele fez "Porrada" e "Mulambo".

Desafio técnico

Cantar em português não é só uma escolha. Para Rogerio Torres, do John Wayne, é preciso técnica. "Para nós, é um desafio enorme encaixar as palavras do nosso idioma, conjugações, fonética, fazer com que as frases tenham sentido sem rimar 'caneta' com 'bombeta', sabe? Isso é algo muito mais fácil, tecnicamente, no inglês. Colocar palavras aleatórias para rimar é fácil; difícil é escrever algo que realmente conte uma história, que faça sentido para quem ouve".

É o mesmo pensamento que o Stress sentiu desde os primórdios. Segundo o vocalista Roosevelt "Bala" Cavalcante, a banda chegou a escrever duas canções em inglês, mas nos primeiros shows não se sentiu compreendida. "É muito mais difícil escrever letras em português, porque não se pode, ou não se deve, falar besteira. No inglês, dá para cantar um bocado de abobrinhas e ainda assim soar maravilhoso. Não precisamos nos esconder atrás da facilidade da língua para expressar nossas mensagens".

Bala admite que criou-se um certo preconceito com o idioma natal. "Eu me surpreendi quando alguns colegas me disseram, há tempos, que havia preconceito contra bandas que cantavam em português. Achei tão absurdo que não acreditei por muito tempo. Depois eu vi que rolava mesmo. Essa discriminação com a nossa língua foi um dos primeiros sintomas dos rachas dentro do metal que deixaram sequelas no movimento".

Por sorte --e talento--, o cenário mudou. "O que antes era visto como coisa do passado, dos anos 1970 e 1980, foi gradativamente voltando e hoje muitas bandas cantam com orgulho em português. Não é mais coisa de velho cantar em português", concluiu o jornalista Ricardo Batalha.