Aos 69 anos, David Bowie fez última viagem experimental a outro planeta
O camaleão David Bowie chega aos 69 anos nesta sexta-feira (7) pouco afeito à nostalgia. Ícone da cultura pop, o cantor e compositor britânico comemora o aniversário com “Blackstar”, novo álbum que o coloca mais uma vez em um corpo alienígena. Mas nada que lembre Ziggy Stardust, persona extraterrestre assumida por Bowie na década de 70.
Como nos vídeos divulgados para a faixa-título e "Lazarus", Bowie aparece vendado, com botões no lugar dos olhos, escrevendo ou exibindo escritos como um profeta. Aqui não há espaço para brilho, glamour e rock dançante -- a viagem é experimental e enigmática.
Depois de marcar sua volta com um rock mais conservador em “The Next Day” (2013), brindando os fãs que passaram uma década à espera de um novo trabalho, Bowie mergulha na improvisação do jazz, pilotada pelo quarteto do saxofonista Donny McCaaslin – a quem o cantor ouviu pela primeira vez em um bar em Nova York em 2014. Dias depois da apresentação, antes mesmo de se conhecerem pessoalmente, mandou um recado para que o músico participasse de uma gravação. Era “Sue”, lançada na coletânea “Nothing Has Changed”, e que aparece em outra versão no disco.
Produtor e parceiro das antigas, Tony Visconti contou à “Rolling Stone” que Bowie, na época, andava fascinado por “To Pimp a Butterfly”, álbum do rapper Kendrick Lamar, que misturava jazz, funk e hip-hop com frescor e inovação e foi um dos destaques do ano passado. A ordem inicial era “evitar o rock ‘n roll”.
O artista mantém uma big band desordenada em todo o disco, costurada a elementos eletrônicos, guitarras pesadas e bateria quebrada. “Blackstar” é realmente de outro planeta, embora faça parte de uma galáxia conhecida em discos como “Outside” (1995), “Earthling” (1997) e, conceitualmente, em “Station to Station” (1976).
Com tom por vezes fantasmagórico, Bowie canta nas entrelinhas sobre vida e morte, reminiscências e visões e o universo bélico e espiritual. Como de praxe nos últimos anos, o cantor não deu entrevistas, nem divulgou informações sobre as letras. Coube a McCaaslin dar a dica: “Blackstar”, faixa de 10 minutos que abre o disco, é uma referência ao Estado Islâmico.
Cabe aos fãs decifrar “Blackstar".
Confira o faixa a faixa e ouça o novo álbum no UOL Música Deezer:
"Blackstar"
Primeiro single, a faixa de 10 minutos é a mais experimental do álbum. Lembra as origens na escola krautrock [movimento pioneiro na mistura de jazz e rock, nascido na Alemanha dos anos 1970]. Vai das batidas quebradas a um vocal tenebroso do cantor, que arranha cantando: “Eu sou uma estrela negra, eu não sou uma escola do cinema, eu sou uma estrela negra, não sou um pop star”. Segundo o saxofonista Donny, é uma canção sobre o Estado Islâmico.
"'Tis a Pity She Was a Whore"
A canção ganhou uma versão mais limpa e roqueira do que a divulgada em 2014, quando saiu como lado B de “Sue”, embora o clima de free jazz domine. Embora Bowie diga (em uma das raras mensagens postadas em sua rede social) que a letra fala sobre a crueza chocante da Primeira Guerra Mundial, o nome da faixa remete a uma peça de John Ford sobre incesto. A letra é sobre ela (a guerra?), um karma que o machuca e o vilipendia.
"Lazarus"
Balada quase progressiva, foi composta para o musical de mesmo nome, de autoria de Bowie, que estreou no início do ano. Mais lenta, com um baixo marcante, a canção ganha um saxofone lamurioso e uma guitarra suja e distorcida. Lazarus é o personagem bíblico que é trazido de volta à vida quatro dias após sua morte. Pode servir como pista para decifrar o disco.
"Sue (Or in a Season of Crime)"
A versão de “Sue” aparece mais curta do que na versão de 2014. Menos barulhenta, mantém as guitarras pesadas e a influência da música industrial, de discos como “Earthling”. Fala de uma garota que Bowie vai descobrindo a verdadeira identidade aos poucos.
"Girl Loves Me"
Com ecos e bateria quebrada, a canção parece um cântico psicótico. A letra reforça a aura misteriosa e é repleta de gírias britânicas usadas por gays em meados do século 20 em Londres.
"Dollar Days"
Grande surpresa do disco, é uma bonita balada de Bowie ao violão e piano. Ele canta como um andarilho na rua: “Eu estou morrendo também, empurre as costas deles contra a corrente / E engane-os todos novamente e novamente”.
"I Can't Give Everything Away"
É a que mais se assemelha ao último disco, “The Next Day”. Bowie emposta a voz: “Vendo mais, sentindo menos / dizendo não, querendo dizer sim / isto é tudo que eu sinalizei / esta é a mensagem que eu enviei”.
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