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Último vídeo e disco foram testamento em vida de David Bowie

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

11/01/2016 13h48

Três dias antes de sua morte, David Bowie apareceu pela última vez deitado em uma cama hospitalar, com uma venda e dois botões no lugar dos olhos, no clipe de “Lazarus” (Assista aqui). “Look up here, I'm in heaven / I've got scars that can't be seen [olhe aqui, eu estou no céu / Eu tenho cicatrizes que não podem ser vistas]”, canta o "camaleão" com aparência frágil, no segundo vídeo do disco “Blackstar”, lançado na sexta-feira (8), dia em que completou 69 anos.

"Blackstar", 25° álbum de David Bowie - Divulgação - Divulgação
"Blackstar", 25° álbum de David Bowie
Imagem: Divulgação

Recebido com celebração, o álbum, na verdade, foi o adeus definitivo do artista. “A morte dele não foi diferente da vida dele --um trabalho de arte”, desabafou no Facebook o amigo Tony Visconti, produtor de tantos discos, tão logo a notícia da morte foi confirmada. “Ele fez ‘Blackstar’ para nós, seu presente de despedida. Eu soube por um ano que isso [a morte do artista] seria dessa forma”.

A reflexão sobre a vida e a morte paira em todo o álbum, mas ganha força devastadora após a notícia em decorrência de um câncer. Uma batalha de 18 meses que quase ninguém sabia da existência, mas que está registrada em “Blackstar” --na verdade, batizado com um ícone, ? , a mesma estrela preta que costuma ser gravada nas lápides, indicando não a morte, mas o (re)nascimento.

É através desse álbum-testamento que Bowie revelou sua condição para os fãs e seguidores, principalmente nos dois últimos clipes lançados em vida. Em “Lazarus” --referência ao personagem bíblico que volta a vida quatro dias depois de sua morte--, Bowie se contorce na cama e levita com a ajuda (ou influência) de uma garota que se esconde debaixo da cama. A mesma menina aparece no clipe anterior, em “Blackstar” (assista)

Em ambos vídeos, dirigidos por Johan Renck, da série "Breaking Bad", Bowie aparece de duas formas: ora na pele de "Button Eyes", o tal "olhos de botão", inspirado em um dos desenhos criados pelo artista para a arte conceitual; ora escrevendo ou exibindo revelações como um profeta, o que poderia ser um momento de devaneio ou revelação sobre a mortalidade.

No vídeo, enquanto Bowie escreve, vemos um crânio adornado de pedras preciosas, como se o espectro da morte pairasse sobre o quarto. “Look up here, man, I'm in danger/ I've got nothing left to lose / I'm so high, it makes my brain whirl / You know I'll be free / Just like that bluebird ["Olha aqui, cara, eu estou em perigo / nada tenho a perder / Eu estou tão chapado, isto faz meu cérebro girar / Você sabe que eu estarei livre / como um pássaro azul”, diz a letra.

O crânio é encontrado dentro do uniforme de um astronauta no enigmático clipe de “Blackstar”, enquanto a letra fala, mais uma vez, sobre a morte. “Algo aconteceu no dia em que ele morreu / seu espírito subiu um metro e afastou-se / alguém tomou o seu lugar, e gritou bravamente: Eu sou a estrela negra, eu sou uma estrela negra”.

O vídeo de “Blackstar” começa com o corpo de um astronauta em um país rochoso. No decorrer do clipe de dez minutos, podemos ver pessoas crucificadas em campos e um esqueleto que voa em direção a um grande eclipse. O crânio com as pedras é, no final, saudada por um grupo de mulheres, como em um ritual religioso.

David Bowie na última cena de "Lazarus", lançado na última quinta-feira (7) - Reprodução - Reprodução
David Bowie na última cena de "Lazarus", lançado na última quinta-feira (7)
Imagem: Reprodução
Cena de "Blackstar" - Reprodução - Reprodução
Cena de "Blackstar"
Imagem: Reprodução

Batalha

Ousado e destemido, “Blackstar” foi gravado lentamente desde a primavera de 2014, quando Bowie conheceu o quarteto do saxofonista Donny McCaaslin em um bar de jazz em Nova York. Inicialmente, a parceria serviria apenas para "Sue (or In a Season of Crime)", lançada na coletânea “Nothing Has Changed”.

Segundo relato da revista “Rolling Stone”, em dezembro do ano passado, Bowie passou os últimos cinco meses de 2014 trabalhando sozinho nas canções, no estúdio que mantinha em casa --mesmo período em que iniciou a batalha contra o câncer. Em 2015, as gravações começaram com toda a banda reunida.

"Vendo mais, sentindo menos / dizendo não, querendo dizer sim / isto é tudo que eu sinalizei / esta é a mensagem que eu enviei", ele canta na última canção do disco, “I Can’t Give Everything Away” [algo como “Eu não posso abrir mão de tudo”].

Em imagens, na última cena de “Lazarus”, o Bowie profeta entra dentro de um armário, se retirando para sempre do mundo terrestre.