Mito da MPB, João Donato volta ao som dos anos 1970 para se rejuvenescer
João Donato fala como toca, com cadência própria, sem pressa e acompanhado por risos. Segue o mesmo ritmo de quando percorre com as mãos as teclas de um piano, como um pintor instintivo. Pinceladas lentas, mas expressivas. Ele ri da própria personalidade. “E agora estou ainda mais como aquele ditado, sabe? Tranquilo e favorável”, brinca.
Foi apenas com os dedos, sem a necessidade da voz, que João Donato se tornou um dos músicos brasileiros mais importantes internacionalmente, ao lado de João Gilberto, Tom Jobim e Sergio Mendes.
Mas embora tenha moldado a MPB nos anos 1960 e 1970 com a elegância do seu piano, e contribuído com grandes clássicos, muitos com colaborações de peso na letra -- como “A Rã” (Caetano Veloso), “Bananeira”, “A Paz (Leila IV)” e “Emoriô” (Gilberto Gil) --, Donato não é um medalhão midiático e nunca fez parte do dito “esquema”.
Soube disso quando gravou “Quem é Quem” em 1973, no Brasil, após uma temporada nos Estados Unidos. Com som próprio, meio bossa-nova, meio jazz (mas sempre temperado com molho latino) foi cultuado por músicos, e o álbum, listado entre os 100 melhores discos brasileiros da revista “Rolling Stone”. Na hora de lançá-lo, ouviu do dono da gravadora que o trabalho não entraria no “esquemão” de outros artistas.
“Então não vai ter nenhum esquema”, pensou Donato. “Um amigo meu me disse: ‘Se eu fosse você, pegava uma caixa de discos na divulgação, ia ao Outeiro da Glória [morro do Rio de Janeiro], jogava os discos lá de cima e pedia para a televisão filmar'”. Ele obedeceu. Com as câmeras apontadas, jogou cópias de “Quem é Quem” para o alto. “Lancei a meu modo”, ele relembra, gargalhando.
“Donato Elétrico”, seu novo trabalho, lançado pelo selo Sesc nesta semana, não vai passar incólume. O lançamento acontece nesta sexta (11) e sábado (12) no Sesc Pompéia.
Parque de diversão
Acompanhado de uma trupe jovem e libertária – conhecida na cena independente em São Paulo e inspirada por Donato --, o músico evoca o clima psicodélico e experimental de seus trabalhos clássicos dos anos 1960 e 1970, como “A Bad Donato” e “Quem é Quem”.
Sempre acompanhado dos melhores arranjadores durante a carreira, como Laércio de Freitas, Dori Caymmi e Naná Vasconcelos (que morreu nesta quarta-feira, aos 71 anos), o músico conta que saiu do conforto ao entrar em contato com uma turma “cuca fresca”: O produtor Ronaldo Evangelista e os músicos Guilherme Kastrup, Gustavo Ruiz, Curumim; além da big band Bixiga 70, que acompanha o groove também nas apresentações neste fim de semana. A química rolou de cara nos encontros em São Paulo, onde nunca havia gravado.
“É uma galera sensacional. Todo mundo mais jovem que eu. Ficou com a característica bem paulista, bem dinâmico, bem positivo, eu diria que está bem caliente, bem quente”, observa.
Após anos gravando discos com piano acústico (seu instrumento favorito), o músico abriu o porão da memória e sentou novamente de frente a uma profusão de teclados elétricos. Sintetizadores, Clavinet, Fender Rhodes, Moog – muitos dos quais não tocava há 30 anos. “Parecia um parque de diversão”, lembra.
O resultado, ele conta, não sai do aparelho de som em sua casa, no bairro da Urca, no Rio de Janeiro. “Eu fiquei muito feliz em gravá-lo e isso está impregnado nas gravações. Ele transmite de volta uma sensação de bem-estar. Eu me sinto muito bem, coloco o disco para tocar todos os dias”, conta. E ele sabe o quanto essa sensação é rara: “Muitas vezes você termina a gravação e não fica contente com o resultado. Dessa vez não, ficou melhor do que eu esperava.”
O encontro de gerações rendeu um disco vibrante, moderno e dançante – e sem letras, como Donato gosta. “A minha música atravessa estilos, desde antes da bossa nova e depois. Esse estilo seguiu adiante, andou para frente. Isso é muito bom, porque as pessoas com quem eu me relaciono vão se se renovando”, comemora.
Rejuvenescido na casa dos 80, ele se agora parte de um esquema ainda melhor. “Moderno não é aquilo o que você faz hoje, está fazendo agora, é o que não passou da moda. Debussy é moderno até hoje, Ravel é moderno até hoje. Sempre será. E eu acho que sou moderno.”
Serviço:
Lançamento “Donato Elétrico”
Sesc Pompéia
11 e 12 de março, às 21h30
R. Clélia, 93 - Barra Funda, São Paulo – SP
Ingressos à venda no site e na rede Sesc
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