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"Fiz sucesso até chegar na 'bregolândia'", diz Paulo Ricardo sobre anos 90

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

30/03/2016 06h00

Paulo Ricardo está de volta com um novo disco solo de inéditas, batizado apenas de “Novo Álbum”. O trabalho sai cinco anos depois do último álbum do RPM, “Elektra”, lançado em 2011. Nele, o cantor de 53 anos se afasta das composições rebeldes, típicas do RPM, mas não se distância do rock and roll, onde diz habitar.

Em entrevista ao UOL para falar do “Novo Álbum”, o cantor lembrou que fez muito sucesso na década de 90, quando entrou na “bregolândia” com a música “Dois”, composta em parceria com Michael Sullivan. “Foi uma vivência muito rica. Naquela situação, as rádios pop rock torceram o nariz e as populares abriram as portas para mim (...). Agradeci muito, mas não sou daqui”, lembrou.

Ao analisar a trajetória do rock nacional, o cantor culpou a MTV por tirar o ritmo da TV aberta e levar para um nicho das TVs por assinatura. “A MTV criou uma ilusão de que nós seríamos rockstars internacionais quando na verdade ela abriu espaço para as bandas gringas”.

Durante o bate-papo, o cantor falou ainda sobre streaming, "Big Brother Brasil" e o trabalho de jurado no programa "Superstar".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

foto 1 - Bruno Santos/UOL - Bruno Santos/UOL
Imagem: Bruno Santos/UOL
UOL: Você batizou seu novo trabalho de “Novo Álbum”, a banda de "Nova Banda", o show de “Novo Show” e o single de “Novo Single”. Na letra você critica a nova maneira de consumir a música digitalmente. Qual é o problema?

Paulo Ricardo: Há uma constatação e uma brincadeira com a nova mecânica. Com 30 anos de carreira, eu percebi que se perdeu alguma coisa na passagem do vinil para o CD. A minha geração comprava discos as vezes só por causa da capa. Com o digital é só mais um lançamento. Mas, eu não tenho problema com isso. Com esse disco eu trago aquela urgência e aquele perigo de você comprar gato por lebre. O “Novo Single”, na verdade, é um novo trabalho, é um começo de carreira, é tudo novo. Hoje é muito difícil, porque quem tem grandes sucessos e tem muito tempo de carreira, como eu, as pessoas querem sempre ouvir aquilo do passado. Querem ouvir “Rádio Pirata” e “Olhar 43”.

Mas você está lançando o disco também nas plataformas de streaming. Como está lidando com isso?

Não sei como lidar. Estou começando agora. Observo que esse é um nicho muito jovem. A Anitta tem milhões de visualizações e o novo dos Titãs tem apenas mil. Ainda é um território para onde não fui com todas as armas. Percebo que ele pressupõe uma grande visibilidade.

No ano passado, a lista das músicas mais tocadas no Brasil não tinha nenhum rock e era dominada pelo sertanejo. Na sua opinião, qual é o espaço que o “Novo Álbum” vai ocupar?

O rádio é fundamental. Mas você tem que saber qual é o seu nicho. Acho que eu faço um tipo de pop rock bastante abrangente. Há, profissionalmente, uma espécie de divisão muito clara no rádio onde você vai tocar. Ou você é um artista de MPB ou você é sertanejo. Se você for rock, fodeu. Só tem uma ou duas rádios que tocam rock. E nem 10% da programação é nacional. O problema de tudo que é rock, é o gringo. Na rádio, você tem direito a uma edícula ali no fundo. E as rádios pop são basicamente dominadas por Taylor Swift e Justin Bieber.

Em 30 anos de carreira eu sei qual é o tipo de linguagem que eu uso. Minha música tem ido muito bem nas rádios do tipo “adulto contemporânea”. É uma espécie de rádio que mistura um pouco de flashback, MPB e um pop mais sofisticado. Não é uma rádio em que você vai ouvir Anitta ou Taylor Swift. Mas vai ouvir Sade e Ana Carolina. É lá onde eu estou transitando. Observo essa transição da minha geração. Aos poucos estamos saindo das rádios rock e migrando para as outras rádios naturalmente. Como o Nando Reis, Frejat e Arnaldo Antunes.

O cantor Paulo Ricardo lança seu novo disco, batizado apenas de "Novo Álbum" - Bruno Santos/UOL - Bruno Santos/UOL
Imagem: Bruno Santos/UOL

Qual é o seu público, então?

Não sei. Nos anos 90 eu fiz um disco muito eclético e gravei coisas da Adriana Calcanhotto e Edu Lobo, compus com Jorge Israel, Herbert Vianna e Michael Sullivan. A música que eu compus com o Sullivan, “Dois”, foi um enorme sucesso, mas me levou para a “bregolândia”. Foi uma vivência muito rica. Naquela situação, as rádios pop rock torceram o nariz e as populares abriram as portas para mim.

Sou um artista popular e não tenho problema nenhum com isso. Mas eu senti que, artisticamente, seguia uma tendência em me fechar dentro desse estereótipo. Eu regravei “Imagine” [de John Lennon] a pedido da Globo e com autorização da Yoko Ono. Aí eu pensei: “Foi muito boa essa minha passagem pela ‘bregolândia’. Agradeço muito mas, eu não sou daqui". Eu vim aqui, mas sou do pop rock. Vou voltar para o pop rock. Então, o RPM volta com o projeto “MTV RPM” (2002) e eu sigo dali. Eu poderia, dentro da "bregolândia", chegar nas rádios populares e dizer: “Gente, voltei”. Mas não é o caso.

Naquela época, em 1997 e 1998, eu acreditei que poderíamos derrubar os muros entre o Brasil popular e o preconceito da elite. Eu fiz muito sucesso nessa época e tentei acabar com os preconceitos. Acreditei que o meu sucesso era, em si, uma manifestação muito clara de que não havia preconceito.

Nessa época você ficou com "medo" de virar um novo Roberto Carlos?

Não. Tenho a maior admiração pelo Roberto Carlos. Ele foi a minha grande influência. Mas ele é de outra geração. Ele foi para o romântico e eu sou rock and roll. Toda banda tem a sua balada. Os Beatles têm “Hey Jude” e “Let it Be”. O Black Sabbath tem “Changes”. E os Rolling Stones têm “Angie” e “Wild Horses”. Mas eu não sou capaz de fazer um disco só de baladas. Eu morreria de tédio.

Naquela época, eu achei que a gente viveria uma mudança. Mas as rádios são muito preconceituosas. De um modo geral, a mídia pop rock não fomenta o brasileiro. É sempre mais seguro apostar no artista gringo. Já as rádios populares querem que se foda o gringo. As rádios populares não vivem essa esquizofrenia. Eles não têm esse drama de consciência e fomentam o artista nacional, botam eles nas capas das revistas e estouram na rádio e na televisão. E o sertanejo vai lá e diz: “Muito obrigado”. E o artista pop rock fica aí, cheio de complexo de inferioridade.

O cantor Paulo Ricardo lança seu novo disco, batizado apenas de "Novo Álbum" - Bruno Santos/UOL - Bruno Santos/UOL
Imagem: Bruno Santos/UOL

A MTV não ajudou o rock nacional?

A MTV chegou e reduziu o rock nacional naquele canal a cabo. A MTV criou uma ilusão de que nós seríamos rockstars internacionais quando, na verdade, ela abriu espaço para as bandas gringas. Você acha que a MTV, um braço da Viacom, viria ao Brasil para divulgar o movimento mangue beat? Na época ficamos todos felizes. Mas na verdade estávamos saindo da Globo, do Faustão, do Chacrinha, e indo para um canal a cabo que dava traço de audiência. A MTV fomentou a estética do videoclipe mas, de modo geral, mercadologicamente falando, não foi um bom negócio. O sertanejo foi para a TV aberta e nadou de braçada. Eu estou tranquilo porque nós somos o rock clássico dos anos 1980. Nem passa pela minha cabeça me desvencilhar disso.

Atualmente, você acha que as pessoas te reconhecem mais pela sua música no "BBB" e seu trabalho como jurado no programa "Superstar" do que como vocalista do RPM?

O que eu vejo são os pais totalmente eufóricos e os filhos adolescentes com aquela cara: “Pô, quem é esse cara?”. Até que o pai diz para ele: “É o cara da música do BBB”. E aí os jovens respondem: “Ahhhh”. Isso é mais uma prova de que a gente não pode se acomodar. O RPM, pelo tempo de carreira, tem essa tendência a se acomodar porque é confortável a posição que ocupamos. Mas eu tenho muita música composta que quero lançar. Ao mesmo tempo não tenho essa vaidade de ocupar todos os espaços a qualquer preço.

Com esse disco, eu começo um trabalho do zero. Não tenho o desconforto de não estar dialogando com os jovens porque eu não quero forçar uma barra. Tem que vir naturalmente. Eu estou tranquilo porque esses dois programas que você citou, a minha presença é pequena. No "BBB" é só a música de abertura, embora o Pedro Bial sempre diga meu nome. No "Superstar" só teve uma temporada e ficou no ar por três meses. O importante é eu aparecer bem. Eu estou aqui com a humildade de um artista novo para conquistar um novo público. 

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Imagem: Bruno Santos/UOL