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Ópera rock do Dream Theater vai de "Jogos Vorazes" a "Game of Thrones"

Jotabê Medeiros

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/06/2016 00h46

Esqueçam o mundo de alienação interior do Mágico do Fliperama no filme "Tommy" (1969). No século 21, uma ópera-rock que se preze tem que ter tempestades elétricas e elementos de "Jogos Vorazes", "Star Wars" e "Game of Thrones". E, aqui e ali, algum tempero shakespeariano, como um amor impossível à Romeu e Julieta.

O novíssimo trabalho conceitual do grupo de prog metal Dream Theater, de Boston, Estados Unidos, tem uma pitada de tudo isso. A ópera-rock "The Astonishing" baixou na noite dessa quarta-feira (22) no Espaço das Américas, na Barra Funda. Pontualmente às 21h30, o grupo iniciou com "Distopyan Overture", seguido de uma pequena falha no microfone do vocalista, James LaBrie, no momento em que ele iniciou "The Gift of Music".

A ópera toda é emoldurada pelos vídeos, no qual se revezam drones esféricos ameaçadores, castelos art déco e veículos voadores retrô, como em "Flash Gordon", e paisagens new age, pássaros e pântanos e céus explosivos. Ópera espacial moderna, a obra mantém o alerta clássico orwelliano contra o absolutismo. Martelos e machadinhas em profusão, como em "The Wall" (há muitas semelhanças com o conceito do Pink Floyd), dão o tom dramático na segunda metade do show.

Curioso foi ver uma plateia inteira de metal sentadinha nas cadeiras e obedecendo sem problemas ao aviso que a produção difundiu antes do show, proibindo fotos e imagens do espetáculo. Seguranças espalhados por todo lado advertiam os espectadores que o aviso era sério. Apesar do bom público, havia muitos lugares vazios no Espaço das Américas, numa noite de chuva e frio combinados.

Baseado no 13º disco da banda, o álbum conceitual duplo "The Astonishing", o espetáculo pode ser definido como uma guitar opera, porque tudo se concentra em volta dos solos de John Petrucci, um instrumentista de virtuosidade impressionante. Petrucci abarca todo o plot dramático em sua guitarra (e, eventualmente, nos violões). Esse epicentro narrativo parte do seguinte tema: no ano de 2258, o mundo conhecido sofre com a ausência de democracia e de música feita pela mão do homem. Tudo é maquinal, e efeitos analógicos ao estilo Kraftwerk, como em "Power Down", compõem o cenário de desolação desumanizada.

O ambiente de distopia é criado por uma única voz, a do cantor James LaBrie --ele encarna sozinho todos os personagens: homem, mulher, criança e até um coletivo de vozes. Nos telões, os personagens são virtuais, criados com calculada artificialidade, como figuras de videogame. O tecladista Jordan Ruddess, atrás de um teclado giratório que ele empurra para lá e para cá, cria os momentos de contraponto dramático e atua quase como um regente da coisa toda. O baixista John Myung, minuciosamente competente, e o baterista Mike Mangini, envolto por uma bateria ao estilo Neil Peart, completaram o time como um apoio luxuoso.

As 29 canções tocadas foram do álbum que dá nome ao show. O peso do Dream Theater, quando se impõe, mostra uma banda em altíssima rotação, em canções como "The Path That Divides". As baladas são cantadas com domínio de artesão pop por LaBrie, mas às vezes cedem demais à tentação Disney e entediam um pouco --talvez ainda falte ao espetáculo uma produção mais caprichada que vá além dos vídeos, com os alçapões e gruas e estratégias de demolições tão caras a Roger Waters.