Como Liniker roubou a cena com cartas de amor e um pé atrás com o mundo
Não faz nem um ano que Liniker apareceu pela primeira vez pelas timelines da vida com turbante, brinco e batom, cantando que passou "pra dar um cheiro" (já ouviu a música "Louise du Brésil?"). Naquela época, tinha só quatro meses em atividade com sua banda, Os Caramelows, um EP e três vídeos gravados ao vivo, em apenas um take, em uma sala em Araraquara, no interior de São Paulo. Expectativa: alcançar, com sorte, 25 mil visualizações em dois meses. Realidade: chegar a 1 milhão em cinco dias.
Desde então, muita água tem rolado por baixo da ponte de Liniker. Até que, na semana passada, os ingressos para as duas apresentações que vai fazer no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, nos dias 1º e 2 de outubro, se esgotaram em uma hora. É na grandiosa casa de shows, com capacidade para 1.600 pessoas nos dois dias, que Liniker vai lançar o primeiro álbum, "Remonta".
Um pequeno fenômeno afervorado pela voz carregada de soul do cantor de 21 anos e sua posição política ao transitar no terreno da androginia, mas não só. "Acho que as pessoas se sentiram muito próximas das letras e da música, sabe?", reflete Liniker. "Eu escrevi sobre coisas do meu cotidiano, e a gente passa por coisas muito parecidas. Era uma bicha falando de amor, mas o hétero também estava ali se reconhecendo. Foi uma proximidade".
Esse olhar sobre o amor visceral e os relacionamentos idealizados do início da vida adulta é também a bússola de "Remonta", lançado este mês nas plataformas digitais. Com produção de Marcio Arantes (que já trabalhou com Tulipa Ruiz e Ná Ozzetti), a estreia em um estúdio profissional traz um som mais encorpado, no lastro da vivência intensa na estrada (afinal, foram mais de 80 shows em oito meses).
Vida independente
Assim como Liniker, "Remonta" chega independente. E não por falta de oportunidade: a banda recusou cada convite recebido das gravadoras nos últimos meses.O motivo da rejeição é em parte por militância e outra, por pura desconfiança, o que os leva ainda hoje a não tocar em alguns programas de TV ou conceder entrevistas para determinadas publicações.
"Não fazia sentido dentro da nossa construção [estar amarrado em uma gravadora]. O projeto do disco surgiu a partir do público, não foi algo provocado. Mas a gente é do interior, a gente tem o pé atrás com tudo", diz, rindo, o baixista Rafael Barone, 30.
No lugar do velho esquema da indústria, eles abriram um financiamento coletivo para bancar a produção do álbum. Precisavam de R$ 70 mil e, no fim, arrecadaram R$ 104 mil, tudo em pouco mais de 30 dias. Um valor bem superior ao que Liniker conseguia arrecadar quando passava o chapéu ao cantar na boêmia Praça Roosevelt, na capital paulista. "Nunca estudei para cantar. Era tímida, só cantava para as amigas. Essa foi a primeira vez que eu entrei em um estúdio", diz Liniker, que se refere no gênero feminino.
Com o sonho do disco realizado em tão pouco tempo, surgem outras necessidades. "Tem muita coisa que a gente quer fazer", diz Barone, que, como Liniker, aprendeu o ofício no caminho. "Agora a gente fez um combinado que todo mundo vai estudar música."
Ressignificado
Com voz grave e aveludada, Liniker trouxe para "Remonta" as cartas de amor que escreveu para amigos e, como fez questão de ressaltar, "para os boys". "Eu estou escrevendo esse disco desde meus 16 anos", conta. "É uma coisa de remontar mesmo para estar forte sempre. Para ressignificar essas coisas de amor, esses laços que a gente tem de relacionamentos, alguns até abusivos."
Como sugere a faixa-título, as fossas do passado também podem ser revitalizadoras. "Como se não bastasse a guerra também de te ver todo dia, meu bem / Tem o dissabor dessa ferida, tem / Que germina na pele e insiste em ficar / Remonta o amor", Liniker canta logo no início do disco, como epílogo desses casos e seus (re)significados. Entre elas, velhas conhecidas dos fãs, como "Tua", escrita aos 16, e "Zero", aos 19, que ganham o groove mais azeitado, agora o reforço de cordas e metais.
Das novas, o funk "BoxOkê", escrita com Tássia Reis, com participação da rapper e da banda Aeromoças e Tenistas Russas, faz do batom o escudo de proteção, enquanto o bolero "Você Fez Merda" manda a real no grave e no agudo: "Tá tão fácil, cowboy, recusar um amor / Só eu sei o quanto me dói".
"Não tem como eu cantar e não lembrar do porquê que eu escrevi uma música, mas penso: 'Em qual momento da minha vida que essa música me cabe agora?'. É muito esse lugar de jogar para o presente, por mais que sejam cartas do passado. É como se eu botasse para fora e agora é do mundo".
Se o recado é entendido pelo destinatário, nunca soube. "Mas acho que eles devem sentir", ri.
Serviço:
Liniker e os Caramelows - lançamento do disco Remonta
Dias 1 e 2 de outubro, sábado e domingo, às 21h e 19h
Ingressos: R$20 e R$10 (meia entrada) - Esgotados
Classificação indicativa: Livre.
Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer
Capacidade: 806 lugares
Av. Pedro Alvares Cabral, s/n – Portão 2 do Parque do Ibirapuera, São Paulo
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