Chester Bennington fez do peso de sua existência um alívio para os fãs
No refrão de "Heavy", single lançado no início deste ano pelo Linkin Park, o vocalista Chester Bennington prolonga as notas como de costume, mas soa diferente. As melodias esticadas não são acompanhadas pela voz rasgada que o mundo conheceu no ano 2000, quando o sexteto norte-americano lançou "Hybrid Theory", álbum de estreia marcado pela fúria potente da voz de Bennington.
"Heavy" foi o carro-chefe de "One More Light", disco lançado em maio, e causou estranhamento a fãs e críticos. Na faixa, as notas limpas de Chester flutuam sobre uma base estranhamente doce, mais próxima do pop eletrônico do que da intensidade roqueira que popularizou o Linkin Park na virada do século.
Um tema, no entanto, liga os dois universos separados por 17 anos de êxito comercial e flertes com diferentes vertentes do rock moderno: uma angústia indomável, constante, frequente. Em "Heavy", mesmo sobre a base instrumental discrepante, Chester discorre sobre se agarrar com dificuldade a algo que deixa tudo mais pesado ("heavy", em inglês), e sobre como soltar as mãos talvez o faça finalmente livre.
Foi com essa habilidade de resumir em versos passionais as dores do amadurecimento que, em quase duas décadas de trajetória, Chester Bennington, morto aos 41 anos após cometer suicídio nesta quinta-feira (20), virou símbolo de uma nova geração do rock, e fruto de admiração de adolescentes e jovens adultos em todos os cantos do planeta.
Nascido em Phoenix, Arizona, em março de 1976, Chester cresceu torturado por uma história familiar triste. Por anos, foi vítima de abusos sexuais recorrentes cometidos por um amigo próximo da família, e, após a separação dos pais, se tornou dependente químico. Ainda adolescente, cogitou o suicídio, e foi perseguido pela depressão e pelo vício durante a maior parte da vida.
Paralelamente, havia a música. Chester se afeiçoou ainda cedo pela escuridão sentimental da cena inglesa dos anos 80, embalado por The Cure, Depeche Mode e The Smiths. Aos poucos, também se encantou pelo hardcore americano que brotava na mesma época, e viu de perto a explosão da cena grunge, onde encontrou em ídolos como Kurt Cobain, Chris Cornell e Scott Weiland exemplos de como transformar a própria dor em versos e letras. Passou então a escrever compulsivamente, e passou a cantar nas primeiras bandas.
Enquanto Chester engatinhava pelo universo musical, o rock americano se transformava em algo novo, ganhando groove e peso através do pioneirismo de bandas como Faith No More e Rage Against the Machine, além de forte influência do rap e do hip-hop. Eventualmente, Chester foi convidado a cantar no Xero, banda californiana que começava a se aventurar nesse novo som, posteriormente chamado de new metal.
Deu certo. A química entre o vocalista e a nova banda foi imediata, e após ver o potencial da aliança entre Chester e Mike Shinoda, o outro vocalista do Xero, o grupo mudou de nome para Linkin Park. Rebatizada e renovada, a banda encontrou um som que, mesmo reverberando no new metal de Korn e Limp Bizkit, destoava dos dois por apostar em letras mais sentimentais --antecipando a geração emo dos anos 2000-- e produção influenciada por timbres eletrônicos. Tudo isso amarrado em fórmulas e estruturas essencialmente pop, que fizeram o Linkin Park ser rapidamente alçado aos lugares mais altos das paradas comerciais.
Após dois álbuns de muito sucesso, "Hybrid Theory" e "Meteora", o Linkin Park tentou se distanciar do new metal, já decadente, com passeios pelo rock alternativo ("Minutes to Midnight", 2007), pela eletrônica ("A Thousand Suns", 2010) ou até revisitando o passado com nova roupagem ("Living Things", 2012, e "The Hunting Party", 2014).
Enquanto isso, Chester se aventurava por conta própria. Descartou o hip-hop no projeto paralelo Dead By Sunrise, com quem lançou um único álbum, e chegou a integrar o Stone Temple Pilots, uma de suas maiores referências, após a saída conturbada de Scott Weiland em 2013. Weiland morreu pouco depois, de overdose, em dezembro de 2015.
Nos últimos meses, a vida de Chester Bennington parecia turbulenta. A recepção negativa a "Heavy" e a "One More Light" gerou embates diretos do vocalista com fãs decepcionados, e Bennington chegou a ser alvo de objetos jogados pelo público durante performance no festival francês Hellfest, em junho.
Pouco antes, em maio, Chris Cornell --ídolo e amigo pessoal de Bennington-- se matou. Consternado, Chester cantou no funeral de Cornell, onde emprestou a voz à melancolia reflexiva de "Hallelujah", clássico de Leonard Cohen imortalizado por Jeff Buckley. E neste 20 de julho, aniversário de Cornell, seguiu os passos finais do ex-vocalista do Soundgarden, e se matou da mesma maneira.
Se a coincidência foi intencional ou um acaso triste, talvez nunca saibamos ao certo. Talvez nem importe saber. As circunstâncias das mortes de tantos e tantos ídolos do rock variam, mas parecem frequentemente conectadas a um talento comum a Bennington, Cornell, Cobain, Weiland, Cohen e Buckley: a de transformar o peso das próprias existências em alívio para milhões de fãs.
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