Spinal Tap comemora com novo CD os 25 anos do filme que a criou como banda fictícia

GARY GRAFF
The New York Times Sindycate

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    Os integrantes da banda fictícia Spinal Tap, em cena do filme "This Is Spinal Tap" de 1984

    Os integrantes da banda fictícia Spinal Tap, em cena do filme "This Is Spinal Tap" de 1984

Quando se trata de vida que imita a arte, e de arte que imita a vida, e assim por diante, ninguém faz isso melhor do que o Spinal Tap. O filme de 1984, "This Is Spinal Tap", nos apresentou uma banda de hard rock britânica envelhecendo de forma nada graciosa: seus bateristas tinham uma tendência de morrer por combustão espontânea e nos deixar vê-la se desintegrar diante de nossos olhos. Era claramente uma ficção, um documentário de mentira extremamente engraçado e preciso sobre a indústria musical, escrito pelo diretor Rob Reiner e pelos atores Christopher Guest, Michael McKean e Harry Shearer.

Mas algo inesperado aconteceu: um quarto de século depois, o Spinal Tap ainda está aqui. O grupo lançou mais dois álbuns, incluindo "Back From The Dead" (2009), tem feito turnê e participado de grandes eventos, como o Live Earth em 2007, quando contou com a participação de 19 baixistas convidados para uma versão épica do hino "Big Bottom", e no festival do Glastonbury deste ano na Inglaterra.

No dia 27 de junho, o grupo chegou a anunciar sua aposentadoria no início do "Late Night With Jimmy Fallon", mas no final do mesmo programa informou sobre seu retorno. Assim, ao mesmo tempo em que é celebrado o 25º aniversário do filme (que sai agoora em DVD Blu-Ray), Derek St. Hubbins (McKean), Nigel Tufnel (Guest) e Derek Smalls (Shearer) continuavam ativos, com a linha divisória entre a sátira e a realidade tão embaralhada quanto o cabelo de Weird Al Yankovic.

"Ainda somos uma paródia", diz McKean, de 61 anos. "Nós não tínhamos a intenção de fazer uma sequência, então estamos fazendo uma coisa que convida o público para algo mais. E o público que atraimos está interpretando o papel dos fãs do Spinal Tap no filme, assim como estamos interpretando o Spinal Tap".

É neste ponto que as coisas ficam nebulosas. Os três atores, todos ex-integrantes do programa "Saturday Night Live" e veteranos das comédias de Guest, como "O Melhor do Show" (2000), "Os Grandes Músicos" (2003) –-no qual apresentaram outra banda de mentira, os Folksmen–- e "Por Trás das Câmeras" (2006), falam dos personagens e da banda na terceira pessoa.

TRAILER EM INGLÊS DO FILME
"THIS IS SPINAL TAP" (1984)

"No filme, era claramente um universo alternativo, todas as referências eram de pessoas fictícias", diz Shearer. "Agora o Spinal Tap precisa interagir com o mundo real, com pessoas reais. Nós não mais o ridicularizamos. Essa é a própria coisa e, sim, as coisas às vezes ficam nebulosas. A vida do grupo agora é mais longa do que a vida da banda no filme. A vida real ultrapassou a vida fictícia. Isso é um tanto idiota".

Guest, de 61 anos, também acha bizarro. "Certamente é surreal, porque por anos você leu coisas sobre esta banda fictícia. Agora ela não é mais fictícia". Os três até mesmo dão entrevistas interpretando os membros do Spinal Tap, geralmente atacando o filme, que é narrado por Reiner como o cineasta Marti DiBergi. "Um trabalho difamador", diz Shearer, de 65 anos, na pele de Smalls. "Foi apenas algo em que DiBergi se concentrou para poder dizer: 'eis um bando de idiotas', não foi? Nós somos uma banda mais madura".

Heavy metal como paródia
A jornada do Spinal Tap da ficção para a realidade teve início com um segmento do piloto do programa humorístico de Reiner, "The TV Show" (1979). Mas ele e os três atores gostaram tanto do esquete que começaram a explorar outras formas de exibir a banda, o que levou ao filme. "This Is Spinal Tap" é uma paródia cheia de improvisos que explora os estereótipos do heavy metal visando rir da indústria musical e do que Shearer chama de "bandas sem nome, sem rosto, medíocres, e que aparentemente sem nenhum motivo sobrevivem um milhão de anos".

DiBergi acompanha a banda durante uma turnê norte-americana que previsivelmente dá errado, com material pirotécnico que não funciona, uma sessão de autógrafos em loja de disco na qual apenas a banda comparece e apresentações marcadas erroneamente em uma base da Força Aérea e em um parque de diversões. Nas entrevistas, os integrantes da banda falam seriamente sobre suas habilidades, realizações e ambições.

Grande parte do filme se baseia em histórias reais do mundo do hard rock. A data marcada em uma base militar, por exemplo, de fato aconteceu com a banda Uriah Heep. O problema com um cenário de Stonehenge, que é construído em miniatura cômica no filme, brinca com um cenário do Black Sabbath que provou ser grande demais para a banda levar na turnê. "É genial", diz Phil Collen do Def Leppard, que participa do novo álbum do Spinal Tap, em uma entrevista separada. "Eles captaram isso perfeitamente. Eu nunca vi nada feito tão bem. Eles pegaram cada pequena idiossincrasia que faz parte desse mundo".

Em uma outra entrevista, Nancy Wilson, do Heart, lembra ter visto "This Is Spinal Tap" no cinema, quando foi lançado. "Nós tínhamos acabado de lançar nosso pior álbum e maior fracasso do mundo. Era tudo verdadeiro demais", ela diz rindo. "Era a verdade dolorosa daquilo. A melhor comédia vem da dor mais profunda, eu acho, e não dá para superar a realidade em busca de bom material". Ozzy Osbourne, o ícone do heavy metal, também assistiu ao filme em 1984. "Todo mundo sentado ao meu redor estava rindo", ele recorda em uma outra entrevista, "e eu dizia: 'do que vocês estão rindo? Isso realmente aconteceu!'".

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    "This Is Spinal Tap" é uma paródia com improvisos que explora os estereótipos do heavy metal

Algumas pessoas que assistiram o filme na época do lançamento também acreditaram que era tudo verdade. Donos de lojas de discos disseram que pessoas pediam alguns dos álbuns de mentira mencionados no filme, e Guest, McKean e Shearer ainda riem a respeito das pesquisas junto ao público, que mostravam que nem todos estavam entendendo a piada nas primeiras exibições. "Muita gente nos perguntava: 'por que não fizeram um filme a respeito de uma banda melhor?'", questiona Shearer.

Mas esta é a mágica de "This Is Spinal Tap": com seu tom contido e de blefe, o filme nunca recorre ao absurdo ou ao pastelão descarado, e até mesmo a música é metal comum passável. "Não há nada na superfície que é necessariamente engraçado a respeito dessas coisas", diz Guest. "Nós levamos a parte musical muito a sério. Nós tocamos como o Spinal Tap tocaria. Temos uma boa ideia de quem os personagens são, que tipo de canções comporiam e de como as interpretariam".

A grande sacada é ver o mundo pelos olhos de seus personagens, diz Shearer. "Quando nos apresentamos como Spinal Tap ou como os Folksmen, há algo como: 'sim, nós estamos fazendo isso como outros músicos, não como nós mesmos'. Podemos tocar de forma diferente, de acordo como achamos que eles o fariam. Então essa é uma camada diferente que é acrescentada a ela", ele conta.
 
Um novo álbum mais pesado
O trio primeiro trouxe o Spinal Tap de volta para o álbum "Break Like The Wind" (1992), que contou com participações especiais de Jeff Beck, Cher, Joe Satriani, Slash e Dweezil Zappa, além de um texto irônico de Walter Becker, do Steely Dan. O álbum foi acompanhado por uma turnê e um especial de televisão. O grupo fez uma breve turnê de "Back From The Dead" em 2001, com os Folksmen abrindo alguns dos shows.

Neste ano, Guest, McKean e Shearer tocaram versões acústicas de canções do Spinal Tap durante a turnê "Unwigged & Unplugged" na América do Norte, mostrando ao público o segmento original do Spinal Tap do "The TV Show" e lendo em voz alta o memorando do Departamento de Práticas e Padrões da NBC, que apontava as muitas partes de "This Is Spinal Tap" que eram inadequadas para exibição pela TV, mesmo no horário geralmente de fim de noite do programa "Saturday Night Live".

Como coloca Shearer, a sensação de que "provavelmente deveríamos fazer algo" para o 25º aniversário do filme levou ao álbum "Back From The Dead", que inclui versões de estúdio para canções que foram apresentadas ao vivo no filme, além de material inédito, como a apresentação em três partes de "Jazz Odyssey" e a abertura para "Saucy Jack", um musical a respeito de Jack, o Estripador.

Essa é a versão de Shearer. Seu alter ego, Smalls, vê de forma diferente. "Nós conseguimos gravar um álbum mais pesado do que qualquer um que gravamos antes", diz Shearer como Smalls. "Ele provavelmente seria o disco mais pesado do Spinal Tap já lançado, então pensamos: 'bem, por que não?'".

O futuro do Spinal Tap, como sempre, está no ar. Após o Glastonbury, o grupo apresentou a "Turnê Mundial de Uma Só Noite" na Wembley Arena, em Londres e mais algumas aparições em programas de televisão de fim de noite. Smalls assegura aos fãs decepcionados que ficar longe da estrada "é uma forma de assegurar que não disseminaremos a gripe suína".

No momento, entretanto, todos os três atores retornaram aos seus empreendimentos individuais. Shearer voltou a fazer as vozes para "Os Simpsons", por exemplo, mas ele está confiante de que o mundo ainda ouvirá mais do Spinal Tap. "Nós não somos grandes fãs de nos repetirmos", diz Shearer, "mas com o Spinal Tap nós descobrimos formas de encontrar novas ideias. Eu imagino que isso continuará. Ao menos enquanto mantivermos a boa aparência com as perucas".

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan)

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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