Em baixa no pop brasileiro, bumbum virou hit nas paradas americanas de 2014
Se o pop feminino de 2014 pudesse ser definido em três palavras, elas seriam feminismo, diversidade e corpo. E em se tratando de corpo, a bunda foi a maior estrela do pop deste ano. Ela esteve onipresente nos clipes, nas apresentações e até nas letras de todas as artistas americanas de destaque no período, como Nicki Minaj, Beyoncé, Jessie J., Taylor Swift e Arianna Grande. Se antes a bunda era assunto e preferência de brasileiros, em 2014 os EUA transformaram-na em êxito comercial.
Lá nos Estados Unidos, o reinado da bunda começou na verdade em 13 de dezembro de 2013, quando Beyoncé lançou, sem aviso, o álbum “Beyoncé”, que estourou nas paradas e que concorre ao prêmio de melhor álbum do ano no Grammy Awards.
Mais uma vez a cantora, cujo álbum contém letras como “let me seat this ass on you” (deixa eu sentar essa bunda em você) em uma balada romântica chamada “Rocket”, fetichiza o corpo ao mesmo tempo em que flerta com o feminismo e critica a ditadura da beleza em músicas como “Pretty Hurts” e “Flawless”. No VMA da MTV, quando Beyoncé apresentou todas as músicas do disco em um medley e onde ela fez a coreografia de “Partition” em uma cadeira erótica, exibiu no telão atrás de si um discurso feminista da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie: “Nós ensinamos às meninas que elas não são seres sexuais do mesmo jeito que os meninos são. Ensinamos às meninas a se encolherem, para se tornarem ainda menores. Dizemos às meninas: ‘vocês podem ser ambiciosas, mas não muito bem sucedidas, senão ameaçarão os homens.’ Feminista: a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos.”
Nesta mesma onda, Nicki Minaj e seu hit “Anaconda” causam controvérsia no debate machismo versus feminismo. A letra da música fala em dois caras que ela conheceu e que falavam que suas “anacondas” só gostam de bundas grandes. No clipe, no entanto, Minaj usa seu traseiro de forma a enlouquecer o rapper Drake, que também participa da música. Quando ele tenta tocá-lo, ela lhe dá um tapa na mão e o deixa chupando o dedo.
Em entrevista à ABC, ela conta que suas cenas do no clipe (uma delas cortando uma banana) fazem contraste com a letra machista. Minaj disse ainda que a letra quer reforçar que meninas de bunda grande também são bonitas, já que, segundo ela, os homens de hoje em dia estão valorizando apenas mulheres magras. “A cena da banana é importante porque mostra a mulher na posição de poder. E quero dizer as meninas [de bunda grande] que elas também são bonitas.”
As branquelas
Como há algum tempo que a hegemonia na música pop americana é dos artistas negros, artistas brancos cada vez mais tentam emular o hip hop, o rap, o R&B, o soul e, no pop feminino, a bunda.
No VMA 2013, Miley Cyrus causou dançando twerk e esfregando o traseiro em Robin Thicke. Sua turnê que passou pelo Brasil neste ano, a “Bangerz Tour”, mostrava a ex-Hannah Montana abusando da sensualidade em performances consideradas inapropriadas ao público adolescente, principal base de fãs da cantora.
A ousadia de Miley, contudo, foi a deixa para que outras “branquelas” como Jessie J., Ariana Grande e Taylor Swift se apropriassem de mais esse elemento da cultura negra; mesmo não tendo os mesmos atributos, como é o caso de Ariana, que de grande só tem o sobrenome; ou sob a forma de uma suposta sátira, como Taylor Swift com seu hit “Shake it Off”.
E falando em Ariana Grande e Jessie J., as duas se juntaram a Nicki Minaj em outro hit que fala sobre... bunda! “Bang Bang” foi destaque nas paradas, desta vez falando de bundas grandes sob o ponto de vista de Jessie. “Ela tem uma bunda igual a um Cadillac, mas eu posso te fazer andar em alta velocidade.”
Tal apropriação de elementos da cultura negra deixou irritada a cantora Azealia Banks. Em entrevista ao site Pitchfork, especializado em música, criticou o soul e o hip hop brancos e disse que isso é cultura “regurgitada e forçada”.
“Acreditem. Não estou ofendida. Se elas querem ser consideradas superssexualizadas e ignorantes a cada vez que abrem a boca, então engulam isso! Agora, mais importante que isso é que sua arte não é boa. É essa impressão que vocês têm das mulheres negras? Preciso conhecer as mulheres negras que vocês estão imitando, porque eu nunca conheci uma negra que aja de forma tão bizarra. E o mais louco é que isso se tornou a cultura predominante e toda a América está celebrando essa merda.”
Movimento inverso
Enquanto isso, no Brasil, artistas femininas que ascenderam na carreira na base do "butt power" se “refinaram”. Valesca Popozuda, por exemplo, agora tenta se livrar de seu “sobrenome artístico”. No site oficial da cantora, o release de sua assessoria de imprensa a coloca como “Valesca dos Santos, vocalista da Gaiola das Popozudas”. O material de divulgação continua dizendo que “hoje, Valesca é a voz da mulher da favela, da classe média e do condomínio de luxo”.
Isso tudo aconteceu depois que a cantora de “Beijinho no Ombro”, participou de ensaio na revista Vogue e passou a ser tratada como ícone da moda e do feminismo, “filósofa contemporânea”, chegando a financiar a viagem de uma professora de Paraisópolis aos EUA para apresentar um trabalho que analisa as letras de funk cantadas por mulheres no Brasil.
Sua postura feminista, no entanto, foi contestada tanto por machistas, que acham erroneamente que feministas são, por definição, mulheres sem apelo sexual, quanto por feministas, que dizem que a letras como “Beijinho no Ombro [para todas invejosas]” e “Eu Sou a Diva que Você Quer Copiar” apenas colocam as mulheres em posição de enfrentamento.
“Zen feminismo”
Além de Valesca, outra que se sofisticou na forma foi Anitta. Após uma plástica no nariz, a cantora deixou um pouco de lado a persona "poderosa" para se tornar "Zen", nome de seu novo sucesso que ela apresentou no Grammy Latino no estilo banquinho e violão.
Criticada igualmente por feministas pelo hit “Show das Poderosas”, que também sugere um enfretamento entre mulheres, Anitta protagonizou uma polêmica feminista com Pitty, no programa “Altas Horas”, ao afirmar que muitas mulheres têm dado em cima dos homens, o que, em sua opinião, não é legal para a imagem feminina. "Acho que se a mulher não se respeitar, ninguém vai respeitá-la.”
Pitty, que afirmou ter recusado posar nua pela forma como revistas masculinas retratam a mulher, retrucou na hora: “O que se diz de uma mulher de respeito é diferente do que se diz de um cara de respeito, e isso me incomoda.”
Barba e prótese
Ainda em se tratando de corpos no pop, 2014 foi o ano da diversidade. Enquanto a atriz transgênero Laverne Cox faturou uma indicação ao Emmy por seu papel em “Orange is the New Black”, uma drag queen barbuda foi a vencedora do Eurovision, o maior concurso de música pop europeia, que já revelou artistas como Abba e Celine Dion.
Com a canção “Rise Like a Phoenix”, Conchita Wurst foi ovacionada na final do concurso, exibido pela TV europeia. No entanto, a artista (cujo nome é um trocadilho sexual, já que concha é vagina em espanhol e wurst é linguiça em alemão) causou repulsa em políticos russos, que sugeriram retirar o país do Eurovision e criar um concurso chamado vozes da Eurásia, que impediria a participação de artistas transgênero e homossexuais.
Por fim, no último domingo (15), foi revelada na final do “X-Factor” Reino Unido uma nova aposta do pop em termos de diversidade. Viktoria Modesta, uma cantora pop que amputou parte da perna esquerda aos 20 anos, lançou no reality show o clipe de sua música “Prototype”, que ela exibe as próteses mais hi-tech em uma coreografia para quebrar todos os tabus. Ao fim do vídeo, uma mensagem: “Alguns de nós nasceram para ser diferentes.”
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