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Análise: Brasileiros roubam a cena no dia dos veteranos no Rock in Rio

Alexandre Matias

Colaboração para o UOL, do Rio

21/09/2015 07h00

O terceiro dia do Rock in Rio 2015 foi o dia mais tranquilo do fim de semana, especialmente devido às atrações. Se o sábado foi marcado pelo som pesado, o domingo foi o dia da leveza --ou do sono, dependendo do ponto de vista. Até os principais nomes da noite, os veteranos Elton John e Rod Stewart, que fizeram suas reputações tocando rock, optaram por versões brandas de seus hits e muitas baladas em seus setlists.

Isso não significa que o domingo tenha sido sem graça ou devagar. Pelo contrário: as atrações brasileiras dos dois palcos principais roubaram a cena e fizeram shows melhores até que os de alguns estrangeiros consagrados. O dia começou com uma apresentação impressionante de Alice Caymmi, a neta-prodígio de Dorival, que abandona toda a serenidade e sossego de seu clã para aventurar-se pela música eletrônica. Como se não fosse suficiente, o show ainda subiu alguns degraus depois que o maestro Eumir Deodato, que já gravou com Tom Jobim e Björk, assumiu os teclados elétricos e conduziu a sessão de cordas que já acompanhava a cantora.

Baby do Brasil - Reprodução/Multishow - Reprodução/Multishow
Baby do Brasil abraça Pepeu Gomes e o filho, Pedro Baby, durante show
Imagem: Reprodução/Multishow

Ainda de dia, aconteceu o emocionante reencontro do ex-casal Baby Consuelo --que hoje assina como Baby do Brasil-- e Pepeu Gomes, ex-integrantes dos Novos Baianos que seguiram em carreira de casal depois do fim da banda, nos anos 70. Baby e Pepeu foram acompanhados de seu próprio filho, o guitarrista Pedro Baby, arquiteto da reconciliação dos dois no palco.

Os Paralamas do Sucesso também não tiveram dificuldade ao abrir os trabalhos do Palco Mundo e colocaram a multidão no bolso, com sua já tradicional eficácia técnica e um repertório que humilha a maioria das bandas de rock do Brasil. Hit atrás de hit, conquistaram a plateia sem dificuldades e fizeram um show espetacular.

Estes três shows brasileiros sambaram na cara da fútil bobagem que é o grupo canadense Magic!, uma banda com um hit só OK e um repertório que é pura encheção de linguiça; e do papa da pasmaceira John Legend, que fez um show repleto de músicas que só funcionam para o público norte-americano, baladas intragáveis mela cueca. Os dois tocaram no Palco Sunset para um público que não era nem metade do que assistiu a Baby e Pepeu. As atrações nacionais podiam ser remanejadas para mais tarde, e esses dois estrangeiros nem precisavam ter vindo.

O show de Legend é tão sem graça que fez o de Seal parecer bom. Dono de poucos hits da FM do início dos anos 1990, ele mostrou-se um mero entertainer genérico e seu show só serviu para fazer mais casais se sentarem no chão.

O domingo terminou com dois veteranos que também não tiveram dificuldades para conquistar o público --os repertórios de Elton John e de Rod Stewart têm tantos sucessos quanto o dos Paralamas. Os dois não vivem seus melhores momentos e as vozes já não funcionam tão bem como antigamente (a de Elton pior que a de Rod), mas são décadas de experiência na condução de multidões.

Trajes à paisana

A diferença deste terceiro dia para o primeiro era que ninguém estava querendo se passar por jovem ou encarnar algum espírito rock and roll para fazer jus ao nome do festival. Foram shows que respeitavam a idade de seus artistas e do público --nos dois casos a média de idade mais alta do festival até aqui-- e ofereceram música em vez de poses de vovô-garoto.

Fã de Elton John - Zulmair Rocha/UOL - Zulmair Rocha/UOL
Fã de Elton John com a camiseta que usou no Rock in Rio de 1985
Imagem: Zulmair Rocha/UOL

Era um público mais velho, mais família e menos festeiro. Casais de todas as idades circulavam como parte de uma imensa multidão mansa, que andava pela Cidade do Rock mais interessada em ver os shows e passear pela área do festival do que comprar tudo compulsivamente, como nos dias anteriores. As lojas estavam menos lotadas do que nos outros dias, as filas eram menores e até a ida aos brinquedos de parque de diversão não foi tão disputada como sexta e sábado.

Ao contrário da sexta, não tinha ninguém fantasiado de roqueiro. E, diferente do sábado, quase não havia camisetas de bandas (mas já imaginou alguém usando uma camiseta do Seal?). O traje era à paisana, todo mundo com roupas que usam no dia a dia. E em vez das massas se espremerem para ir da Rock Street para o Palco Mundo, ou do Palco Mundo para o Sunset, o que mais se via eram casais e famílias estirando cangas e toalhas de praia no chão para curtir os shows do festival como trilha sonora para um domingo no parque. Isso reduziu drasticamente a velocidade do festival, que ficou com poucas alas para o trânsito das pessoas, que caminhavam lentamente entre pequenas multidões sentadas no chão.

No fim, o domingo que parecia trivial, surpreendeu, principalmente pelas atrações brasileiras. Resta saber quando é que o festival irá colocar uma atração nacional no topo da escalação de um de seus dias. Nem é ufanismo: a qualidade dos shows de Alice Caymmi, Baby e Pepeu e dos Paralamas prova que nosso pop já tem artistas aptos a entrar no primeiro escalão do Rock in Rio.