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Florence + the Machine encerra Lollapalooza com mergulho no mundo das fadas

Leonardo Rodrigues*

Do UOL, em São Paulo

13/03/2016 22h22Atualizada em 14/03/2016 15h01

Pela terceira vez no Brasil, a banda inglesa Florence + the Machine encerrou o festival Lollapalooza Brasil 2016, que recebeu neste domingo (13) 75 mil pessoas, segundo a organização do evento. O grupo promoveu o que mais parecia um imenso e molhado culto indie. A "sacerdotisa" é a vocalista Florence Welch, 29, com seus trejeitos e visual de fada de Avalon. A banda, com direito a harpa e coral de backing vocals, cumpre o papel dos sacristães. Os fiéis: os milhares que se esgoelaram acompanhando a ruiva até o fim da apresentação.

Exageros à parte, foi da Florence + The Machine que vieram os momentos de maior participação da plateia no festival, desde o início, com a etérea "What the Water Gave Me". Entre letras sobre a frugalidade da vida e o amor maior, o carisma da vocalista fala alto. No palco, com um longo e transparente vestido azul, ela demonstrou energia correndo de um lado para o outro em toda a oportunidade que teve, chegando a se debater em sua catarse pós-moderna. Só sossegou na hora de cantar suas baladas, com um brilhante telão de espelhos ao fundo.

Toda essa personalidade artística, somada a uma certa timidez e canções de refrões ganchudos, fazem Florence ser adorada pelo público, principalmente o feminino. Assistir a um show dela é se acostumar com coros, palmas e choros surgindo a todo instante, e ela entendeu essa mensagem ao descer até a trincheira que dividia a pista para cantar com os fãs. Saiu de lá mais molhada de garoa e com a bandeira do Brasil, girando sobre seu eixo como uma Kate Bush do século 21.

"Nós também te amamos", respondeu ao público, com voz embargada, quase infantil, contrastando com seu vocal expansivo. Em seguida, começou a apresentar as faixas de seu álbum mais recente, "How Big, How Blue, How Beautiful". Pouco depois, ela fez mais homenagem aos brasileiros. "Essa é para vocês que a pediram", emendando "No Light, No Light", na qual toca tambores em uma introdução sombria --talvez o único instante de testosterona da noite.

Com poucas variações de climas, o show manteve a toada pop fofa praticamente até o fim. Os destaques foram para "Shake it Out", "You've Got the Love" e a mais pedida "Dog Days Are Over", na qual conclamou todos a se abraçarem dizendo "eu te amo". O Lollapalooza virou Woodstock. Talvez o discurso mais involuntariamente adequado para nossos tempos de intolerância política.

Veja o setlist do show de Florence + the Machine no Lollapalooza Brasil 2016:

What the Water Gave Me
Ship to Wreck
Shake It Out
Bird Song Intro
Rabbit Heart (Raise It Up)
Delilah
Sweet Nothing
How Big, How Blue, How Beautiful
Queen of Peace
No Light, No Light
Spectrum
You've Got the Love
Dog Days Are Over

Bis:
What Kind of Man
Drumming Song

O segundo dia de Lollapalooza Brasil 2016

De volta na praça, o Planet Hemp segurou a bronca em encerrar o palco Axe com um show pesado, enquanto no palco principal o pop reinava com Florence + The Machine. A banda de Marcelo D2 não economizou nas críticas à política brasileira no horário mais nobre do evento --algo raro para atrações nacionais em festivais. O grupo brincou com a escalação de ultima hora, após o cancelamento do show de Snoop Dogg, e o que deixou a banda em uma posição rara na programação do festival. "Sem Snoop e com [Bob] Marley morto, qual maconheiro sobrou? Chamaram o Planet Hemp", disse D2.

Já no liquidificador dos produtores e DJs Diplo e Skrillex não houve restrições de ingredientes. Trechos de hits de Adele, Rihanna, Justin Bieber, Tove Lo e Calvin Harris ficaram até pequenos quando a dupla, sob o nome Jack Ü, colocou para tocar "Nam Nam Não (Veja Só No que Deu)", de Wesley Safadão, e "Baile de Favela", de MC João. Mas a catarse da pista de dança foi maior quando MC Bin Laden subiu no palco, tirou a camisa e dançou ao som de "Tá Tranquilo, Tá Favorável" -- hit viral do funk paulista.

Enquanto a reunião do Oasis ainda é apenas um sonho, os fãs da banda tiveram a oportunidade de sentir mais um gostinho de anos 1990, com o show solo do guitarrista Noel Gallagher. Ele tentou cativar com um competente repertório solo, que serviu como um longo aquecimento. Mas foi só com as --poucas-- músicas da antiga banda que conseguiu de fato movimentar a plateia.

Com o dia favorável para a catarse coletiva, os norte-americanos do Alabama Shakes surpreenderam e arrastaram uma multidão para fazer um dos grandes shows do festival deste ano. A plateia foi hipnotizada pela emoção derramada em cada verso pela vocalista Brittany Howard, uma mistura de Tina Turner e Chuck Berry. A presença de palco e a voz rascante própria de uma cantora de blues emocionou o público, mesmo com o curto tempo de apresentação --50 minutos. Uma intensidade poucas vezes vista no festival.

Depois do vocalista dos Strokes, Julian Casablanca, se apresentar solo no Lollapalooza Brasil de 2014, agora foi a vez do guitarrista da banda, Albert Hammond Jr., estrear seu show individual no festival. Hammond segurou com competência uma apresentação simples e quase por todo o tempo todo pulsante. Os poucos que conheciam o repertório de seus três discos solos puderam dançar e se divertir em meio a uma fina garoa. Como esperado, nenhuma música dos Strokes foi executada no show.

Os norte-americanos do Walk the Moon faziam um show tranquilo até a entrada de cerca de dez integrantes do grupo Meninos do Morumbi, associação formada por mais de 4.000 crianças e adolescentes brasileiros. O grupo participou de duas músicas na percussão e mostraram entrosamento com os americanos. O vocalista, Nicholas Petricca, que subiu ao palco com os cabelos pintados de verde e amarelo.

Entre as atrações nacionais, o destaque foi para a cantora curitibana Karol Conká, que fez um show concorrido logo no início da tarde, pouco antes das 13h30. Com seu hip-hop carregado nas batidas graves, Karol Conká não decepcionou quem esperava da artista seu contundente discurso feminista, com letras que valorizam a mulher e os negros. "Vivemos em uma sociedade que nos obriga a seguir padrões. Estou aqui para dizer foda-se os padrões", disse ela, arrancando aplausos da plateia.

Emicida, que se apresentou já no final do dia, economizou no discurso engajado no dia em que São Paulo teve a maior manifestação política já registrada. O rapper ficou mais concentrado em mostrar seus hits para a plateia, como "Passarinhos", do disco mais recente "Sobre Crianças..." (2015), e "Hoje Cedo", do disco "O Glorioso Retorno..." (2013). Para o show ele trouxe convidados como MC Guimê, que dividiu os vocais em "País do Futebol", e Rico Dalasam, que cantou "Mandume", do próprio Emicida.

*Colaboraram Felipe Branco Cruz, Mariane Zendron e Tiago Dias