"O tempo voa quando você está se divertindo", diz Smokey Robinson em disco

GARY GRAFF

The New York Times Sindycate

Smokey Robinson teve um bom motivo para batizar seu novo álbum de “Time Flies When You’re Having Fun” (o tempo voa quando você está se divertindo).

“É como me sinto a respeito da minha vida”, explica a lenda da gravadora Motown. “Eu me sinto tão abençoado por viver uma vida e ganhar a vida fazendo o que amo. Eu sinto como se fosse um presente de Deus.”

“E ela simplesmente passou voando. Cinquenta anos se passaram de uma hora para outra. E também sinto que tenho mais para dar, então não posso esperar para fazer isso.”

Se Robinson, 69 anos, nunca mais cantasse outra nota, sua lenda estaria garantida –Bob Dylan o chamou de “maior poeta vivo da América”– e seu lugar na história da música permaneceria tão sólido quanto os ritmos que os Funk Brothers tocavam na Hitsville U.S.A., durante o auge da Motown.

Contando com mais três dúzias de sucessos Top 40, sozinho e com The Miracles, Robinson foi o primeiro astro triplo da Motown, como intérprete, compositor e produtor. Ele deu à empresa o primeiro single que vendeu um milhão de cópias, “Shop Around” (1961) do Miracles, e o primeiro sucesso a atingir o primeiro lugar nas paradas, “My Guy” (1964), que ele compôs para Mary Wells. The Temptations, the Marvelettes e Marvin Gaye também se beneficiaram com a proeza musical de Robinson, que ele atribui ao ambiente em que foi criado.

“Eu tinha duas irmãs mais velhas e minha mãe, que tocavam música o dia todo, de todo tipo”, diz Robinson, que nasceu William Robinson Jr. no North End de Detroit. “Gospel, blues, jazz, pop, música popular, clássica... Eu tive uma grande dose de música enquanto crescia, cara.”

“E isso em uma época em que a canção reinava. O que quero dizer é que, quando alguém compunha uma canção de sucesso naquela época, digamos os Gershwins compunham um sucesso, todos os artistas gravavam aquela canção. Todos interpretavam sua versão particular daquela canção. Uma canção de sucesso era cantada por todos e... se tornava eterna.”

“Aquilo deixou uma grande impressão em mim.”

Robinson não demorou muito para começar. Ele tinha 6 anos e estava na primeira série quando convenceu sua professora a deixá-lo escrever a letra para uma das canções para uma peça do Tio Remus que a escola estava apresentando. Ele continuou fisgado pela música à medida que crescia.

“Em vez de pegar meu dinheiro para comprar doces o tempo todo, eu costumava comprar um livro de canções chamado ‘Hit Parade’, para que pudesse encontrar as letras das canções lançadas na época.”

Robinson e os Miracles –Pete Moore, Bobby Rodgers, Ronnie White e a futura esposa de Robinson, Claudette Rodgers– frequentaram todos o colégio Northern de Detroit e primeiro se uniram sob o nome The Matadors. Robinson compôs “Got a Job” (1958), como uma resposta a “Get a Job” (1957) de The Silhouettes, e faz amizade com outro compositor local, Berry Gordy Jr., que na época estava compondo sucessos para Jackie Wilson.

Diz a lenda que foi Robinson quem convenceu Gordy a abrir a Motown, que neste ano está celebrando seu 50º aniversário, mas ele quer corrigir a história.

“Eu conversei com ele sobre tornar (a Motown) nacional e internacional”, diz Robinson. “Nós éramos um selo local e ele achava que não estávamos prontos para virar uma gravadora nacional, então eu o convenci que estávamos. Nós tínhamos tantos sucessos, localmente em Detroit, e ele tinha que sair atrás de outra empresa... Então eu disse para ele: ‘Por que não fazemos isso nós mesmo?’ E ele disse: ‘Você tem tanta confiança assim em mim?’ Eu disse: ‘Sim, com certeza tenho’, e foi o que fizemos.”

“E o restante é história, não é?”

Robinson, que foi vice-presidente da Motown de 1961 a 1988, diz que o selo fez história devido a uma visão singular, mas inclusiva, que veio do topo da empresa.

“Desde o primeiro dia em que Barry começou a Motown, lá estavam ele e quatro outras pessoas. E ele fez com que nos sentássemos e disse: ‘Nós não vamos fazer apenas música negra. Nós vamos fazer música para todo mundo. Nós vamos fazer música com grandes ritmos e grandes histórias. Nós vamos fazer música para o mundo’.”

“E, graças a Deus, foi o que realizamos. Ter pessoas me abordando de todas as partes do mundo, em aeroportos e todo lugar, ver alguém se aproximar de mim e dizer: ‘Irmão Smokey, eu sou de Zâmbia e adoro sua música’.”

“Zâmbia”, ele diz em descrença. “Qualé, cara... É uma bênção maravilhosa, maravilhosa, maravilhosa fazer parte disso e saber que gerações, gerações e gerações de pessoas de todo o mundo cresceram ouvindo isso e ainda estão crescendo ouvindo isso. É simplesmente... uma bênção.”

Robinson é integrante tanto do Salão da Fama do Rock and Roll quanto do Salão da Fama dos Compositores, além de contar com duas estrelas na Calçada da Fama de Hollywood, uma só dele e outra com The Miracles. Mas talvez a maior dentre as muitas honras que ele recebeu, entretanto, veio na forma de tributos musicais de outros músicos, como George Harrison, que o enalteceu em “Pure Smokey” (1976), e ABC, em “When Smokey Sings” (1987).

Mesmo assim, Robinson não repousa sobre esses louros. A musa criativa permanece uma presença constante em sua vida.

“Quase todo dia da minha vida me vem alguma ideia para uma canção, e não estou exagerando. Quase todo dia da minha vida surge uma melodia, alguma letra, uma frase, uma ideia, alguma coisa. E muitas vezes eu não as anoto ou algo assim. Quando realmente me empolgo com alguma... eu telefono para minha secretária eletrônica e deixo lá, para que eu não esqueça.”

Desde que deixou a Motown no início dos anos 90, Robinson desfrutou de sucessos ocasionais como “Double Good Everything” (1991). Ele também lançou uma linha de produtos alimentícios e tem sido visto regularmente no programa “American Idol”, mais recentemente orientando os 10 candidatos finais em um episódio com tema da Motown, exibido em março.

E não, esta lenda não vê nada incongruente em aparecer em “American Idol”.

“Eles criaram o maior veículo de exposição de toda a história do show business. Até mesmo as pessoas que participam dos testes, e algumas delas são histéricas, são vistas por milhões de pessoas em todo o mundo. E assim que levam os 24 para Hollywood, eles já contam com uma base pessoal de fãs. É uma plataforma fantástica.”

Robinson passou três anos fazendo “Time Flies When You’re Having Fun”, começando enquanto ainda trabalhava em seu álbum de standards, “Timeless Love” (2006). Ele alugou um estúdio em Burbank, Califórnia, lembra o cantor/compositor, e seguia para lá sempre que tinha uma pausa nas turnês, para gravar “à moda antiga”, com Robinson e os músicos tocando “ao vivo na fita”, todos na mesma sala ao mesmo tempo.

“Era muito divertido, porque era como costumávamos gravar antigamente. Não é como hoje, em que as pessoas vêm em horas diferentes, dias diferentes, ou um sujeito está em Londres, o outro em Nova York e você raramente vê o outro.”

“Eu queria fazer isto à moda antiga e estava me divertindo tanto gravando (‘Timeless Love’) que disse: ‘Ei, vou incorporar algumas das minhas composições originais nisto e fazer ao mesmo tempo e do mesmo jeito’.”

“Foi uma farra fazer isso, cara.”

“Time Flies When You’re Having Fun” conta com participações especiais de India Arie, Carlos Santana e Joss Stone. E apesar do álbum, o primeiro lançamento pelo selo do próprio cantor, a Robso Records, exibir composições do próprio Robinson, ele inclui um cover: uma versão do sucesso “Don’t Know Why” de Norah Jones.

“Eu simplesmente amo aquela canção. A interpretação dele tem tamanho frescor e é tão singular. Antes mesmo de saber sobre o que a canção se trata, a abordagem dela e o arranjo que fizeram na versão dela chamam sua atenção. Ele tem uma melodia linda e é uma ótima história de amor abstrata.”

“Quando eu decidi gravá-la eu apenas a entristeci, a deixei mais lenta e cantei mais como balada. Eu cantei da forma como a sentia. É diferente, mas ainda funciona. Qualquer grande canção pode ser feita de modos diferentes. É por isso que são grandes.”

É a busca por essas grandes canções, sejam compostas por ele ou por outros, que sempre o manterá na ativa, acrescenta Robinson.

“Eu acho que a criatividade é um dom que vem de Deus. Quando uma ideia me ocorre, eu simplesmente anoto o que me vem no momento. Eu não sou daqueles compositores que dizem: ‘Bem, vou tirar dois meses de folga, ir para as montanhas e me isolar, para que possa compor algumas canções’. Elas simplesmente acontecem. Como eu disse, é um dom que vem de Deus.”


“Algumas pessoas descobrem qual é seu dom e algumas nunca descobrem. Eu acho que é isto o que eu devia fazer, então vou continuar fazendo isso o melhor que posso.”

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan.)

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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